HISTÓRIA: Cidade Contra Cidade - 56 Anos

Eu fiquei emocionado Naquele domingo à tarde Quando assisti ao programa Cidade Contra Cidade (...) Carlos Cezar, José Fortuna e Valentino Gu...

terça-feira, 30 de abril de 2024

HISTÓRIA: Cidade Contra Cidade - 56 Anos


Eu fiquei emocionado
Naquele domingo à tarde
Quando assisti ao programa
Cidade Contra Cidade (...)

Carlos Cezar, José Fortuna e Valentino Guzzo

Nessas minhas fuçadas pelas mais remotas grades de programação da TV brasileira a serem futuramente publicadas neste despretensioso blog, um específico programa no qual tenho lembranças muito vagas surgiu nas minhas retinas e, pelo que pude observar, sua história é bem rica e profunda e merecia não só uma postagem, mas um almanaque inteiro! Esse programa de TV que não existe mais (e bem que merece um revival) estaria completando 56 anos! É aquela competição que envolvia duas cidades e mostrava o que cada uma tinha de melhor valor para milhões de pessoas em todo o país, tornando-as conhecidas a ponto de revelar importantes personagens tanto em frente quanto por trás das câmeras! E tendo como fontes possíveis e acessíveis de pesquisa a Hemeroteca Digital Brasileira, o site Tudo Sobre TV, os blogs Tudo isso é TV, Amiga e Novelas e Revista Melodias, o ISSUU de Roberto Toledo, o blog do Valmir Guedes, o peruano Kester da comunidade social Colectomania, a ajuda do Kleber Nunes do blog TV em Brasília e o próprio YouTube, apresento a vocês a história do Cidade Contra Cidade!

Origens

O programa que teria originado o CxC veio dos Estados Unidos, certo? Errado! Esse tipo de programa de competição entre municípios surgiu na Itália. Em 5 de novembro de 1959 entrou no ar aquele que foi o primeiro programa de TV nesse formato, envolvendo duas equipes jogando entre si: Campanile Sera. Exibido nas noites de quinta-feira através da RAI, emissora estatal italiana, tinha duração de 60 minutos e foi o exemplo inicial televisivo de que se tem notícia de "game show", permitindo assim a participação tanto dos que estavam presentes no estúdio quanto dos que estavam acompanhando em casa.

Slide do programa "Campanile Sera" da RAI / Google Images

Toda semana, uma cidade do norte italiano e uma outra do sul do país se enfrentavam numa verdadeira olimpíada que juntava provas de resistência física com desafios à inteligência. O objetivo era apresentar ao público o cotidiano das aldeias e vilas italianas de acordo com sua cultura, produtividade, economia, linguagem, artes, origens e principalmente sua localização geográfica, fazendo com que o programa fosse o mais perfeito meio de promoção turística para esses municípios. Até então, os povos setentrionais e meridionais da Itália eram muito distantes uns dos outros e o programa permitiu que o italiano conhecesse melhor sua multicultural nação. Antes de cada episódio, era emitido um filme no estilo "cinejornal" mostrando os aspectos dos dois participantes.

Cena da prova decisiva do "Campanile Sera" / Google Images

Surgida de um programa de rádio, Campanile Sera tornou-se um grande sucesso num novato veículo de comunicação que estava sendo introduzido na Itália desde 1954, a televisão, tendo audiência média de 11 milhões de telespectadores e produzida até 30 de novembro de 1961 após a realização de 104 confrontos, porém, só saiu do ar a 2 de outubro de 1962 devido a uma avalanche de reapresentações. Naquele mesmo 1962, Campanile Sera mudou de canal, ou melhor, mudou de país. Seu formato migrou-se para a França e através da TV estatal ORTF surgiu o programa Intervilles, que permaneceu no ar por impressionantes 51 anos, sendo esta uma competição exclusivamente atlética, abolindo assim os quadros de perguntas e respostas, e que, mais tarde, permitiu a participação dos povoados de toda a Europa, possibilitando a integração do continente por meio da Eurovision. Na Alemanha Ocidental, por exemplo, essas eliminatórias internas se chamavam Spiel Ohne Grenzen, mas fora rebatizada na década de 70 pela TransTel, uma produtora de conteúdos instrutivos subsidiária da rede estatal WRD, de Tele-Match, sendo distribuído para todo mundo e dublado em quatro idiomas.

Prova do "Spiel Ohne Grenzen", que ganhou o mundo rebatizado de "Tele-Match" / Google Images

Nascimento

No Brasil, esse tipo de gincana chegou em 1968 através do Programa Silvio Santos, cujo balão de ensaio teria sido um quadro chamado Partida de Cem, exibido aos domingos pela TV Paulista (atual Rede Globo) em meados dos anos 60 (não tenho a data precisa), meio que exclusivo do Baú da Felicidade. Em cima desse quadro, o formato foi se aperfeiçoando a ponto de surgir o primeiro programa de TV do Brasil de competição citadina. CxC teria nascido após Silvio Santos voltar de um estágio de 40 dias que fez na rede norte-americana NBC em outubro daquele "ano que não terminou" e isso pode ser uma pista pela busca da data oficial de estreia. E mais, a TV Tupi de São Paulo estava modificando sua programação e Silvio alugava as tardes de sábado (isso mesmo que você acabou de ler) para apresentar os suplementos de sua atração dominical que, até então, quase ninguém dava bola. Quem reinava absoluto nas "jovens tardes de domingo" era a Jovem Guarda de Roberto Carlos e cia. Então, a Tupi ofereceu a Abravanel o aluguel de programação nas noites de sexta-feira para "matar dois coelhos com uma cajadada só" e foi aí que nasceu o CxC.

Anúncio do CxC através do potencial comercial da TV Tupi / Blog Amiga e Novelas

Não há, repito, um registro preciso da data do primeiro programa, até porque a forma de divulgação da programação que as emissoras distribuíam a jornais e revistas na época era muito malfeita. Por isso que nas programações de sexta-feira da TV Tupi em 1968 se vê na casa das 21 horas a simples denominação "Programa Silvio Santos", mas foi somente em 1969 que foi feita a alteração para "Cidade Contra Cidade", até porque sua duração ocupava toda aquela faixa noturna, variando de 3 a 4 horas. Só que no auge do sucesso, o programa chegou a ter mais de 5 a 6 horas de duração, começando a partir das 21 horas e terminava varando as 3 da madrugada, com breve interrupção à meia-noite para um noticioso de 15 minutos chamado Diário de São Paulo na TV. Foi justamente esse programa que impulsionou a carreira de Silvio Santos como apresentador de TV ou, como ele próprio se referia, "animador de auditório". Até então, a única referência nesse estilo de apresentadores que rompiam a barreira do formalismo de "mestre-de-cerimônias" era o Chacrinha com seu estilo carnavalesco e circense. Silvio, que já estava no ar desde 1961, era um vendedor boa pinta e galanteador com ares de malícia, até porque ele próprio fazia questão de anunciar e promover em verso e prosa todas as vantagens de seu empreendimento maior, o Carnê do Baú da Felicidade.

Prova de beleza entre Araraquara e São José do Rio Preto / ISSUU de Roberto Toledo

Inicialmente, era transmitido ao vivo do acanhado estúdio-plateia da TV Tupi no bairro paulistano do Sumaré, até mudar de endereço. Em 26 de abril de 1969, a emissora pioneira compra o Cine Monark e o transforma no moderníssimo Teatro Tupi, localizado na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, 884, Bela Vista, para os shows musicais e de entretenimento. Tinha 840 lugares nivelados e estofados em couro bordô (divididos em oito fileiras de 150 cada), teto metálico com cerca de 100 refletores e focos de luz, três setores técnicos (iluminação, áudio e switcher) interligados no balcão superior, quatro câmeras valvuladas, seis microfones aéreos supersensíveis, um moderno sistema de exaustores de ar, palco de 14 por 16 metros, saguão retangular na entrada, sala de espera no subsolo, seis camarins com toilletes, sala de maquiagem para dois lugares e seis caixas acústicas nas paredes da boca do palco. O evento de inauguração foi a apresentação da cantora italiana Gigliola Cinquetti.

Gigliola Cinquetti, pio bella ragazza / Blog Amiga e Novelas

O objetivo do programa era não ser apenas uma mera competição entre municípios, era unir cultura, diversão e solidariedade, sem esquecer o fator promocional que os ajudavam a ter divulgação via televisão, se tornar muito conhecidos do grande público do que apenas no "ouvir falar" e assim poder derrubar as barreiras dos estereótipos. Toda semana, duas cidades diferentes se enfrentavam, tinham 10 tarefas para cumprir e algumas delas submetidas ao julgamento de um corpo de jurados composto por quatro convidados especiais e também a um recurso importado (de fato) dos Estados Unidos, o palmômetro, sendo a única exigência em todas as provas era de que os participantes sejam nascidos na cidade em que estavam representando. O ponto alto da disputa era a arrecadação que cada cidade fazia em prol da Santa Casa de Misericórdia do adversário, em que cada habitante doava uma quantia mínima de NCr$ 100 e a depositava num envelope. Ao final das 10 tarefas, quem conseguisse acumular mais pontos vencia o programa. O prêmio era uma ambulância super equipada para a Santa Casa de Misericórdia da cidade vencedora.

Prova da arrecadação entre Campos do Jordão e Aparecida do Norte / Blog Amiga e Novelas

Com produção e direção de Luciano Callegari, o programa estava meio que a mercê das excentricidades ingênuas de Silvio Santos, que toda semana inventava uma série de coisas às cidades competidoras, a ponto de mudá-las na última hora e talvez provocando, propositalmente ou não, uma certa "desorganização" por parte da própria equipe responsável pelo programa. Nesses casos, algumas cidades se sentiam prejudicadas e/ou injustiçadas. Mas polêmicas à parte, CxC chegava a ter uma audiência superior que a do próprio Programa Silvio Santos (que girava em torno de 35% na época) por um único motivo: a TV Tupi contava com uma poderosa rede de retransmissoras espalhadas por todo o estado de São Paulo e seu sinal alcançava o sul de Minas Gerais, o sul do Mato Grosso (quando era um estado só) e o norte do Paraná, enquanto que a TV Paulista (já adquirida pelas Organizações Globo) contava apenas com uma estação repetidora em Santos e uma pequena geradora em Bauru. Em 10 de outubro de 1969, segundo dados oficiais do IBOPE, atingiu a impressionante marca de 43% de audiência na disputa entre São Caetano do Sul e Nova Granada, superando os 41,4% da transmissão da missão Apollo XI à Lua, ocorrida a 20 de julho do mesmo ano. Porém, em 25 de julho, dias depois da conquista da Lua, o duelo entre Amparo e Ouro Fino rendeu ao programa o parelho e estratosférico índice de 40,4% segundo o IBOPE paulista. O fato fez com que o CxC se tornasse um grande sucesso de crítica e público, possuindo assim (segundo a análise da imprensa na época) bom nível acessível e cultural, podendo-se obter excelentes informações, além de ser variado e muito divertido. Com todos esses atributos, CxC foi agraciado com o Troféu Imprensa de Melhor Programa de TV de 1969, quando a premiação ainda era feita pela revista São Paulo na TV.

Boletim do IBOPE comprovando a audiência fenomenal do CxC / Cidade de Santos - HDB

Organização

Para que uma cidade pudesse participar do programa e mostrar seus valores, precisava então montar e eleger uma comissão local composta pelo(a) presidente, vice-presidente, secretaria e tesouraria para entrar em contato com a equipe de produção, obter a inscrição e entrar na fila de espera para enfim ser selecionado e entrar na competição. No auge, o CxC chegou a contar com uma lista de 130 inscritos, sendo que cerca de 60 dessas cidades saíram vitoriosas. O prazo de preparação era de dois meses e as 10 tarefas mais comuns nessa "fase clássica" que cada equipe recebia eram essas:

- Trazer um radialista local para fazer os agradecimentos, anunciar as tarefas cumpridas e participar da prova final
- Trazer um grupo local para uma apresentação de tema livre com duração máxima de 5 minutos
- Trazer duas atrações musicais locais (seja cantor, cantora, dupla ou banda) para a Prova de Música
- Doar a maior quantia possível de dinheiro à Santa Casa da cidade contrária para a Prova de Arrecadação
- Trazer duas curiosidades interessantes para serem apresentadas na Prova da Curiosidade
- Trazer dois jogadores locais de futebol, o goleiro e o "melhor artilheiro", para a Prova dos Pênaltis, sendo três tentativas
- Trazer quatro pessoas e apresentar um desfile com tema estabelecido pelo programa para a Prova do Desfile
- Trazer três misses trajando maiô para a Prova de Beleza, sendo uma loira, uma morena e uma mulata/afrodescendente
- Trazer um universitário ou intelectual para a prova do Responda ou Passe, com perguntas de conhecimento geral*
- Trazer uma universitária para auxiliar o radialista de sua respectiva cidade para a prova final, o Jogo de Palavras: cada um escrevia uma lista de 15 palavras de acordo com um tema sorteado no programa, quem conseguisse mais coincidências de palavras, tinha vantagem a um envelope especial que podia valer de 1 a 10 pontos, sem antes a universitária adivinhar uma palavra num dos cinco envelopes que era escolhido pelo radialista. No caso de empate, os pontos valiam em dobro.

* Esse quadro, de fato, era uma cópia adaptada do game-show norte-americano Jeopardy (depois reaproveitada no quadro Só Compra Quem Tem), e os temas das perguntas eram: Política, Música, História do Brasil, Futebol, Geografia e Cinema. Haviam duas interrogações escondidas e o participante podia apostar até 50 pontos pela resposta certa. A pergunta final era exclusivo para o participante que passar duas vezes a seu oponente, podendo apostar até 200 pontos.

Cenas do embate entre Santos e Bauru em 12/09/1969 / Blog Revista Melodias e Cidade de Santos - HDB

Cada cidade tinha suas muitas formas de arrecadação de dinheiro para a Santa Casa como, por exemplo, pedágios, feiras e paradas pelos bairros, venda de selos comemorativos, camisetas com motivos do programa e decalques de plástico, banquetes e bailes nos principais colégios, universidades e Clubs Society, eventos esportivos e até leilões de artesanato, mobilizando assim toda a comunidade. As localidades tinham direito de receber 250 convites para compor a plateia do programa, tendo a disposição uma frota de 15 ônibus para transportar a torcida e os participantes, sendo todos sustentados à base de sandubas e refri durante o longo trajeto (imaginem as longas horas de viagem em meio as estradas de terra num tempo em que ainda não existiam rodovias e estradas vicinais devidamente asfaltadas).

Agora um desafio aos seguidores do blog: Onde Está o Roque? / Ouro Fino na Web

Em abril de 1970, houve uma ligeira mudança no formato do programa onde apenas uma cidade por vez aparecia semanalmente para mostrar suas atrações e executar as tarefas, extinguindo a competição, com o intuito de acumular o maior número de pontos possível e ter a torcida apenas como um incentivo. Quem terminasse em primeiro lugar na classificação geral, a cidade vencedora ganharia a construção de uma creche ou um ambulatório (não sei ao certo). E ao invés da arrecadação de dinheiro para a Santa Casa de Misericórdia, a iniciativa solidária passou a ser uma campanha de doação de livros para as Bibliotecas Municipais. Bem que poderiam utilizar o programa para estimular as cidades a entrarem na Campanha do Agasalho no meio daquele ano, mas não houve tempo. Devido a uma sensível queda de audiência e prestígio, o CxC em sua primeira e clássica fase saiu do ar em 26 de junho daquele ano. Nesse formato esquisito, Uberaba foi a grande campeã acumulando 442 pontos.

Participação de Tanabi enfrentando Campo Belo e Três Pontas / Canal Sax Eu - YT

Similares

CxC não era exclusividade de Silvio Santos, o programa teve uma porção de versões espalhadas em diversas emissoras pelo Brasil. Temos que lembrar que até a década de 70, a televisão ainda não tinha esse conceito de rede, tudo que era feito tinha alcance estritamente local, mas graças aos avanços proporcionados pela EMBRATEL, permitia a união entre estados vizinhos e suas divisas. Em 1969, por exemplo, a TV Paraná, então pertencente aos Diários Associados, contava com retransmissores em Santa Catarina, pois aquele estado ainda carecia de uma emissora própria, e criou o programa O Grande Desafio que permitia a competição entre uma cidade paranaense e outra catarinense. No mesmo ano, as TVs Tupi de São Paulo e do Rio de Janeiro, apesar de inimigas, se uniram para "reforçar" a rivalidade entre as duas maiores metrópoles brasileiras num programa chamado Paulistas e Cariocas, o primeiro transmitido simultaneamente para as duas capitais e era comandado por Walter Forster em São Paulo e Murilo Néri no Rio.

Anúncio do programa "Paulistas e Cariocas" da TV Tupi / Diário da Noite - HDB

Em 1971, a TV Itacolomi de Belo Horizonte, então líder de audiência, fez uma versão similar do CxC exclusivo para municípios de Minas Gerais que nunca tiveram chance no programa realizado em São Paulo. A gincana se chamava Mineiros Frente a Frente e tinha a apresentação do locutor esportivo Fernando Sasso, cuja seleção das cidades que se confrontariam era feita por sorteio. Depois, Flávio Cavalcanti em seu programa na Rede Tupi, tinha um quadro similar chamado "Turma da Pesada" em que um grupo carioca e outro paulista cumpriam as tarefas estabelecidas pelo apresentador ao longo da semana (mais tarde substituído por um inusitado duelo entre loiras e morenas). A competição entre cidades também era feita na TV Iguaçu de Curitiba em um quadro do Programa Mário Vendramel, assim como existia um programa próprio na TV Itapoan de Salvador, esta já como afiliada do SBT. Em meados dos anos 70, a TV Rio Preto também tinha um programa dessa espécie que reunia os municípios da região de São José do Rio Preto intitulado Cidades Frente a Frente. Até a Rede Bandeirantes em seus primórdios criou dois programas semelhantes que tinham o comando, respectivamente, dos disc-jóqueis Luiz Aguiar e Barros de Alencar: Colégio Contra Colégio e Campeonato dos Bairros.

Fernando Sasso, o locutor esportivo que dizia "Tá no filó!" / O Cruzeiro - HDB

Em 2005, a mesma Band firmou parceria com a Mesquita/JPO Produções na tentativa de relançar a competição entre municípios depois de oito meses de muitos preparativos. O programa se chamava Cidade Nota Dez e era exibido aos domingos à tarde com uma hora e meia de duração sob o comando de Otávio Mesquita e mais dois co-apresentadores, sendo cada um apoiando uma cidade diferente: Felipe Aukai e Silvinha Francheschi, ex-assistente de palco de Gugu Liberato. Com direção de Andrea Brandão e no formato de eliminatória simples, a disputa contou com a participação de 16 cidades, todas paulistas, indicando três instituições de caridade que gostariam de ajudar enquanto passavam de fase. O prêmio era uma doação de R$ 5 mil para tal entidade e as provas tinham caráter beneficente além de variáveis, o que criava um clima de desafio permanente, além de contar com um júri formado por três personalidades da mídia. Algumas dessas provas eram realizadas nos próprios municípios ao ar livre. Na estreia, em 7 de agosto, o primeiro duelo foi entre Mogi das Cruzes e Taubaté, mas a cidade campeã foi Santo André, derrotando Campinas na final de 13 de novembro, faturando o grande prêmio de R$ 15 mil. Sem a mesma repercussão de antes, talvez por causa dos modestos recursos que a emissora dispunha (e que atravessava um momento difícil), Cidade Nota Dez durou apenas uma temporada de 15 programas.

Eis o único registro encontrado do "Cidade Nota Dez" da Band / Canal Paulo Sérgio - YT

Não podemos esquecer também de uma versão bem interessante do CxC produzido pelo SBT, mas com a participação de comunidades estrangeiras firmadas no Brasil. Quem não se lembra do programa Nações Unidas? A partir de 12 de abril de 1992, a gincana comandada por Gugu Liberato e dirigida por Homero Salles reuniu 16 países divididos em 4 grupos. Na primeira fase, as comunidades que se enfrentariam aos domingos propunham três desafios entre si, sem contar as provas fixas, algumas delas reaproveitadas do CxC como Personagem Oculto, Sacos de Ouro, Muro da Perseguição e Palavra-Chave. Ao final da primeira fase, classificaram-se oito países para serem reagrupados em duas novas chaves e da segunda fase adiante, novas provas foram criadas como Prova da Descendência, Abordagem dos Barcos, Telefone Gigante, Rampa da Meleca, Jogo da Memória e Pergunta Final, permitindo com que os representantes de cada equipe apostassem de 1 a 3 pontos antes de cada prova. Após passarem pelas semifinais, Japão e Suíça fizeram a grande final em 10 de janeiro de 1993. Nações Unidas, cujo formato foi retirado da versão espanhola do Intervilles denominado Juegos Sin Fronteras (a eliminatória local que classificava uma equipe para a disputa geral europeia representando a Espanha), conquistou milagrosamente as classes altas para a programação dominical do SBT, obtendo médias de 17 pontos de audiência. Após uma única temporada de 39 programas, a comunidade japonesa de Maringá-PR, foi a grande vencedora, cujo prêmio foi um ônibus Mercedes-Benz de U$ 250 mil equipado com videocassete e ar-condicionado, mais cinco passagens de avião (naturalmente para o Japão) e uma antena parabólica da marca Santa Rita.

"Nações Unidas" era uma versão do CxC para comunidade estrangeiras / Tudo Sobre TV

Retorno

Após um ano de planejamento, CxC reestreou em 16 de outubro de 1977. Àquela altura, Silvio Santos tinha deixado a Rede Globo, conseguiu a concessão do canal 11 do Rio de Janeiro, tornou-se sócio de Paulo Machado de Carvalho e alugou cerca de nove horas de programação dominical na Rede Tupi. A sede da competição citadina passou a ser um cinema adaptado para se tornar o Teatro Manoel de Nóbrega, localizado na Rua Cotoxó, 1.021, entre os bairros de Perdizes e Pompeia. Arrendado por 10 anos, o local era uma estrutura de três andares e considerado o mais moderno auditório da TV brasileira até então. Com custo de Cr$ 8 milhões na época, o teatro contava com 500 lugares, cinco câmeras, cinco aparelhos de vídeo-tape, moderno sistema de controle técnico de áudio, vídeo e iluminação, dez microfones sem fio e o maior palco de um estúdio de TV da época com 58 metros de fundo por 28 de boca. Próximos ao local, foram alugados três sobrados para os trabalhos da equipe de produção e da parte administrativa, mobilizando mais de 300 pessoas.

Registros da participação da cidade catarinense de Laguna em 1978 / Blog do Valmir

Apesar de contar com um avançado sistema de controle de incêndio, aquele teatro foi destruído pelo fogo em 19 de agosto de 1978, ironicamente após uma gravação do CxC, causando perda de 98% da capacidade técnica. Como era localizado numa área predominantemente residencial, o incêndio teria sido causado por moradores daquela região que não toleravam o fato de presenciar toda semana a formação de enormes filas bem em frente aos edifícios próximos ao local. Foi então que no ano seguinte, a equipe da Studio Silvio Santos adquiriu em 1979 o Cine Sol da Avenida Ataliba Leonel, 1.772, Carandiru, zona norte paulistana numa região dominada pela classe média-baixa, e o transformou num dos mais importantes estúdios-plateia de televisão em todos os tempos, sendo utilizado por 18 anos seguidos, numa edificação de dois pavimentos com capacidade para 300 lugares, quatro camarins, dois estúdios auxiliares, lanchonete, ambulatório, almoxarifado, sanitários, mezanino, sala de espera, central técnica, discoteca, setor elétrico, maquinaria, salas de produção e escritórios administrativos, mas que por 15 anos era interligado a um velho caminhão de transmissão externa, permanentemente estacionado na esquina com a Avenida Azir Antônio Salton, por precaução.

Trecho do duelo entre Guaratinguetá e Pindamonhangaba em 1977 / MofoTV - YT

Essa segunda fase do CxC foi a que mais tempo ficou sendo exibida: três anos e meio. Na volta ao ar, o primeiro duelo foi entre Rio Claro e Pindamonhangaba e os convidados da bancada julgadora eram o "mulatólogo" Oswaldo Sargentelli, o jornalista Carlos Renato e a atriz Daisy Lucidi. O prêmio para a cidade vencedora passou a ser um Fusca zero quilômetro destinado a instituição de caridade escolhida pelos ganhadores. As provas passaram a ser variáveis a cada semana, procurando explorar as especialidades de cada cidade. Ambas propunham desafios entre si, sem contar outras provas que estavam a cargo da própria equipe do programa. Uma das novidades era a apresentação de uma "reportagem", com a narração em off de Lombardi, mostrando em três minutos os aspectos da cidade participante. A outra ficou por conta das provas externas, realizadas fora do palco do programa, tendo assim a utilização da piscina olímpica do Clube Tietê, no bairro da Luz, de onde fora instalada uma recém-adquirida unidade móvel equipada com três câmeras portáteis, que fazia a conexão via micro-ondas com o Teatro da TVS. E foi aí que surgiu um personagem importante que seria eternizado justamente pelas provas externas do CxC.

Alô, Alô, Ademar Dutra!

Nos anos 60, ele era conhecido como "Animador da Juventude" / Revista do Rádio - HDB

Nascido em São Paulo capital em 1930, Ademar estudou no Grupo Escolar Clóvis Bevilaqua, no Liceu Tiradentes e serviu a Aeronáutica afim de tentar uma vaga na Escola Aérea de Barbacena, mas, apaixonado pelos meios de comunicação, preferiu trabalhar na Rádio Excelsior de São Paulo criando, inicialmente, muitos programas a colegas da área. Em 1958, passou a apresentar um programa só seu, No Mundo dos Long-Plays e aí não parou mais quando tornou-se assistente do diretor-geral da emissora (integrante da OVC) Francisco Abreu e passou a acumular funções de redator, produtor musical e disc-jóquei. Ademar ganhava cada vez mais prestígio e popularidade na capital paulista, liderando a audiência com uma série de programas que iam do jazz ao iê-iê-iê, mas especializou-se nas paradas de sucesso, testemunhando inclusive o surgimento da Jovem Guarda. Sua agilidade, dinamismo, dedicação, respeito ao ouvinte e competência começaram aos poucos chamar atenção, tornando-se um dos primeiros "comunicadores populares" do rádio paulista. Em 1963, estreou na televisão apresentando e dirigindo o Clubinho das Cinco na TV Paulista, divulgando os cartazes e lançamentos musicais da época e no ano seguinte, migrou-se para a TV Excelsior comandando Festival da Juventude e Clube dos Brotos, todos especializados nos "ritmos da juventude", como diziam na época. Foi um dos precursores em apresentar um programa de TV direto das externas, isto é, sair do estúdio e levar câmeras e microfones para o lado de fora para ter contato direto com o público. Por causa do nome, ele, inúmeras vezes, era confundido com um cantor de nome muito parecido, Altemar Dutra, o "trovador das Américas".

No "Clube dos Brotos", demonstrando seu pioneirismo em comandar programas ao ar livre / Radiolândia - HDB

Nos anos 70, regressou a televisão (a TV Paulista fora adquirida pela Rede Globo) apresentando o VT Show, uma espécie de "pai do Vídeo Show" onde reprisava trechos importantes da programação Global ao longo da semana. Mas seguia firme no rádio e chegou a comandar um programa curioso intitulado Domingo Maior pela Rádio Nacional de São Paulo, numa época em que a estação tinha parado de transmitir futebol. O programa consistia numa versátil playlist enquanto a bola rolava e era transmitido direto da cabine de um estádio de futebol da capital paulista. Entre um bloco musical e outro, Ademar atualizava os resultados da Loteria Esportiva e quando terminava a partida, chamava o jornalista Carlos Aymard para fazer o comentário. Domingo Maior ficou no ar até setembro de 1977 quando o Sistema Globo de Rádio contratou Osmar Santos para reativar a Divisão de Esportes e Ademar foi dispensado, mas não ficou muito tempo desempregado. Ele tinha despertado a atenção de Silvio Santos e desde então passou a trabalhar para as empresas do apresentador. Sua atuação nas provas externas do CxC (e, depois, Nações Unidas) é lembrada até hoje, marcando para sempre sua carreira, mas paralelo a isso, chegou algumas vezes a substituir o próprio Silvio Santos num programa que ele fazia na Rádio Record de São Paulo e auxiliou na produção dos primeiros programas da TVS canal 11 do Rio de Janeiro.

Na inauguração do SBT, Ademar estava marcando presença / Cidade de Santos - HDB

Durante os 20 anos em que prestou serviço ao Grupo Silvio Santos, Ademar expandiu seus conhecimentos, ampliou sua área de atuação e acumulou as funções de gerente de programação, assessor de divulgação, chefe do teatro da Ataliba Leonel e diretor administrativo do SBT (quando a rede foi inaugurada em 1981), sem contar algum concurso ou informe publicitário do conglomerado que pudesse comandar na telinha. Ademar chegou a integrar a fase inicial do Viva a Noite em 1982, a dirigir o jornalístico Aqui Agora em 1991 e até a "assessorar" a pré-candidatura de Silvio Santos a Governador de São Paulo em 1990 pelo PST que não foi concretizada. Ao ser demitido, no final de novembro de 1997, Ademar vinha sofrendo de problemas renais e cardíacos e faleceu em São Paulo em abril de 2010 aos 80 anos de idade, deixando a esposa e dois filhos. À ele, rendo aqui minha singela homenagem.

Novidades

As gravações sempre aconteciam aos sábados à tarde, bem na véspera de ir para o ar, e foi aí que surgiu a "ideia" da edição compactada do programa. A competição integral durava cerca de três horas, mas o programa em si tinha uma hora e meia, contando os intervalos comerciais, isso porque alguns quadros considerados "desinteressantes" eram cortados para enxugar o tempo de exibição e evitar "estouros" que poderiam afetar a programação normal. Para isso, a locução de Lombardi passou a ser muito utilizada como forma de "emenda" nos cortes que o programa era submetido, anunciando o placar e os merchandisings de praxe. Um exemplo disso foi registrado no Diário do Paraná em abril de 1980, numa nota sobre o duelo entre Paranaguá e Guaratinguetá realizado no mês anterior. O placar final da disputa completa terminou 13 a 10 para o município do litoral paranaense, mas quem viu pela TV testemunhou uma competição acirrada que levou o representante do Vale do Paraíba a perder por muito pouco, 8 a 7.

Trecho relâmpago do confronto entre Jacareí e Guaratinguetá / Canal Página do Silvio Santos - YT

As comissões das cidades passaram a ser ocupados por grupos bastante heterogêneos entre si, ligados a vários setores da comunidade. Diretores teatrais, de balé, comerciantes, prefeitos, vereadores, autoridades civis, militares, assistentes sociais, religiosos, jornalistas, radialistas, colunistas sociais, secretários municipais, servidores públicos, costureiros, estilistas, dirigentes, atletas, acadêmicos e integrantes de associações em geral, se responsabilizavam pela apresentação dos quadros. Cada cidade era representada por uma delegação de cerca de 40 participantes e contava com uma torcida de 140 pessoas para ocupar a plateia, todos transportados em cinco confortáveis ônibus. Com o programa todo reformulado, o município vencedor voltava na semana seguinte para defender sua permanência até ser derrotado por uma outra cidade. Em caso de empate, as duas cidades eram obrigadas a voltar para, como diziam na época, a "negra". Nesse período, São José do Rio Preto é o que detêm o recorde de vitórias consecutivas, sendo sete ao todo, seguido por Duque de Caxias, com seis vitórias, e São Vicente, com quatro êxitos. As tarefas mais frequentes estabelecidas pela produção do programa eram estas:

- Trazer três participantes para a Prova de Adivinhação, que é tentar descobrir um personagem oculto
- Trazer quatro participantes para a Prova da Piscina, onde iriam se equilibrar em um misto de boia e caiaque
- Trazer quatro misses trajando maiô ou biquíni, para a Prova de Beleza: uma loira, uma morena, uma mulata e uma afrodescendente
- Trazer um grupo local típico para o Quadro Livre com o tempo de 3 minutos
- Trazer um nadador profissional para a Prova de Natação
- Trazer um grupo artístico para a Prova de Patinação Coletiva
- Trazer um participante para tentar pegar uma moeda ou cereja escondida dentro de uma torta sem usar as mãos
- Corrida de Animais (podia ser entre cavalos, ratos, cães, tartarugas ou caranguejos)
- Trazer uma curiosidade interessante para ser apresentada na Prova da Curiosidade
- Trazer um participante "intelectual" para a Prova da Cabine, respondendo a uma bateria de 5 perguntas que seriam feitas para ambas as equipes

O registro definitivo das vitoriosas participações de São José do Rio Preto em 69 e 77 / Canal Roberto Toledo - YT

Por trás das câmeras, dois chefes de delegação atraíram a atenção de Silvio Santos pelas apresentações impecáveis que suas respectivas cidades proporcionaram no momento das provas: Homero Salles, por São José do Rio Preto, e Detto Costa, por Olinda. Ambos foram contratados para dirigirem os futuros projetos da então apelidada "TV Silvio Santos", que aos poucos deixava de ser uma grande produtora independente para se tornar uma nova rede de televisão (sendo possível com o fim da TV Tupi e com a inauguração do SBT). Então, até o fim do programa, pouco após o carnaval de 1981 em meio a uma série de reprises, Homero Salles e Roberto Jorge eram responsáveis pela cidade 'A', enquanto que Detto Costa e um jovem chamado Augusto Liberato se responsabilizavam pela cidade 'B'.

Primeira parte do clássico entre Paulistas e Cariocas em 1981 / Canal betog57 - YT

A competição, que inicialmente seria restrita a municípios do interior de São Paulo, acabou permitindo a entrada de cidades de outros estados brasileiros, atendendo assim um desejo de Silvio Santos (sendo que ainda nos anos 60, algumas localidades mineiras participaram do programa e chegavam a vencer com frequência os concorrentes paulistas). O CxC contou com as presenças (só pra citar alguns) de Olinda-PE, Teresópolis-RJ, Pelotas-RS, Nova Friburgo-RJ, Joinville-SC, Barra Mansa-RJ, Laguna-SC, Magé-RJ, Londrina-PR, São José-SC, Nova Iguaçu-RJ, Planaltina-DF (alô Kleber Nunes do TV em Brasília, taí mais uma pauta para o seu blog!), Paranaguá-PR, Petrópolis-RJ, Campo Mourão-PR e Duque de Caixas-RJ. Isso sem contar a participação de importantes capitais brasileiras como Curitiba, Florianópolis e Belo Horizonte, mas foi justamente nesta fase que ficou marcada pelos embates especiais entre São Paulo e Rio de Janeiro, sendo os cariocas os maiores vitoriosos no "clássico", ganhando quatro vezes, apesar do apoio insistente e descarado de Silvio aos paulistas, que lhe davam o maior IBOPE no programa dominical. Foi nesses confrontos que foram revelados três nomes que seriam bastante conhecidos da grande mídia: a então modelo Xuxa Meneghel (embora gaúcha de Santa Rosa, mas então já residente no Rio), o apresentador Sérgio Mallandro e a atriz Sônia Lima (então Miss Osasco).

Segunda parte do clássico entre Paulistas e Cariocas / Canal betog57 - YT

O programa repetiu o sucesso da década anterior e ajudou a Rede Tupi (mergulhada numa grave crise) a liderar a audiência nas tardes de domingo frente ao poderio da já super líder Rede Globo, alcançando cerca de 40%. Em 1980, a dupla sertaneja Rony & Robison gravou uma música em homenagem ao programa, composta por Carlos Cezar, José Fortuna e o saudoso Valentino Guzzo (outro produtor que trabalhava na equipe do Programa Silvio Santos, mas muito lembrado por encarnar a Vovó Mafalda), no LP Realidade. Naquele mesmo ano, com o fato da TV Tupi ter saído do ar em julho devido a cassação de suas sete concessões, CxC passou a ser exibido pela TV Record de São Paulo e TVS do Rio, ambas coligando uma rede de emissoras independentes.

A dupla Roni & Robison cantam "Cidade Contra Cidade" / Canal Pra Sempre Sertanejo - YT

Cara Nova

Após sete anos de ausência nas telas, o CxC pôde finalmente ser exibido pelo SBT. O motivo foi a manutenção da permanência de Gugu Liberato (que havia sido produtor do programa no final dos anos 70) como forma de ajudar Silvio Santos no momento mais difícil que o "Patrão" estava atravessando. Depois de viajar quase um mês para Boston para tratar da saúde e principalmente das cordas vocais, Silvio se esqueceu de pensar no futuro de suas empresas e, ao mesmo tempo em que tirou o humorista Jô Soares da Globo, viu Gugu, sua cria desde os anos 70 e sucesso absoluto nas noites de sábado com o Viva a Noite, deixar o SBT e ir para a emissora-líder seduzido por um contrato milionário. Após demorada negociação, Silvio conseguiu manter Gugu com um contrato de cinco anos renováveis garantindo-lhe seis horas semanais, acertando assim a maior proposta salarial da TV brasileira até então: U$ 50 mil mensais (superando os U$ 20 mil de Jô Soares), mais U$ 300 mil em luvas, comissões de faturamento líquido em patrocínios comerciais e participações em três entradas de merchandisings a cada 60 minutos de programa, além de 90 inserções promocionais mensais à disposição dele (utilizados pela sua recém-criada firma GPM/Promoart em sociedade com o publicitário e ex-radialista Sérgio Murad, muito conhecido do grande público pelo nome artístico de Beto Carrero) para serem exibidos em qualquer hora da programação da rede. O programa que promoveu Gugu Liberato aos domingos do SBT foi justamente o CxC.

Na íntegra, um CxC de 1988 envolvendo Caçapava e Bariri / Canal Êgon Bonfim - YT

A terceira estreia aconteceu em 17 de abril de 1988 e o confronto inicial foi entre Rio Claro e Guaratinguetá. Com direção de Homero Salles e tendo duração integral de cerca de 2 horas, CxC teve apenas dois meses de preparação e foi relançado às pressas, o que gerou mal-entendido quanto ao novo formato de disputa por parte de alguns participantes, como Guaratinguetá, que ficou desentendida após ter perdido para Rio Claro e pediu revanche (que só foi concedida no ano seguinte). Os municípios continuavam no programa até obter três vitórias consecutivas, incluindo os empates. O prêmio voltava a ser uma ambulância para a instituição de caridade escolhida pela cidade, mas no caso de empate, o prêmio saía em dobro: duas ambulâncias. O intuito do programa era juntar e atualizar um pouco do que fora feito nas fases anteriores, como a volta do palmômetro, a arrecadação a instituições de caridade e novas provas tanto da externa quanto no palco do já citado Teatro da TVS parágrafos acima. Nessa época, viu se o predomínio das cidades paulistas, mineiras, fluminenses e paranaenses na competição. Limeira, Lins, Caçapava, Nova Friburgo, Itapeva e Pirassununga foram os mais bem sucedidos com três vitórias seguidas pra cada um. O curioso é que nessa fase apareceu pela primeira vez uma outra futura personalidade da TV, que fazia parte de um coral infantil de sua terra-natal Penápolis no Quadro Livre num duelo de desempate contra Itapeva: a apresentadora Sabrina Sato.

O registro da "negra" entre Penápolis e Itapeva em 1989 / Canal Rede Premiada - YT

Mesmo tendo ficado pouco tempo no ar, terminando em 30 de julho de 1989 com a vitória de Leme sobre Valença, essa última fase do CxC foi a que mais se eternizou para as gerações atuais com muitos de seus duelos disponíveis no YouTube, alcançando na época médias de cerca de 30 pontos de audiência nas tardes de domingo. Uma das características marcantes era o seu fundo musical (ou BG na linguagem atual): Happy Children do P.Lion. Curiosamente, a música integrava a trilha sonora internacional da novela Global Amor com Amor Se Paga, de 1984, e o diretor Homero Salles gostava tanto da melodia que a utilizou diversas vezes desde então (como no Show Sem Limite e no Táxi do Gugu). As provas externas eram realizadas no Parque do Carmo contando com o mesmo Ademar Dutra e tinha como música de BG Dreams, também do P.Lion. As provas voltaram a ser fixas e, em sequencia, eram essas:

- Trazer um cantor ou uma cantora local para uma apresentação ao vivo de 2 minutos e 30 segundos, acompanhando(a) da Orquestra do Maestro Zezinho
- Trazer um participante para a prova da Caixa Gigante de Fósforos: transportar três fósforos (um de cada vez), passando por três caixas
- Trazer um grupo local para a apresentação do Quadro Livre com tempo de 3 minutos
- Trazer dois jogadores locais de futebol, o goleiro e o "melhor artilheiro", para a Prova dos Pênaltis, sendo três tentativas
- Trazer um universitário ou intelectual para a prova do Responda ou Passe, com perguntas de conhecimento geral*
- Trazer sua miss local trajando maiô para a Prova de Beleza
- Doar a maior quantia possível de dinheiro para a Prova da Ação Comunitária: dessa vez, cada cidade escolhia duas instituições de caridade e a comunidade doava uma quantia mínima de Cz$ 100 e a depositava num envelope. 80% do arrecadado era dividido entre as obras de caridade da cidade contrária, enquanto que os 20% restantes era sorteado para um doador
- Trazer uma dupla, uma moça e um rapaz, para a Prova do Parafuso: pegar o maior numero de "bolinhos" possível numa bandeja e se equilibrar em um parafuso gigante até chegar a um fogão no tempo de 2 minutos
- Trazer uma curiosidade interessante para ser apresentada na Prova da Curiosidade
- Trazer uma universitária para a prova da Palavra-Chave: uma lista de 15 palavras de um determinado tema era disponível para cada cidade, o radialista escolhia cinco palavras e a universitária escolhia seis numa cabine a prova de som, quem conseguisse mais coincidências de palavras, tinha vantagem a um envelope vermelho que podia valer de 0 a 9 pontos, sem antes a universitária escolher uma palavra e adivinhá-la em um dos cinco envelopes a sua escolha.

* As perguntas passaram a ser de Artes, Geografia, Esportes, Televisão, História e Atualidades, mantendo assim o formato dos anos 60

Em 2 de maio de 1989, estourou a Greve dos Radialistas em São Paulo. Treze mil radialistas e funcionários de três emissoras de rádio e seis de televisão em todo o estado decidiram parar de trabalhar reivindicando uma reposição salarial de cerca de 90% do período de um ano, 10% de produtividade e piso salarial de NCz$ 500. O SBT foi atingido pelo movimento e teve que cancelar justamente a gravação do CxC naquela semana, colocando o Viva a Noite em plena tarde de domingo para preencher o buraco na programação. A greve durou três dias e a "estratégia" para enfrentar com pé de igualdade o então recém-lançado Domingão do Faustão da Globo durou três semanas. Nesse período, o CxC foi exibido por dois sábados seguidos (13 e 20 de maio) até retomar seu horário normal, reformulando algumas provas, sendo que as disputas externas passaram a ser na piscina olímpica do Parque São Jorge, cujo BG passou a ser a Marcha Turca/Ruínas de Atenas (conhecida por ser o tema original da série mexicana Chaves). As provas, em sequência, passaram a ser essas:

- Trazer um grupo de quatro pessoas para se apresentarem num Desfile Variável, com tema escolhido pela produção do programa
- Trazer um habitante para a prova do Pega Peixe: o tempo era de 2 minutos para pegar o maior número de peixes possível e colocá-los numa urna gigante
- Prova Variável como uma espécie de desafio do programa sendo lançado às duas cidades
- Trazer quatro misses trajando maiô para a Prova de Beleza, sendo uma loira, uma morena, uma mulata e uma afrodescendente
- Trazer um homem para a Prova de Beleza Masculina
- Trazer um grupo de quatro pessoas para uma prova na piscina: uma corrida numa canoa em forma de tamancos
- Trazer um universitário ou intelectual para a prova do Responda ou Passe, com perguntas de conhecimento geral
- Trazer um cantor ou uma cantora local para uma apresentação ao vivo de 2 minutos e 30 segundos, acompanhando(a) da Orquestra do Maestro Zezinho
- Doar a maior quantia possível de dinheiro para a Prova da Ação Comunitária
- Trazer uma curiosidade interessante para ser apresentada na Prova da Curiosidade
- Trazer uma universitária para a prova da Palavra-Chave

Legado

Cena da prova decisiva que definia o vencedor da semana do CxC / Ouro Fino na Web

Quem viveu os tempos do CxC, sabe muito bem como era o clima de uma salutar competição, capaz de mobilizar uma comunidade inteira. A conclusão que eu chego é que as cidades não podem perder suas raízes e suas tradições perante a agressividade do modo de vida ditado pela mídia do eixo Rio/São Paulo, sem contar a lavagem cerebral do filtro sócio-ideológico imposto pelas redes sociais, chegando a controlar/neutralizar a opinião pública. O programa estimulou laços solidários intermunicipais, estreitou distâncias, incentivou a confraternização, uniu a população e derrubou naturais rivalidades entre os habitantes. Isso sem contar um monte de gente que surgiu e foi revelada nos quadros do programa. É essa cultura regional que precisa ser preservada/resgatada e voltar a ser melhor divulgada agora pelas comunidades sociais em tempos de Revolução Digital.

Metade do auditório vibra de alegria, é a festa da vitória / Ouro Fino na Web

Imaginem quantas histórias espalhadas por aí de participantes que recordam com carinho suas performances no programa, independente do resultado final. No blog do Valmir Guedes, por exemplo, conta a história da participação de sua terra-natal Laguna, em 1978, e após as gravações, torcidas, delegações e até os artistas se confraternizavam num banquete oferecido num barzinho localizado em frente ao Teatro Manoel de Nóbrega. E lá estava ele tomando um cafezinho e batendo um papo informal sabe com quem? Com o Lombardi! Essas histórias de bastidores, de organização, de quem participou, são preciosíssimas e não podem ser perdidas e morrerem junto com seus protagonistas, merecem futuramente ser reunidas num livro, ou como eu mencionei no primeiro parágrafo, num grande almanaque. E se somarmos todas as vitórias de todas as cidades nos três formatos que o programa teve até o presente momento, as duas maiores campeãs, empatadas ou não, seriam seguramente São José do Rio Preto e São Vicente. A todos que escreveram seus nomes nesses 56 anos do CxC, sejam vivos ou que não estão mais conosco, também dedico este post. E se você aí tem alguma história relacionada a uma participação no CxC, acrescentar alguma informação que eu não consegui encontrar ou corrigir algum erro do que eu registrei acima, mande um e-mail para mim: ehmb1986@gmail.com

(...) Cidade Contra Cidade
A saudade contra mim
Vendo um mundo de jurados
Testemunhas do meu fim

Carlos Cezar, José Fortuna e Valentino Guzzo

Agradecimentos Especiais: Higor Vieira, Kleber Nunes e Rodrigo Callegari

PS: Como pode este programa, genuinamente brasileiro, não ter sido ao menos indicado ao Emmy Awards, o Oscar da TV mundial?