Em meio a registros perdidos de musicais, novelas e fatos do cotidiano, seja em incêndios, enchentes ou puramente apagados e desaparecidos, listei aqui os 10 grandes acontecimentos que deixaram de ser registrados e preservados na memória da televisão brasileira para serem vistos pelas gerações futuras. Vejam a seguir as imagens que o tempo apagou dos arquivos da TV brasileira:
Em 26 de janeiro de 1978, a TV Gazeta de São Paulo iria estrear sua primeira novela Zulmira. Haviam sido gravados os 10 primeiros capítulos e como era de praxe na época, a cópia do primeiro capítulo teve de ser analisada pelo Serviço de Censura Federal em Brasília. Só que os militares cismaram com o cenário do banheiro, mais precisamente um vaso sanitário que fora focalizado pelas câmeras, que segundo eles era uma "afronta" e a estréia foi cancelada. Quando os censores voltaram atrás semanas depois, já era tarde demais, a produção foi desfeita, os capítulos gravados tiveram que ser desgravados e pra piorar o diretor da novela Kleber Afonso tinha sofrido um derrame.
A Rede Bandeirantes planejava exibir trechos de uma entrevista exclusiva de Luís Carlos Prestes durante seu exílio na Europa em 1990, ano em que ele morreu. Quando os responsáveis pelo arquivo da emissora encontraram o vídeo tiveram uma surpresa desagradável: encontraram a tal fita oxidada, porque havia sido armazenada inadequadamente. Este é um de vários exemplos de registros perdidos por puro cochilo.
Quando as emissoras mostram uma retrospectiva da história do Campeonato Brasileiro de Futebol, os torcedores do Palmeiras já repararam porque as emissoras não mostram as imagens do primeiro título brasileiro do alviverde em 1972. A conquista aconteceu após empate por 0x0 com o Botafogo do Rio de Janeiro no Estádio do Morumbi, só que naquela época, as emissoras de TV se preocupavam em arquivar apenas os gols e as partidas que terminavam sem gols eram imediatamente apagadas. Esse foi o mesmo fim do vídeo-tape que registrou o segundo título brasileiro do Palmeiras em 1973, após empate por 0x0 com o rival local São Paulo.
Em 1970, o polêmico Quem Tem Medo da Verdade? era campeão absoluto de audiência na TV Record de São Paulo. Um dos programas que ficou para a história foi com a irreverente e voluptuosa atriz Leila Diniz, quando ela foi chamada pelo júri de prostituta. Após se debulhar em lágrimas durante o interrogatório, acabou sendo absolvida pelos jurados do programa.
Em 1964, o programa Pinga-Fogo da TV Tupi de São Paulo presenciou duas históricas entrevistas, meses antes da instauração do Governo Militar: uma com os militantes de esquerda Plínio Salgado e Luiz Carlos Prestes, este último dizendo a seguinte frase: Já temos o poder, nos falta agora assumir o governo; e outra com o então governador paulista Adhemar de Barros, que em 17 de março fez duras críticas ao presidente João Goulart e previu uma grande mudança de governo: Jango, eu cansei de dar conselhos a você, agora é tarde. Prepare as suas malas, pois você está no fim. Não se assustem se dentro de 15 dias tivermos um novo Presidente da República.
Durante as eliminatórias do Festival Internacional da Canção em 1968, promovido pela Rede Globo no Teatro TUCA em São Paulo, Caetano Veloso apresentava a música É Proibido Proibir com a participação dos Mutantes, mas a maneira que ele apresentou sua composição provocou grandes vaias da platéia e levou Caetano, com os ânimos exaltados, a proferir o célebre discurso:
"Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? Vocês tem coragem de aplaudir, este ano, uma música, um tipo de música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado? São a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem? Vocês não estão entendendo nada! Nada! Nada! Absolutamente nada! (...) Eu hoje vim dizer aqui, que quem teve coragem de assumir a estrutura do festival, (...) mas com a coragem, quem teve essa coragem de assumir essa estrutura e fazê-la explodir! Foi Gilberto Gil! E fui eu! Não foi ninguém! Foi Gilberto Gil! E fui eu! Vocês estão por fora! Vocês não dão pra entender! Mas que juventude é essa? Que juventude é essa? Vocês jamais conterão ninguém! Vocês são iguais sabem a quem? (...) Àqueles que foram na Roda Viva e espancaram os atores! Vocês não diferem em nada deles, vocês não diferem em nada! E por falar nisso, viva Cacilda Becker! Viva Cacilda Becker! Eu tinha me comprometido a dar esse viva aqui, não tem nada a ver com vocês! (...) Estão querendo policiar a música brasileira! O Maranhão apresentou, este ano, uma música com arranjo de charleston. Sabem o que foi? Foi a Gabriela do ano passado, que ele não teve coragem de, no ano passado, apresentar por ser americana! Mas eu e Gil já abrimos o caminho! O que é que vocês querem? Eu vim aqui para acabar com isso! Eu quero dizer ao júri: me desclassifique! Eu não tenho nada a ver com isso! Nada a ver com isso! (...) Gilberto Gil está aqui comigo, para nós acabarmos com o festival e com toda imbecilidade que reina no Brasil! Pra acabar com isso de uma vez! Nós só entramos no festival pra isso! (...) Não fingimos aqui que desconhecemos o que seja festival, não? Ninguém nunca me ouviu falar assim! Entendeu? Eu só queria dizer isso, baby! Sabe como é? Nós, eu e ele, tivemos coragem de entrar em todas estruturas e sair de todas... E vocês? (...) Se vocês, em política, forem como são em estética, estamos feitos! Me desclassifiquem junto com o Gil! Junto com ele, tá entendendo? E quanto a vocês… O júri é muito simpático, mas é incompetente! Deus está solto! (...) Derrubar as prateleiras, as estantes, as estátuas, as vidraças, louças, livros, sim... E eu digo, sim! E eu digo não ao não! E eu digo: Proibido proibir! Fora do tom, sem melodia! Como é júri? Não acertaram qualificar a melodia de Gilberto Gil? Ficaram por fora! Gil fundiu a cuca de vocês, hein? É assim que eu quero ver! Chega! Nunca mais coloco música em festival."
O repórter José Carlos Moraes, o Tico-Tico, foi escalado para cobrir direto de Roma a entronização do Papa João XXIII em 4 de novembro de 1958. Obcecado pelos furos de reportagem, Tico-Tico queria a todo custo beijar a mão do novo papa, resolveu correr no meio do corredor da Catedral de São Pedro e ajoelhou-se perante Vossa Santidade conseguindo tal feito diante das câmeras.
Para o saudoso jornalista Fernando Barbosa Lima, a edição do Jornal de Vanguarda de 1º de abril de 1964 foi histórica. A TV Excelsior, que apresentava o programa, havia, na véspera, retirado todos os telejornais do ar por causa da instalação do Golpe Militar no Brasil, cuja notícia foi dada através de uma simples filmagem externa com som ambiente, procedimento pouco comum na época, e sem locução: na Cinelândia, Rio de Janeiro, em frente ao Clube Militar, um garoto de 12 anos foi assassinado com um tiro na cabeça por um soldado após gritar o apelido do presidente deposto João Goulart: Jango! Jango! Jango!
Em 24 de agosto de 1961, o então governador do antigo estado da Guanabara Carlos Lacerda comprou um espaço no horário nobre da TV Tupi do Rio de Janeiro e, ao invés de anunciar em detalhes um novo imposto estadual, como ele próprio havia esclarecido, denunciou ao vivo em uma cadeia de rádio e televisão, uma tentativa de golpe que estaria sendo planejada pelo presidente Jânio Quadros, visando a instauração de uma nova ditadura no Brasil. O pronunciamento, que não foi gravado, levou a renúncia de Jânio no dia seguinte.
Em 1961, a TV Rio enviou Flávio Cavalcanti, Murillo Neri e Rubens Medina para Washington, Estados Unidos, para uma tarefa difícil até para a imprensa norte-americana: convencer os agentes da FBI para fazer uma entrevista exclusiva com o então presidente John Kennedy direto da Casa Branca. Eles conseguiram e o histórico furo de reportagem foi exibido no programa Noite de Gala. Ao final da conversa, JFK comentou com Flávio: Imagino o que faria se falasse inglês.