domingo, 22 de junho de 2025

ESPECIAL: A História da TV Brasileira Seria Outra a Partir dos 70's


Vocês devem se lembrar do dia em que eu publiquei neste blog a hipotética situação em que CNT e Rede TV! poderiam ter se tornado uma única emissora de TV na chegada do ano 2000. E quem curtiu adoidado o carnaval de 2025, nem reparou numa mudança impactante na televisão brasileira, principalmente para os assinantes de TV à cabo. Os canais do Grupo Disney (exceção feita a ESPN) saíram do ar neste país devido a baixa audiência e baixo retorno financeiro. Parece que os executivos do reduto de Mickey Mouse reconheceram que o streaming é o universo audiovisual a ser explorado. Esse fato eu encaro como o sinal dos tempos, pois logo logo (a médio/longo prazo), outros grupos de comunicação vão seguir o mesmo rumo e retirar do ar o sinal aberto de suas emissoras (tanto abertas quanto pagas) para entrar neste novo caminho que permite o público a escolher melhor o conteúdo que quer assistir, maratonar nos finais de semana, segmentar seus gostos (refletindo inclusive nos algoritmos dos anúncios da futura TV 3.0) ou deixar ligado o aparelho Smart num canal Fast dito em tempo real sem o menor compromisso. Mas é preciso acima de tudo criar e aplicar uma nova cultura de tecnologia a nossa tão desaprendida nação.

Pois bem, entre uma pesquisa e outra que faço prazerosamente nos acervos online de jornais e blogs de revistas antigas aqui e ali, sem contar meu vasto conhecimento acerca da história da televisão brasileira (modéstia a parte), chego a uma outra conclusão de que, se não fosse as mancadas e desatenções governistas ao longo desses anos, a história da TV brasileira seria completamente outra a partir dos anos 70! É isso mesmo, não fosse a paranoia do Governo daquela época, este notável meio de comunicação seria melhor incentivada e encaminhada a partir da década seguinte para sua plena independência (leia-se privatização das concessões). Essa é a consequência negativa do mal aproveitamento e sucateamento atual da televisão aberta no Brasil, que a bem da verdade está com os dois pés na sepultura. A causa é a seguinte: quando aquela década começou, testemunhou-se um fenômeno que pode muito bem ser denominado "cemitério de emissoras", pois o Rio de Janeiro tinha acabado de presenciar a falência de duas estações de TV num espaço de tempo de 17 meses.

 

E a história prova que ninguém se preocupou em expandir o veículo, abrir o mercado, equilibrar a balança comercial e os índices de audiência, pois o Governo Militar estava mesmo era de olho na Rede Globo de Televisão em usá-la como seu principal porta-estandarte no que diz respeito a "instrumento de integração nacional", acabando por, intencionalmente ou consequentemente, monopolizar o mercado audiovisual brasileiro, enfraquecendo assim os concorrentes mais próximos (leia-se TV Tupi, que já se encontrava numa situação financeiro/administrativa delicada). Taí um bom motivo para vocês terem ainda mais raiva do Regime Militar. Há um certo tempo, eu estava com vontade de tratar este caso no meu blog, tava entalado na garganta, mas agora, nada mais propício no ano do 75º aniversário do veículo, é que vamos abordar o que poderia ter acontecido e quais os desdobramentos à seu respeito (quem ficaria e quem sairia do ar). Portanto, sem fã-clubismo, comecemos:

Em 30 de setembro de 1970, o DENTEL determina a cassação oficial das concessões da TVs Excelsior de São Paulo e Rio de Janeiro devido a uma série de irregularidades de natureza financeira. Seiscentos funcionários (400 em São Paulo e 200 no Rio) iniciam uma luta para recuperar seus empregos em outros prefixos e, principalmente, poder receber pelos seus direitos trabalhistas. A sua diretoria tinha alegado em ter pago mais da metade do valor de uma dívida que totalizava Cr$ 45 milhões, vindos de sua parte do espólio deixado pelos bens do falecido proprietário Mário Wallace Simonsen. Inicialmente, pensou-se em montar uma cooperativa de artistas e profissionais para a produção independente de novelas e humorísticos, devido ao grandioso elenco que dispunha nas duas capitais, e que seriam revendidas em troca de aluguel de espaço em emissoras pequenas pelo Brasil, mas a ideia não foi pra frente. Segundo o site Tudo Sobre TV, do diretor Maurício Valim, o Governo da época não tinha interesse na manutenção de um grupo ligado ao governo anterior deposto, principalmente no meio de comunicação mais forte que a televisão estava se tornando.


Enquanto isso, em outubro, é encaminhado à Justiça um pedido de falência da TV Continental do Rio de Janeiro, mas não possuía documentação suficiente para que o Ministério das Comunicações e o DENTEL decretassem oficialmente sua cassação. Desde junho, a emissora tinha sido despejada de seu prédio, no bairro de Vila Isabel, obrigando seus 30 funcionários a operar sua programação diária num velho caminhão de externas, literalmente caindo aos pedaços, permanentemente estacionado no Grajaú Tênis Clube, cujos equipamentos adquiridos 10 anos antes não tinham sido totalmente pagos. É aí que surge a famosa (e verdadeira) lenda urbana em que um locutor de cabine, puto da cara, teria proferido as seguintes palavras no ar: TV Continental Canal 9, Rio de Janeiro. A emissora que não paga da "desorganização" Rubens Berardo, anuncia a próxima atração: Jornal da Bola.


Os bens das duas emissoras estavam sendo penhorados pela Justiça, porém, alguns equipamentos da TV Excelsior estavam sendo desviados para a recém-inaugurada TV Gazeta canal 11 sob alegação de pertencer ao Grupo Folhas. Isso porque o complexo da Vila Guilherme, onde funcionava os estúdios do antigo canal 9 paulista, era arrendado a esse mesmo conglomerado para a instalação de oficinas gráficas à serviço da Caixa Econômica Estadual de São Paulo, cujos funcionários tinham trânsito livre no local para a utilização de material técnico. Enquanto isso em Brasília, é assinada a Portaria Interministerial 408 do Decreto Federal nº 72.637 pelo presidente Emílio Garrastazu Médici, determinando a outorga da concessão do canal 2 do Rio de Janeiro (antigo prefixo da TV Excelsior na capital fluminense) para a Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa, que viria a instalar uma TV educativa carioca, à exemplo do que já existia em São Paulo (TV Cultura) e Recife (TV Universitária).


O ano de 1971 começa com uma bomba no mundo da TV: o contrato de aluguel de horário que o apresentador Silvio Santos tinha com a Rede Globo aos domingos ia expirar em 15 de agosto, só que o diretor-geral Walter Clark não estava interessado na sua renovação, que tinha de ser feita num prazo máximo de 60 dias antes da data de vencimento. Ele planejava com o Boni, superintendente operacional, uma maneira para transformá-lo em empregado da emissora e para isso reuniu diretores de várias emissoras, argumentando que canal nenhum venderia publicidade terceirizada em troca de compra/aluguel de espaço na programação para anunciar os próprios produtos e serviços, o que resultaria em perda de faturamento comercial. Foi a partir dessas manobras de bastidores que Silvio começou a alimentar seu sonho de ter seu próprio canal de televisão.


Surgem então boatos de que Silvio Santos fora a Brasília conversar com o Presidente Médici, pois estaria interessado em comprar o canal 9 de São Paulo e numa rara entrevista concedida a revista Veja em março daquele ano, Silvio confirma os rumores e anuncia que estava preparado em montar sua própria emissora de TV, adquirindo a concessão cassada da TV Excelsior por Cr$ 22 milhões. Isso porque aquele grupo de 400 funcionários da extinta Excelsior paulista procurou o animador/empresário implorando para que ele adquirisse a emissora para manter aquele pessoal empregado e estava sendo planejado tal contratação num período de seis meses, pagando o salário normal e mais os atrasados em forma de acordo financeiro. Além disso, investiria Cr$ 30 milhões na compra de novos equipamentos vindos da Inglaterra e dos Estados Unidos e traria vários profissionais de diversas emissoras, pagando salários três vezes maior e a garantia de participação nos lucros da sua nova emissora. E não era para menos: o Grupo Silvio Santos faturava Cr$ 180 milhões por ano graças a publicidade permanente do carnê do Baú da Felicidade durante o programa dominical.

O que aconteceu de verdade:
O presidente das Organizações Globo Roberto Marinho conversa pessoalmente com o "animador de auditório" e renova seu aluguel de horário para mais cinco anos. E em 1973, o Ministro das Comunicações Hygino Corsetti outorga as concessões das TVs Excelsior e Continental para a Rádio Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, que jamais entrariam ao ar.

O que deveria ter acontecido:
Roberto Marinho usaria seu poder de influência junto ao Governo e entraria em contato tanto com o Presidente Médici quanto com o Ministro Corsetti em meados de maio, determinando a autorização da compra da TV Excelsior de São Paulo e a outorga do canal 9 paulista a Silvio Santos. Marinho argumentaria que estaria consciente de que a Rede Globo estava ficando pequena demais para o "Homem do Baú" e que precisaria de um rival à altura, já que a TV Tupi, sua concorrente então mais próxima, estava ficando, segundo o entendimento do jornalista, fraca demais. A liderança Global já estava desproporcional tanto em São Paulo quanto no Rio. Então, até liberar a documentação de outorga da concessão, acertar a situação dos ex-funcionários da Excelsior e finalizar a instalação da nova emissora, Marinho prorrogaria a permanência de Silvio Santos no domingo da Globo até 31 de dezembro daquele ano. Em outras palavras, o último Programa Silvio Santos exibido pela Rede Globo seria em 26 de dezembro de 1971 e a inauguração oficial da nova emissora poderia ser no primeiro dia do ano de 1972. Anunciantes como Grupo Ipiranga, Lopes Sá Fumos, Ford e Varig manifestariam interesse na possível negociação de contratos publicitários com a nova emissora.

Como parte do edital de autorização para a aquisição do canal 9 de São Paulo, o Grupo Silvio Santos toma posse de um complexo de 4 mil m² na Vila Guilherme, zona leste de São Paulo, então pertencente ao Grupo Folhas, de um total de mais de 11 mil m², sendo os outros 7 mil de propriedade da Caixa Econômica Estadual de São Paulo, tendo inclusive a disposição de poder locá-las conforme o passar dos anos, dependendo da necessidade dos novos donos. Localizado na Rua Dona Santa Veloso, 575, o local sediava a TV Excelsior desde 1967, contando com seis estúdios, sendo quatro de tamanho maior para produção de novelas, humorísticos e entretenimento e outros dois de proporções menores para o jornalismo, debates e entrevistas. Isso sem contar o teatro da Sociedade de Cultura Artística na Rua Nestor Pestana, 145, Consolação, que contava com dois auditórios (um no térreo com mais de 1.100 lugares e outro no subsolo com capacidade para 340 pessoas) para os shows de variedades. O Teatro Astória do Rio de Janeiro, também pertencente a antiga TV Excelsior, situado na Rua Visconde de Pirajá, 595, Ipanema, zona sul do Rio, também passaria a ser de propriedade do Grupo Silvio Santos, mas o interesse em adquirir a TV Continental seria bastante cauteloso devido ao demorado andamento do caso do canal 9 carioca junto ao DENTEL e qual seria a posição do Ministério das Comunicações à respeito.


Apesar da força de vontade em colocar no ar programas educacionais, esportivos e pequenos filmes durante algumas horas por dia, a TV Continental nada pôde fazer para espantar a crise. A acusação de um calote financeiro à RCA Victor e a tentativa malsucedida de empenhar seus equipamentos, apenas acelerou o processo de cassação por parte do CONTEL. Em novembro, decidiu interromper suas atividades sem autorização do mesmo CONTEL e, pior, permaneceu fora do ar por mais de 30 dias. O canal 9 carioca também cometera outra infração: transferiu o gerenciamento da concessão sem prévia autorização do Ministério das Comunicações. O DENTEL estabeleceu um prazo de 30 dias para que os donos da TV Continental esclarecessem na Justiça do Trabalho a situação da emissora. Apesar da aprovação judicial do pedido de falência devido ao não-pagamento de uma nota promissória de Cr$ 3 mil, o Governo daria a última palavra seguindo conselho do CONTEL, acreditando que a emissora, diante de uma dívida irrisória, pudesse ser adquirida por um grupo idôneo.

O que aconteceu de verdade:
Em 21 de fevereiro de 1972, o Governo Federal assinou oficialmente a cassação da TV Continental canal 9 do Rio de Janeiro.

O que deveria ter acontecido:
O Ministério das Comunicações sugeriria ao Grupo Silvio Santos a compra da TV Continental, pelo fato de ser a única empresa de comunicação que manifestara interesse em adquiri-la. A transição só seria possível em dezembro, após os 30 dias regulamentares em que o canal 9 carioca estaria fora do ar. No edital, além de se apropriar do prefixo, Silvio adquire a massa falida da emissora: 84 poltronas estofadas, dois pianos de calda, o velho caminhão de externas em condições precárias (já citado parágrafos acima) e uma torre em boas condições para transmissão em cores. Então, no ensejo da inauguração do novo canal 9 paulista, com data marcada para 1º de janeiro de 1972, o novo canal 9 carioca entraria no ar ao mesmo tempo, permitindo assim o link Rio-São Paulo através dos troncos da EMBRATEL.

Já a TV Rio, em 15 de maio de 1971, tem 25% de suas ações vendidas para o Grupo Gerdau de Seguros, maior empresa siderúrgica privada do Brasil, de Élvio Azevedo Souza e Jorge Gerdau Johanpeter, e outros 25% para a TV Difusora de Porto Alegre, pertencente à Ordem dos Frades Capuchinhos. Com isso, os empresários gaúchos Walmor Bergheseh e José Salimen Jr. tornam-se proprietários majoritários da Rede de Emissoras Independentes a partir de junho daquele ano. A intensão seria montar a primeira cadeia de TV com cabeça-de-rede fora do eixo Rio-São Paulo, ou seja, a geração matriz seria a partir de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, tornando-se sócios de emissoras independentes deficitárias pelo Brasil. Mas divergências de gerenciamento e problemas com o CONTEL fizeram com que, em 5 de novembro, a emissora gaúcha obtivesse 53% das ações das TVs Rio e Alvorada de Brasília, enquanto que os 47% restantes ficasse com a TV Record de São Paulo, do Grupo Machado de Carvalho, que em 1972 teve seus 50% de ações adquiridas pelo mesmo Grupo Gerdau. Em 1974, a TV Rio chega a mudar sua diretoria duas vezes e tem a ideia de lançar uma nova rede, a SBC - Sistema Brasileiro de Comunicação. Logo, o Grupo Vitória-Minas, de Jorge Feijó, Joaquim Pires Ferreira e Carlos Eduardo Alvarez tornam-se sócios majoritários da rede, mas foram cassados pelo Governo mais tarde por irregularidades em seus negócios imobiliários e econômicos.


O que aconteceu de verdade:
Três meses depois, o empresário e fazendeiro Joaquim Cintra Godinho (amigo de Demerval Gonçalves, diretor-administrativo do Grupo Silvio Santos) acerta a sociedade com Paulo Machado de Carvalho em 14 de março de 1972 com a compra dos 50% das ações da TV Record de São Paulo (devolvidas pelo Grupo Gerdau) e tudo fica em segredo absoluto, já que Silvio ainda alugava horários na Globo e na Tupi. Enquanto isso, a TV Alvorada é rebatizada de TV Rio de Brasília em 7 de setembro de 1972 e que sai do ar em janeiro de 1976 contando com apenas dois funcionários que acionaram a Justiça do Trabalho para requerer seus direitos. E alguns meses depois, o Grupo Brasilino, empresa da Fábrica de Móveis Brasil, adquire a concessão e o canal 8 de Brasília passa a se chamar TV Regional.

O que deveria ter acontecido:
A Ordem dos Frades Capuchinhos, proprietária da TV Difusora de Porto Alegre, compraria 50% da TV Record, o que encaminharia com maior facilidade na formação da rede gerada da capital gaúcha, com TV Record, TV Rio e a própria TV Difusora. Mas havia um grande problema: cada emissora tinha seus horários próprios e as chances de formar uma cadeia simultânea eram bem poucas, mesmo na tentativa de "verticalizar" a programação, com sessões cinematográficas em horários fixos. O que era para ser uma grade voltada ao público masculino e oferecer as agencias de publicidade inserções com custo 10 vezes menor que o cobrado pela emissora-líder, resultou-se num grande fracasso. Dívidas, questões trabalhistas, problemas gerenciais, falhas de intercâmbio e desentendimentos com os proprietários gaúchos levariam as integrantes da REI à beira da falência. O elo mais fraco dessa rede independente seria a TV Alvorada de Brasília que, diante de uma situação delicada e sem as mínimas condições técnicas, forçaria o Grupo Gerdau a devolvê-la os 53% daquelas ações adquiridas anteriormente, por incompatibilidade. E em caráter de urgência, a emissora seria comprada pelo Grupo Silvio Santos, seguindo outra sugestão do Ministério das Comunicações. O canal 8 candango iria passar a integrar a rede da TVS como nova geradora de programação a partir de 7 de setembro de 1972, dia do Sesquicentenário da Independência.


Os militares que estavam no Governo e que pouco entendiam (ou quase nada) do assunto, imaginavam que os meios de comunicação no Brasil seriam usados desenfreadamente por um grupo de opositores e "falsos-comunistas" para pregar os podres dos situacionistas e forjar aquela agitação de palavras de ordem exageradamente revolucionárias a um povo sem cultura que é, até hoje, facilmente ludibriado. Foi com essa paranoia que as concessões de TV foram distribuídas a grupos vistos com simpatia pelo Regime da época.

O que aconteceu de verdade:
Em 23 de outubro de 1975, o presidente Ernesto Geisel outorga a concessão do canal 11 do Rio de Janeiro ao Grupo Silvio Santos e em 22 de dezembro no gabinete do Ministro das Comunicações Euclides Quandt de Oliveira em Brasília, ocorre a solenidade de assinatura do contrato com a presença do próprio Silvio Santos. E em 18 de setembro de 1976, a TV Record de São Paulo ganha uma injeção financeira com o anúncio oficial da sociedade do mesmo Silvio com Paulo Machado de Carvalho, sendo 50% das ações para cada um.

O que deveria ter acontecido:
O Presidente Geisel outorgaria a concessão do canal 11 carioca ao Grupo Bloch Editores e dois meses depois, no gabinete do Ministro Quandt de Oliveira em Brasília, haveria a solenidade de assinatura do contrato com a presença de Adolpho Bloch. A inauguração da TV Manchete só iria acontecer após Bloch adquirir a concessão do canal 7 paulista, ex-TV Record, na montagem da nova rede que, à exemplo da TVS do Grupo Silvio Santos, seria interligada através do link Rio-São Paulo. Após a transmissão das Olimpíadas de Montreal em 1976, encerra-se os trabalhos da REI, sendo assim o último suspiro da TV Record de São Paulo, cujo término de suas atividades seria culminado por um incêndio e pela morte do narrador esportivo Geraldo José de Almeida. A mítica e lendária TV Rio Preto canal 8 de São José do Rio Preto, afiliada da TV Record, seria resgatada da falência crônica do Grupo Machado de Carvalho sendo adquirida justamente pelo Grupo Silvio Santos, que passaria a se chamar "TVS Rio Preto" e expandiria o sinal da rede por todo o interior do estado de São Paulo.


Na passagem do tempo, as emissoras independentes sobreviventes (como a TV Difusora de Porto Alegre) seriam resgatadas pela TV Bandeirantes, que já começara a montar sua rede de emissoras pelo Brasil. A TV Rio, com problemas financeiros, encerraria suas atividades em abril de 1977. E em fevereiro de 1980, com a crise da Rede Tupi se agravando, surge a possibilidade de venda da TV Alterosa de Belo Horizonte na tentativa de se levantar dinheiro para normalizar os salários atrasados relativos à dezembro de 1979, até porque as TVs Itacolomi (da capital mineira) e Rádio Clube do Recife estavam financeiramente saudáveis e não havia razão pra cassação de ambas, pertencentes a primeira emissora de TV do Brasil. O motivo da venda da TV Alterosa era simples: segundo o Decreto 236 do Código Nacional de Telecomunicações, uma organização (nesse caso os Diários Associados) não podia (e até hoje não pode) ser dona de mais de uma emissora de televisão aberta (viu, dona IURD?) numa mesma cidade. O único que não gostava da possibilidade de venda era justamente o dono da TV Alterosa, Gilberto Chateaubriand, filho de Assis Chateaubriand e um dos condôminos acionários de confiança do fundador da TV Tupi, que tampouco se entendia com os outros integrantes do denominado "Condomínio Associado" alegando que a venda de ações do conglomerado era "terminantemente proibido", fazendo assim a vontade já antiquada de seu finado pai. Apesar dos Diários Associados não ter revelado inicialmente os valores da transação, João Calmon, outro condômino, comentou na época que a negociação era de Cr$ 40 milhões. Um grupo de 35 funcionários que atuavam na TV Alterosa revelou que a tentativa de venda da emissora já vinha acontecendo desde setembro de 1979 e que vinha acumulando um prejuízo mensal de Cr$ 500 mil, mas estavam apreensivos com a possibilidade de uma demissão coletiva diante da falta de informações.


O que aconteceu de verdade:
Gilberto Chateaubriand impediu que a Rádio Capital adquirisse a TV Alterosa. Ele acusava outro condômino, Edmundo Monteiro, que teve a ideia de vender a emissora mineira, de ser o "coveiro da TV Tupi" pela má gerência e assim foi indo e se enervando até julho de 1980 quando, por falta de negociação e desentendimentos de praxe, o Governo decreta oficialmente a cassação de sete emissoras da Rede Tupi. O estatuto do "Condomínio Associado" dava direito de preferência aos herdeiros diretos de Assis Chateaubriand na tomada de decisões para que depois fossem ouvidos os outros integrantes escolhidos a dedo pelo próprio ainda em 1960 quando o tal grupo de pessoas fora formado. Só que havia mais um problema: dos 22 integrantes do condomínio, 15 deles tinham mais de 60 anos! A TV Alterosa, por sua vez, continuaria sendo administrada pelos Diários Associados e se torna a partir de 1981 afiliada de uma nova rede, o SBT.

O que deveria ter acontecido:
Quem iria meter o bedelho no assunto seria novamente Silvio Santos (ele estava comprando tudo naquela época). Se nos anos 70 manifestou o interesse em adquirir as TVs Excelsior e Continental, na entrada da década de 80, chamaria Gilberto Chateaubriand para uma conversa particular, relembrando o espírito empreendedor e visionário do fundador da TV Tupi, "esfregaria na fuça" dele o tal decreto do Ministério das Comunicações que impede um grupo de comunicação em ter dois canais de TV numa mesma cidade (relembrando o caso da venda da TV Cultura de São Paulo ao Governo paulista em 1967) e ofereceria Cr$ 46 milhões (40 milhões pela compra propriamente dita da emissora e mais 6 milhões equivalentes a um ano de prejuízo) para transformar a TV Alterosa em "TVS Minas", garantindo assim o emprego das 35 pessoas que lá estavam. Por outro lado, não tinha o poder de mexer nas leis do "Condomínio Associado", já que caberia ao Governo quaisquer modificação no estatuto que controlava os Diários Associados. Gilberto Chateaubriand recuaria diante do carisma do empresário superstar, mas só aceitaria a oferta se Silvio desembolsasse Cr$ 50 milhões. Como numa típica negociação, a venda da TV Alterosa de Belo Horizonte seria acertada em Cr$ 48,3 milhões.


Conclusão: nessa suposição toda, o Presidente Médici e o Ministro Corsetti outorgariam em 1971, as concessões das TVs Excelsior e Continental ao Grupo Silvio Santos, autorizando assim a tal compra. A Rede Tupi seria salva da cassação em 1980 graças ao mesmo Grupo Silvio Santos, que compraria a TV Alterosa no mesmo ano, transformando-a em geradora da TVS, e os salários dos funcionários "tupinianos" seriam finalmente pagos. A TV Manchete seria inaugurada de uma forma bem diferente da que conhecemos, por volta de 1977. E nesse contexto todo, quem levaria a pior seria a TV Record, ela sairia do ar entupida de problemas causadas pela tentativa malsucedida de ingressar a REI e devido a um incêndio culminante. Nos 40 anos seguintes, três redes de TV disputariam o primeiro lugar em audiência, faturamento, alcance, número de afiliadas, funcionários e verbas publicitárias no Brasil (seguindo o exemplo dos Estados Unidos): Globo, Tupi e TVSBT.

O Ministério das Comunicações, na transição dos anos 70 para a década de 80, deixaria a insensibilidade em relação aos problemas das telecomunicações (vistas até hoje desse jeito, a não ser que haja alguma barganha) e deveria ter formado um Conselho de Comunicação Social, uma instituição privada criada pelo Governo Federal que teria o intuito de traçar um plano nacional de modernização e expansão da TV aberta de acordo com uma nova legislação que seria proposta, mas moldada e engendrada com o tempo vigente (exemplificando a regulamentação que controlaria os aperfeiçoamentos tecnológicos a serem adotados no Brasil ao longo dos anos, como o HDTV, Inteligência Artificial e a TV 3.0). A principal meta seria a privatização das concessões de rádio e TV, o que daria autonomia aos veículos supracitados do Brasil em se sustentar com os próprios recursos, sem ajuda do poder público. A tão falada Abertura seria estendida também nos meios de comunicação. Veja como ficaria o dial VHF em algumas cidades brasileiras:

São Paulo
2 - Cultura
4 - Tupi
5 - Globo
7 - Manchete
9 - TVS
11 - Gazeta (independente)
13 - Band

Rio de Janeiro
2 - TVE
4 - Globo
6 - Tupi
7 - Band
9 - TVS
11 - Manchete
13 - Corcovado (independente)

Brasília
2 - Nacional (semi-independente)
4 - Band
6 - Tupi
8 - TVS
10 - Globo
12 - Manchete

Porto Alegre
2 - Guaíba / Manchete
4 - Pampa / TVS
5 - Tupi
7 - TVE RS
10 - Difusora / Band
12 - RBS / Globo

Belo Horizonte (o canal 12 iria para o canal 13)
2 - TVS Minas
4 - Tupi
5 - Manchete
7 - Band
9 - TVE Minas
11 - Sociedade (independente)
13 - Globo

Recife
2 - Jornal do Commercio / TVS
4 - Tribuna / Band
6 - Tupi
7 - Pernambuco (independente)
9 - Tropical / Manchete
11 - TVU
13 - Globo

Curitiba
2 - Band
4 - Iguaçu / TVS
6 - Paraná / Tupi
7 - Independência / Manchete
9 - TVE Paraná
12 - Paranaense / Globo

Fortaleza
2 - Tupi
5 - TVE Ceará
7 - Manchete
8 - Cidade / TVS
10 - Verdes Mares / Globo
12 - Jangadeiro / Band

Goiânia
2 - Anhanguera / Globo
4 - Goyá / Tupi
5 - Cultura
7 - Manchete
9 - Serra Dourada / TVS
11 - Goiânia (independente)
13 - TBC / Band

Salvador
2 - TVE Bahia
4 - Aratu / Globo
5 - Itapoan / Tupi
7 - Band Bahia
9 - Cabrália / TVS
11 - Bahia / Manchete
13 - A Tarde ou Tribuna da Bahia (independente)

Belém do Pará
2 - Tupi
4 - Guajará (independente)
5 - Cultura
7 - Liberal / Globo
9 - RBN / Manchete
11 - TVS Pará
13 - RBA / Band

Florianópolis (o canal 12 iria para o canal 13)
2 - Cultura
4 - SCC / TVS
6 - RCE / Tupi
9 - Barriga Verde / Band
11 - Manchete (retransmissora)
13 - RBS / Globo

Manaus
2 - Cultura
4 - Baré / Tupi
5 - Amazônica / Globo
8 - RBN / Manchete
10 - Norte / TVS
13 - Band (retransmissora)

Vitória
2 - TVE ES
4 - Gazeta / Globo
6 - Vitória / Tupi
7 - Tribuna / Band
10 - Capixaba / TVS
13 - Litorânea / Manchete

Campo Grande
2 - Tupi
4 - TVE MS
6 - Morena / Globo
8 - Campo Grande / TVS
11 - Manchete (retransmissora)
13 - Guanandí / Band

Cuiabá
2 - TVU
4 - Centro América / Globo
5 - Rondon / Manchete
8 - Brasil Oeste / Tupi
10 - Gazeta / Band
12 - Cidade Verde / TVS

São Luís do Maranhão
2 - TVE MA
4 - Difusora / Tupi
6 - Cidade / Band
8 - São Luís / Manchete
10 - Mirante / Globo
12 - Praia Grande / TVS

Natal
3 - Potengi / Band
5 - TVU
8 - Tropical / Tupi
10 - Manchete (retransmissora)
11 - Cabugi / Globo
13 - Ponta Negra / TVS

Maceió
2 - TVE AL
5 - Alagoas / TVS
7 - Gazeta / Globo
9 - Band (retransmissora)
11 - Pajuçara / Tupi
13 - Manchete (retransmissora)

João Pessoa
4 - Miramar / Cultura
5 - Tambaú / TVS 
7 - Cabo Branco / Globo
10 - O Norte / Tupi
12 - Correio / Band
13 - Manchete (retransmissora)

Campina Grande
3 - Paraíba / Globo
5 - Miramar / Cultura
7 - Manaíra / Manchete
9 - Borborema / TVS
11 - O Norte / Tupi
13 - Correio / Band

Campinas
2 - TVS Interior
4 - Band
6 - Princesa / Tupi
8 - Thathi / Manchete
10 - Cultura
12 - EPTV / Globo
13 - Gazeta (independente)

Ribeirão Preto
2 - Thathi / Manchete
4 - Cultura
5 - Tupi
7 - EPTV / Globo
9 - Clube / Band
11 - Gazeta (independente)
13 - TVS Ribeirão

Santos (o canal 4 iria para o canal 3)
2 - Cultura
3 - TVS Litoral
5 - Thathi / Manchete
6 - Tupi
8 - Tribuna / Globo
10 - Band
12 - Gazeta (independente)

São José do Rio Preto
2 - Globo
4 - Cultura
5 - Band
7 - TVS Rio Preto
9 - Tupi
11 - Gazeta (independente)
13 - Manchete (retransmissora)

Londrina
3 - Coroados / Globo
5 - Cidade / TVS
7 - Tropical / Tupi
9 - Independência / Manchete
11 - TVE Paraná
13 - Tarobá / Band (retransmissora, sinal gerado de Cascavel)


Isso é só uma hipótese embasado nas pesquisas de notas de jornais e revistas que faço, até certo ponto, despretensiosamente. Não custa nada dar asas a imaginação e perceber que, se tivessem pensado lá atrás na importância que a televisão representaria em nossas vidas, ela não seria tão sucateada e usufruída por um grupete assumidamente ganancioso de machistas sádicos de mente senil e excessivamente patriarcais regendo todo o poder de decisão do setor, bajulando e barganhando com o poder público seja ele qual for (esquerda ou direita, socialista ou capitalista), levando em conta apenas seus próprios pontos de vista e jamais se colocando na pele do telespectador, que até hoje sofre e quebra a cara todos os anos por esperar aquilo que jamais vai aparecer num piscar de olhos: melhorar a qualidade de conteúdo na programação das emissoras e respeitar todos os tipos de público, já que falam atualmente em "mudança de perfil". É uma ferida aberta que, até cicatrizar, vai ser tarde demais, todos se vulgarizaram e se rebaixaram monumentalmente. Por isso que torno a repetir: se não fosse a ganância de uns e a paranoia de outros, a história da televisão brasileira seria outra.

#PorUmaTVMelhor