HISTÓRIA: Cidade Contra Cidade - 56 Anos

Eu fiquei emocionado Naquele domingo à tarde Quando assisti ao programa Cidade Contra Cidade (...) Carlos Cezar, José Fortuna e Valentino Gu...

terça-feira, 2 de março de 2021

HISTÓRIA: Dárcio Campos


Aos super-dotados fã-clubistas de plantão, obcecados de que a vida é um eterno programa de auditório, este post é dedicado a vocês. Na década de 70, um fenômeno de comunicação surgiu no rádio e na televisão de São Paulo a ponto da crítica especializada se dividir: uns acreditavam que ele seria o sucessor de Silvio Santos nos anos 80, outros criticavam que ela nada mais era uma cópia juvenil barata do dito cujo. Por acaso seus pais, seus tios e seus avós já ouviram falar de Dárcio Campos? Afinal, quem é Dárcio Campos? De planeta veio Dárcio Campos?

Segundo matérias antigas de jornais e revistas que eu pesquisei (além do magnífico livro do meu amigo Elmo Francfort Avenida Paulista 900 - A História da TV Gazeta, da Imprensa Oficial) e reuni neste post, Dárcio Campos era considerado jovem, comunicativo, divertido e bonzinho pelas suas fãs. Um homem de sorriso fácil, olhar triste, dono de um rosto com traços fortes, cabelos encaracolados desarrumados, tinha 1,95 m de altura, usava um figurino vistoso estilo esporte e uma voz macia quando dirigia uma mensagem a alguém. Era também dono de um estilo humanista de lidar com o público independente da idade, transmitindo a pureza e o carinho do homem do interior sendo que, de maneira correta, ele traduzia o sufoco e o desafogo do povo depois de um dia cheio de tarefas (trabalho e/ou estudos). Segundo ele próprio: "O povo é carente de afeto e precisava ser liderado com palavras positivas" e "A obrigação do comunicador e não manter o povo anestesiado".

Diante de tanta comparação com Silvio Santos, dizia que ele sempre se considerava mais artista e menos negociante. Seu fã-clube fazia a seguinte comparação: enquanto que Silvio Santos só se preocupava em vender carnês e dispensava a presença de "garotas feias" em seu auditório, Dárcio Campos era mais carinhoso e humanista. Outra característica de sua personalidade é a sua sabedoria oriental atrás das câmeras, o que levava a comer livros de autoajuda ligados a esse tipo filosofia e que lhe concedia uma paciência digna de um eremita chinês. Mas o mais curioso era que ele não gostava de comentar sua idade e detestava comemorar aniversário, porque, segundo ele, é que a partir do ato de soprar as velas, é que se revelam os adversários (invejosos em bom português).

Comecei este parágrafo perguntando: de planeta veio Dárcio Campos? Podemos dizer que ele veio do Planeta Chanty. Ele sempre abria seu chanty-programa seja no rádio ou na televisão dizendo mais ou menos essas seguintes palavras carregadas de gírias até hoje incompreensíveis: Alô minhas fofinhas, aqui é Dárcio Campos fazendo sua alegria, chegandinho no pedaço e falandinho ao seu coração! Um chanty-beijo para todas vocês! E nesse alto-astral quero mandar um chanty-abraço pra você que está no fonfonudo, eu sei que esse trânsito não está com nada e que a vida é dura, mas vá em frente, não perca a calma que a gente chega lá. E pra você minha comadre, que está passando roupa nesse quartinho apertado, sabe que daqui a pouco ele vai chegar em casa cansado e com fome, não esqueça de preparar aquele papanudo legal pra ele, hein? E agora é hora de colocar mais uma moedinha no cofrinho do chanty-sucesso! Para cantarolar aquela chanty-canção que você mais gosta, minha fofinha... José Augusto!!!

Nosso chanty-mor, Dárcio Campos Tarquínio, nasceu em 8 de setembro de 1945, era mineiro de Uberaba e vindo de uma família tradicional era descendente de italianos. Estudou no Colégio Marista de sua cidade e apaixonado pelo mundo das comunicações, conseguiu aos 12 anos de idade um emprego para trabalhar na Rádio Difusora de Uberaba. Lá, ele fez de tudo, foi sonoplasta, discotecário, operador de som, produtor, rádio-ator e, finalmente aos 16 anos, tornou-se locutor. Paralelamente, chegou a fazer teatro e cursou Faculdade de Direito até o segundo ano. Participante ativo da política estudantil, tornou-se vice-presidente da União Estudantil de Uberaba e iria dirigir a União Colegial de Minas Gerais quando em 1964 estourou a "Revolução" (para uns) ou "Golpe" (para outros): os militares assumiam o Governo. Seu papel era ligar a classe universitária e o meio secundarista com a política da região, ou seja, juntava aquilo que estava aparentemente separado.

Percebendo as dificuldades de crescer na vida em sua terra-natal, em 1965, Dárcio Campos tentou a sorte em São Paulo e conseguiu um trabalho na antiga Rádio São Paulo atuando como rádio-ator, disc-jóquei e locutor. Seu vozeirão chamou tanto a atenção que ele foi convidado para gravar comerciais e dublar séries e desenhos animados da época. Até que em 1969, a Rádio Record o contratou para assumir o horário nobre vespertino com um programa diário de duas horas de duração só pra dele. Édson Guerra, então recém-empossado diretor artístico da estação, foi o grande responsável pela vinda de Dárcio Campos ao rádio paulista dentro de um plano de reformulação da programação da rádio. Aos poucos, com seu raciocínio rápido, improviso ao abordar o cotidiano e a experiência desde sua cidade-natal, tornou-se líder de audiência e foi chamando a atenção da alta-cúpula da emissora que em 1973 assumiu a direção artística da Rádio Record. Vencendo e prosperando na vida, em 1975, ele cria sua própria firma, a DC Publicidade e Promoções Artísticas, responsável pelo financiamento e organização de shows, festivais musicais e peças teatrais. Contava com uma equipe de 35 pessoas e seu escritório era localizado no bairro do Ibirapuera.


O sucesso no rádio permitiu a TV Gazeta de São Paulo fazer o convite irrecusável para ele comandar um programa de televisão nas tardes de sábado. Ele aceitou porque, segundo seu ponto de vista "programa de sábado à tarde é para as pessoas que começam a manhã trabalhando, depois começam a parar e entrar no lazer bem devagar". E assim em 2 de outubro de 1976, nascia o Programa Dárcio Campos, inaugurando o complexo de produção do estúdio-plateia no 8º andar do Edifício Cásper Líbero. A versão televisiva de seu programa de rádio contava com algumas curiosidades: tinha um produtor argentino chamado Amilcar de Dall e ele teve a ideia de montar um cenário todo feito com forminhas metálicas coloridas de doces de festa para gerar um belíssimo efeito no vídeo, já que a emissora contava com um orçamento muito limitado em termos de cenografia.

O Programa Dárcio Campos fez tanto sucesso, sendo uma das maiores audiências da TV Gazeta atingindo de 2 a 3 pontos em São Paulo, que em 1977 passou a ser exibido em vídeo-tape para as emissoras independentes de Brasília, Belo Horizonte, Manaus, Porto Velho, Rio Branco, Boa Vista e Juiz de Fora. E não bastando isso, o produtor Amilcar de Dall chegou a organizar três edições especiais do programa gravados totalmente em espanhol e exibidos para as emissoras do Chile e da Espanha. A repercussão era tanta que o apresentador contava com uma equipe de segurança pessoal que não cuidava só dele, mas também dos artistas convidados e participantes em geral.

O esquema do programa era bem básico e típico dos shows de auditório da época: nada era planejado, tudo era espontâneo. Ele entrava no palco cumprimentando a plateia e os telespectadores com aquele gesto característico do Dr. Spock de Jornada nas Estrelas, levantando as mãos e abrindo os dedos formando um "V" sob o lema: "Somos a geração Chanty, onde a inteligência é a força!". As atrações musicais contava com cantores de "segundo time", cujas músicas tocavam sem parar nas rádios da época, o que era garantia absoluta de vendagem de discos, e Dárcio sempre respeitava o gosto popular da sua audiência, mas inseria de vez em quando algum hit de um cobra da MPB. Quem decidia o repertório era o público que enviava uma média de 900 cartas por dia e todas elas eram respondidas na medida do possível. Seu público-alvo era composto por garotas adolescentes de baixa renda, empregadas domésticas, senhoras de idade e até crianças. O programa era ao vivo e ia pro ar das 14 às 17 horas, mas as moças já faziam fila no Edifício Gazeta desde as 7h30 da manhã, todas elas tratadas igualmente, sem distinção de classe, profissão ou beleza.


Ainda em 1977, chegou a gravar um compacto simples com as músicas Fique Mais um Pouco e Se Você Soubesse. Fez até uma participação numa música de Lindomar Castilho, Minha Mãe, Minha Heroína. Seu carisma chamou a atenção de outras emissoras e em março de 1978, volta pra Record, mas precisamente na emissora de TV para comandar a nova programação de sábado. Seu programa agora requentado com disputa entre calouros e diversos concursos passa a ser exibido mais cedo, das 11 às 14 horas, e gravado com dois dias de antecedência, permitindo ao apresentador visualizar a gravação e acompanhar o processo de edição e pós-produção antes de ir para o ar. O sucesso é garantido e em fevereiro de 1979, um fato tornou-se o divisor de águas na carreira de Dárcio Campos: seu programa passou a ter o patrocínio exclusivo da Fábrica de Móveis Brasil, uma grande loja de móveis e utilidades domésticas (as Lojas Marabráz da época e que ainda existe!) que investia pesado em divulgação publicitária e que desde 1973 firma parceria com a TV Record estampando sua marca como patrocinadora principal da linha de shows e filmes, mesmo possuindo apenas oito unidades na capital paulista. O contrato vigoraria até 1981, mas em 10 de fevereiro de 1979, o estabelecimento aproveita sua entrada no programa para anunciar um grande lançamento: o Carnê Brasilino, que distribuía prêmios através da Loteria Federal entre outras coisas.


Na véspera do programa ir ao ar, o VT gravado para ser visualizado por Dárcio Campos misteriosamente desapareceu. Horas depois, uma cópia do programa apareceu na sala de vídeo-tape do canal 7 e quando ele e a equipe foram assistir tiveram uma surpresa desagradável: o programa sofrera sensíveis cortes de tudo aquilo que fizesse referência ao tal carnê. Motivo: a TV Record já era sócia do Grupo Silvio Santos desde 1976 e o Carnê Brasilino era visto pela alta-cúpula do conglomerado (leia-se Silvio Santos) como uma ameaça a hegemonia do Carnê do Baú da Felicidade, até porque ambos os carnês eram bem similares. Pressionada, a emissora mandou editar o programa todo e Dárcio Campos, esperto, pediu demissão e seu programa nem sequer foi ao ar, ele acabou assinando contrato com a Brasilino Promoções, uma firma dirigida por Dorival Batista de Seta, que por sua vez tornou-se produtor da DC Publicidade e Promoções Artísticas. A FMB entrou na Justiça processando o GSS e a TV Record por perdas e danos e sob acusação de abuso de poder econômico, exigindo o pagamento de uma indenização na época de Cr$ 70 milhões.


Firmada a sociedade, Dárcio Campos tornou-se garoto-propaganda da Fábrica de Móveis Brasil e com isso, a loja conseguiu alugar o horário vespertino das tardes de sábado da Rede Bandeirantes a partir de abril de 1979, entre 14 e 18 horas, para finalmente poder divulgar as vantagens do Carnê Brasilino, além de tentar conquistar o Brasil inteiro já que a Band estava formando sua rede nacional e montando uma nova programação. Mesmo após o programa, que era ao vivo, Dárcio permanecia no estúdio-platéia da emissora no bairro do Morumbi até às 22 horas, contagiado pelo astral da plateia e dando a maior atenção a todos que foram vê-lo. Imediatamente, a empreitada colhe bons resultados: são vendidos 14 mil Carnês Brasilino por mês, gerando assim um faturamento mensal de Cr$ 50 milhões. Só que em maio leva uma ducha de água fria: a TV Record vai a forra e entra com uma ação na Justiça contra a Fábrica de Móveis de Brasil denunciando-a por abuso de poder econômico e quebra o contrato de publicidade com o estabelecimento que tinha ainda validade para mais dois anos. O sonho de Dárcio Campos em se tornar o sucessor de Silvio Santos tinha acabado, não fosse o tal carnê cujo caso iria parar nos tribunais, talvez Luciano Callegari jamais precisaria de um Gugu Liberato (embora este blogueiro tenha ainda grande admiração, respaldo e carinho afetivo pelo finado apresentador) para dividir os domingos com o Abravanel.

Em dezembro de 1980, a queixa-crime da Fábrica de Móveis Brasil foi aceita pelo CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica e o caso foi parar nos tribunais. O Baú da Felicidade foi acusado de exercer "abuso de poder econômico, dominando o mercado, eliminando quaisquer tipo de concorrência e exigência de exclusividade de propaganda publicitária". O processo renderia até 10 mil salários mínimos da época se as denúncias fossem comprovadas. Hélio Ansaldo, então diretor da TV Record, foi intimado a prestar depoimento as autoridades e acabou confessando o crime de pratica da concorrência desleal, alegando ajustamento com o Grupo Silvio Santos. Hélio (já falecido) tentou convencer os produtores do programa a não mais citarem o Carnê Brasilino, do contrário, atenderia a ordem de editar o programa. Numa ação ordinária da Rádio Record contra a DC Publicidade e Promoções Artísticas, a emissora confessa os cortes com a intensão de impedir o lançamento do carnê. Diante disso, o CADE confirmou o envolvimento da TV Record no caso, mais até que o Baú da Felicidade, e cogitou-se até na possibilidade de puni-la cassando as concessões da emissora. Diante da morosidade judicial, do fim dos programas populares da Band com a entrada de Walter Clark e das consequências da fama, tendo sua imagem imediatamente relacionada a Fábrica de Móveis Brasil e seu Carnê Brasilino, Dárcio Campos volta para a TV Gazeta em junho de 1981, com um estilo de programa sensivelmente modificado: do "popularesco" para um nível pouco mais elevado, passando a ter mais entrevistas e contando com uma plateia formada por apenas 60 pessoas. "Eu troco a fama pelo prestígio", alegou ele na época.

Em 1982, deu um tempo na televisão para voltar as origens. Aceitou uma proposta irrecusável da saudosa Rádio Globo, líder de audiência em São Paulo, para integrar o grande times de comunicadores que a rádio estava formando em sua grade: Eli Corrêa, Afanásio Jazadji e Osmar Santos. E foi em março do mesmo ano que finalmente saiu o veredicto do Caso Brasilino: a TV Record foi condenada a pagar uma multa de Cr$ 200 mil por agir "legitimamente em defesa de seus direitos" impedindo assim a divulgação do Carnê Brasilino. Dárcio, segundo seus advogados, teria o direito de receber uma indenização de cerca de Cr$ 40 milhões, isso porque foi constatado que em 1979 ele foi obrigado a gastar mais pela multa rescisória com o canal 7 (quando se mudou para a Bandeirantes) do que ele pagava pelo aluguel de horário. Paralelo aos acontecimentos, Dárcio foi contagiado pelo clima de redemocratização da política brasileira e, relembrando os tempos de grêmio estudantil de sua Uberaba, afiliou-se ao partido governista PDS por se identificar com o programa de governo e atendendo um convite do então governador paulista Paulo Maluf, quis concorrer a uma cadeira na Assembleia Legislativa de São Paulo candidatando-se a Deputado Estadual. Mas voltou atrás e influenciado pelos colegas de profissão para não interromper a emissão de seu programa de rádio em período eleitoral, que liderava a audiência no horário, passou a apoiar o PMDB nos showmícios de Franco Montoro, eleito governador na oportunidade.


Dárcio Campos, mesmo no ar com seu programa de rádio, revelou-se Malufista notável ao apoiá-lo na campanha presidencial do Colégio Eleitoral em 1984, pra Governador em 1986 e 1990. Sua candidatura a Deputado Estadual só saiu em 1986, sem sucesso, tentou ser Vereador por São Paulo em 1988 pelo PSD, ficou pelo caminho novamente. O jeito era continuar com os programas de rádio, passando pela Rádio Capital em 1986 e pela Rádio Gazeta em 1989, terminando na Rádio Atual nos anos 90 onde exerceu o cargo de diretor artístico. Na televisão, retornou a Rede Bandeirantes em 1984 onde comandou discretamente dois programas esquecidos pela emissora: Sábado Feliz, que era um programa infantil exibido aos sábados pela manhã, e Batalha do Amor, uma gincana sobre relacionamento em que dividia a apresentação com Baby Garroux.

Na intimidade, Dárcio Campos colecionava carros importados, sua mansão contava com oito empregados cujos quartos tinham um televisor cada e zelava pela sua saúde física fazendo sessões diárias de sauna, cooper e muita ginástica. Solteirão por quase toda a vida, a fila andava para ele, com tantos namoros todos eles mantidos em sigilo absoluto, mas teve uma consequência terrível. Em 28 de agosto de 1995, Dárcio Campos morreu de Aids aos 49 anos em sua terra natal, Uberaba, Minas Gerais. Esquecido por uns, lembrado por outros, Dárcio deixava o Planeta Terra para morar para sempre no Planeta Chanty, terra da eterna juventude e sabedoria, a força que ele sempre pregava no rádio e na televisão. Uma pena que quase nada do programa dele restou na preservação da nossa escassa memória da TV brasileira, apenas alguns vídeos no YouTube sobreviveram. A ele, esquecido pelas gerações atuais, rendo esta chanty-homenagem no chanty-blog ÊHMB De Olho Na TV.