HISTÓRIA: Semana Maldita na Globo

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quinta-feira, 3 de março de 2022

HISTÓRIA: Eu Curtia Mamonas Assassinas


Madrugada de 3 de março de 1996. Há exatos 26 anos, um erro humano de comunicação fez com que o Lear-Jet 25 tomasse o rumo errado e se perde em meio a escuridão na Serra da Cantareira, próximo ao Aeroporto de Cumbica, Guarulhos, São Paulo. Quando amanheceu aquele domingo, destroços do jato, que tinha esbarrado numa montanha de visibilidade zero, são encontrados mata adentro em meio a preocupação da base aérea com o pouso que não aconteceu. Naquele voo estavam nove pessoas, nenhum sobrevivente, todos morreram. Entre eles, os cinco integrantes do maior fenômeno musical brasileiro jamais visto em todos os tempos: Mamonas Assassinas. Neste post, aproveitando o ensejo de lembranças, memórias e homenagens aos cinco rapazes de Guarulhos, compartilho com vocês como era a minha vida aos 9 anos de idade e como eu descobri (testemunhei e vivenciei) essa febre "mamoneira", seja erva daninha ou os seios fartos in natura de modelos da era pré-silicone.


Estamos em 1995, eu estava na antiga 3ª Série do 1º Grau. O ano teve dois semestres completamente diferentes um do outro. Eu estudava pela manhã e minha mãe tinha uma loja de tecidos e retalhos no longínquo bairro do Jaraguá, noroeste da capital paulista. Assim que terminava a aula, ela me buscava por volta do meio-dia e tínhamos o seguinte esquema de rotina: terças e quintas eu ficava em casa sozinho vendo TV, enquanto que às segundas, quartas e sextas, eu tinha que ficar na casa de meus avós maternos, no bairro de Santa Mônica (que não é na Califórnia, rsrs) que era caminho para a tal loja. Ficava por lá até às 19 horas, quando minha mãe me buscava (e aproveitava para jantar). Assistia TV, fazia a lição de casa às 15 horas (embora, admito, não gostava de fazer lição de casa) e pedia umas folhas de papel pra minha avó para eu poder desenhar. Às sextas, eu sempre encontrava os meus primos e a minha finada tia (irmã da minha mãe), dava as caras por lá. Quantas vezes, minha mãe me deixava até a casa de meus avós, aproveitava pra almoçar e meu primo mais velho, numa salinha de TV, não desgrudava os olhos da tela assistindo boquiaberto ao noticioso Gazeta Esportiva no último volume. Minha vó podia fazer o melhor banquete, mas ele sempre preferia comer a mesma coisa: arroz com salsicha. Minha vó era dona-de-casa e tenho boas lembranças dela, assim que terminava o almoço, ela sempre ligava a TV e assistia alguma novela que estivesse sendo reprisada no Vale a Pena Ver de Novo da Globo e depois mudava de canal para ver o Mulheres da então CNT/Gazeta.


Assim se seguiu. Este foi meu primeiro semestre de 95. Isso sem contar os últimos meses de relacionamento que minha mãe teve com um "namorido" (cônjuge na linguagem atual, aqueles casais que moram junto sem se casar no papel). Ele foi o responsável por ela entrar nesse negócio de tecidos. Os dois estavam começando a se desentender e por duas vezes, em pleno café da manhã, os dois tiveram discussões feias e ele (cujo nome não quero registrar para preservar sua identidade) chegou ao ponto de pegar seu carro e ir embora, mas voltava arrependido. Em julho, nas férias escolares, esse meu padrasto de então levava minha mãe e eu para visitar a família, sempre com o rádio do carro ligado na 89 FM (a rádio rock). Ele gostava muito da 89, eu preferia a Cidade (sucesso em primeiro lugar), mas tava gostando da Gazeta FM (a primeira) que tocava trilhas de novelas nacionais e internacionais para contrabalancear os hits do momento. Numa dessas idas e vindas nos fins de semana da vida (em que pude ouvir pela primeira vez Os Sobrinhos do Ataíde), começamos a ouvir uma música estranha: um vira com arranjo de guitarra. Achei horrível a minha primeira impressão daquela "coisa ridícula" e pedi pro meu então padrasto a mudar de rádio. Ele mudou, também achou a música horrorosa. Tínhamos acabado de ouvir a primeira parte do "Vira Vira", música recém-lançada daquela banda de malucos de Guarulhos cujo nome eu ainda não sabia. O curioso é que quando a 89 FM começou a tocar a música, o termo chulo "suruba" era encoberto por um efeito sonoro. Então a frase "Fui convidado pra uma tal suruba" era ouvida na rádio como "Fui convidado pra uma tal... #*@". Na segunda parte da música, tive a impressão (como muitos de vocês possivelmente tiveram) de que a Velha Surda d'A Praça é Nossa tinha feito uma participação especial quando se ouvia "Ô Manuel, olha cá como eu estou". Dias depois, chegávamos a ligar o rádio e pegávamos o trecho final desse "Vira Vira" com a famosa frase que culminava aquilo que estava se tornando sucesso: "Ai, como dói!".


Estávamos no segundo semestre, agosto estava chegando e as aulas iam voltar. Minha mãe tinha terminado o relacionamento com esse cônjuge quando numa conversa casual que ela teve com minha avó (a mãe dela), descobriu que ela estava escondendo em uma atadura uma enorme rachadura que tinha num dos pés (minha vó era diabética). Levou-a para ser internada às pressas no Hospital Sorocabano (quando ainda era funcional) para tratar do pé e lembro do dia em que minha vó voltou pra casa de ambulância. Ela nunca mais ficaria de pé, eu só ia vê-la deitada na cama e numa cadeira de rodas. Mudou o semestre, mudou a rotina. Minha mãe combinou com minha tia um sistema de revezamento: de manhã uma tomava conta da vó e a outra ficava na loja, e a tarde vice-versa. Dia sim dia não, aparecia à noite uma geriatra gente boa para tratar da minha vó. Uma vez ela mostrou pra gente fotos de uma viagem que ela fez com os filhos para Hollywood onde visitou um museu de bonecos de cera. Uma certa tarde na casa de meus avós, meus primos lá estavam e eu ficava zapeando os canais de TV quando passei pelo SBT em pleno Programa Livre. Pegamos bem no meio da apresentação daquela banda de malucos chamada "Num-sei-o-quê Assassinas" cantando o "Vira Vira" e meus primos mais novos pararam e disseram "Olha só aquela música!". Já estava começando a me acostumar a ouvir aquilo. Era a primeira vez que eu, meus primos, minha tia e a ilustre presença de minha vó vimos o grupo pela televisão e assim que terminou a música, lá vinha o Serginho Groissman dizendo "Estes são os Mamonas Assassinas!". Consegui finalmente pegar o nome da banda. Minutos depois, vimos e ouvimos pela primeira vez eles tocando "Pelados em Santos".


Os tais Mamonas estavam se tornando uma verdadeira curtição infanto-juvenil. Primeiro com os meus primos mais novos (de parte de mãe) em que pude ver pela primeira vez a fita cassete do grupo, mas não podia escutar porque a mãe deles, minha tia, não deixava. E depois, quando fui a casa dos meus tios (de parte de pai) me preparando para ir pela primeira vez ao apartamento que eles tinham acabado de comprar no Guarujá, litoral paulista, as minhas primas cantarolavam certos trechos das besteiras que rolavam naquelas músicas. Peguei minha prima mais velha cantando "Arrebita! Arrebita! Arrebita!" e minha outra prima (que é somente dois anos mais velha que eu) numa salinha de computador (eles tinham um IBM Aptiva top de linha, supra sumo da informática na época), ouvindo um Walkman (toca-fitas portátil) e cantando "A minha felicidade era o crediário das Casas Bahia". Pedi pra ela ouvir um pouquinho e ela deixou eu ouvir o trecho final de "Chopis Centis". Depois ela tirou o fone dos meus ouvidos dizendo "Agora chega, nessa fita só tem palavrão". Esse era o mito que rondava aquele álbum dos Mamonas que começava a vender aos milhares. Num outro final de semana, fui a casa de um amigo de escola de longa data que morava perto da área verde do Parque São Domingos e estávamos brincando enquanto rolava o dia inteiro o CD dos Mamonas tocando de longe, desde o quintal daquela casa. Foi aí que ouvi pela primeira vez outros hits como "Mundo Animal", "Bois Don't Cry", "Uma Arlinda Mulher", "Jumento Celestino" e "Robocop Gay", mas nem prestei atenção direito. A mãe dele pediu pra parar de tocar aquele "CD insuportável", foi na parte em que rachei o bico quando ouvi o primeiro trecho de "Lá Vem o Alemão" quando o líder da banda Dinho imitava o Luís Carlos do Raça Negra cantando "Só de pensar que nós dois éramos dois". Até pedi pra ouvir o CD inteiro, mas meu amigo veio de novo com aquela desculpa de que "tem muito palavrão". Só porque eu tinha 9 anos e ele a mesma idade que a minha? Dá licença.


Veio setembro, era sexta-feira, dia 15. Começou como um dia normal, acordei cedo, tomei café, fui a escola, tive aula normal, deu meio-dia, tocou o sinal e lá estava eu no pátio esperando minha mãe me buscar. Até que uma inspetora disse pra mim que tinha uma pessoa que queria falar comigo. Era a costureira da minha mãe, elas se conheciam desde o ano anterior e morava perto. Ela me buscou e me levou até sua casa para almoçar (tinha muito desses alimentos em conserva e eu não gosto de alimento em conserva, ervilha, milho verde, seleta de legumes, azeitona...) e disse que minha mãe ia me buscar por volta de 14h30. Fui ver televisão (12h30 - Chapolin, 13h00 - Chaves, 13h30 - mudo de canal e pego o finalzinho do Jornal Hoje porque às 13h45 começava o Vídeo Show), depois vi umas revistas antigas e estava vendo uma edição especial da Revista Veja com um guia completo da Copa do Mundo de 1994, quando aparece o carro do meu ex-padrasto pra me buscar. Ao lado dele, o meu avô segurando uns documentos da minha vó. Perguntei onde estava minha mãe e meu ex-padrasto disse que ia me levar até onde ela estava. Chegamos a casa da minha vó e minha mãe desceu as escadas desesperada reclamando "Fulano seu louco, você trouxe o menino pra cá?". Não ouvi direito a discussão, mas depois ele foi logo dizendo em tom de deboche: "Pois é Êgon, sua vó morreu". Desabei. Minha mãe me levou até onde o corpo da minha vó estava, no quarto dela em cima da cama, bem arrumada, esperando ser velada pelo pessoal da funerária de Pirituba. A cama estava em frente a uma grande cômoda e lá estava uma santa de devoção da vó, fui fazer uma oração e pedi pra Deus proteger a alma dela e que ela ia se encontrar com meu pai lá no céu. Todos choraram, minha mãe, minha tia, as primas de ambas... Minha mãe teve que telefonar urgentemente pra minha tia paterna para ela me buscar e passar um final de semana com minhas primas enquanto minha mãe ficava para o velório e enterro no cemitério de Pirituba. Minha mãe tinha acabado de fazer uma venda na loja do Jaraguá quando esse meu ex-padrasto apareceu do nada, com os olhos cheios d'água, pedindo pra ela fechar a loja naquela manhã porque minha vó tinha falecido (ele soube através de um telefonema que meu avô fez pra ele). Ela teve um ataque cardíaco porque tinha que tomar um monte de medicamentos fortes que acabaram afetando seu frágil organismo (disso eu fiquei sabendo muito tempo depois).


Mais uma vez a minha rotina mudou. Tive que ficar com a minha mãe todo dia naquele "Retalhão do Jaraguá", ela me buscava na escola e me levava direto pra loja. Não vou lembrar agora se a gente parava pra almoçar num restaurante de comida caseira self-service no caminho. Mas enquanto minha mãe dava duro na loja a espera de alguém para comprar uma peça de tecido, o rádio ficava ligado o dia todo até às 19 horas quando a loja fechava. Ora na Cidade (que eu adorava), ora na Band FM (a ban-ban-ban do seu rádio), que pegava muito bem no Jaraguá e que minha mãe escutava sempre por causa dos flashes de notícias entre um bloco musical e outro. O que ela mais detestava no rádio nessa época era que sempre tocava samba e pagode (que estavam em alta). O samba que mais me marcou naquela época se chamava "Flagrante" do Grupo Sampa, cujo refrão dizia "Desfez o amor que existia em nós". Vez e outra tocava música romântica, sertaneja e, óbvio, os Mamonas Assassinas. Lembro que a Band FM chegou a fazer uma montagem com todos os hits da banda numa única inserção (prática comum nas rádios) e versões ao vivo de um show exclusivo que Dinho e cia. fizeram no extinto Olympia, uma badalada casa de espetáculos situada no bairro da Pompeia (e que atualmente abriga a choperia + casa noturna Sampa Hall). Mas se existia uma estação de rádio que tocava todo dia e toda hora todas as faixas do CD dos Mamonas à pedido dos ouvintes era a Philadelphia FM, uma rádio comunitária que era sintonizada em toda a região de Pirituba a partir de Santa Mônica, não tão próximo de onde meu avô e minha tia moravam (na casa dos meus primos tinha um adesivo dessa rádio colada na janela do quarto deles). A rádio estava entrando numa nova fase e, se antes era sintonizada no 88.5 MHz, tinha mudado para 88.7 MHz e fora rebatizada de Nova Phila FM, cujo slogan era "A rádio que pensa em você" (e fazia jus, só que desconheço a atual situação dessa estação de rádio). Vez e outra no carro, minha mãe sintonizava sem querer essa rádio e pude ouvir perfeitamente algumas faixas do CD dos Mamonas na íntegra e/ou que até então eu desconhecia, como por exemplo a antológica "Sabão Crá-Crá", "Jumento Celestino" e "Cabeça de Bagre".


Outubro. Tinha acabado de fazer minha primeira comunhão e tome Mamonas no rádio quando voltava pra casa. O hit da vez era "Pelados em Santos" fazendo a galerinha gritar a primeira palavra da música: MINA!!! E parecia que a banda tinha mais fãs entre as crianças (dentre as quais eu me incluía) do que jovens e adolescentes, o público-alvo que curtia o bom e velho rock'n roll (que tava numa fase nada boa e que só se reergueu graças aos Mamonas). Cada vez mais crescia o público infantil que tinha na ponta da língua as letras de todas as 14 músicas do CD, independente se tinham ou não o álbum (como o meu caso, eu não tinha toca CD ainda), e curtia uma banda que nos dias de hoje seria taxada de polêmica e criminalizada por ser "politicamente incorreta", graças ao figurino que lembravam super-heróis do passado e personagens de desenhos animados, além de dizerem muita baboseira. Uma prova disso vivenciei numa festa de aniversário de uma colega de classe, cuja irmã mais velha estudava no colegial da mesma escola e eu sempre a via. Ela era muito legal e me deixou eu sentar em frente ao Micro System daquela casa ouvindo o CD inteiro dos Mamonas (que rolou a festa toda) e com direito a visualização do encarte onde pude ler aquelas letras nonsense. Foi nessa festa que ouvi pela primeira vez "1406", "Débil Mental" e "Sábado de Sol". Quando li a letra de "Lá Vem o Alemão", tomei um susto quando vi a parte que dizia "Fiquei na merda". Curiosamente, "Mundo Animal", tinha muito mais palavrões, mas não me deixou tão impactado pois a abordagem dos termos chulos tinha uma graça que não deixava ninguém chocado em estrofes como "E as vaquinhas, que por onde passam deixam um rastro de bosta" e "No mundo animal, existe muita putaria". Os cinco rapazes de Guarulhos estavam se popularizando e suas apresentações na TV eram bastante aguardadas. Mas nenhuma delas, nem aquela no Domingão do Faustão em que tocaram seus hits ao vivo (a ponto do IBOPE Global de São Paulo saltar de 18 para 32 pontos de audiência), se compara àquela aparição histórica no Domingo Legal em 29 de outubro. Eu estava em casa naquele domingo e eu não perdia nenhum programa (eu era fã incondicional do Gugu), até que os Mamonas surgiram no palco e tomaram conta de tudo, derrubando os quadros então pré-programados (mais para uma estratégia ibopística para neutralizar a concorrência). Quem não se lembra do Dinho zoando com o câmera-man Ricardo Deocleciano dos Santos, o Mixirica? Eles quase cantaram todas as músicas do CD (foram nove ao todo) e aquela apresentação (trajando o figurino clássico de presidiários) ajudou a banda a se tornar muito mais popular do que já estava se tornando naquele momento. Resultado: rendeu 27 pontos de audiência ao SBT, portanto, adoraria que o inoperante canal #tbt SBT do YouTube deixasse de mimimi e postasse logo na íntegra aquele inesquecível Domingo Legal que, repito, entrou para a história.


Em meio a uma lotadíssima agenda de shows (numa média de seis por semana), as aparições televisivas dos Mamonas se tornaram tão disputadas quando a compra de direitos de transmissão de campeonatos de futebol. Se por volta de agosto, eles estavam divulgando o CD e dando entrevista em tudo quanto era emissora de TV, em torno de novembro, Globo e SBT polarizavam a presença de Dinho e cia. em seus principais programas. Até a TV Cultura fez uma reportagem com a banda mostrando as filmagens do clipe "Pelados em Santos" no Vitrine e a finada MTV Brasil chegou a registrar o movimentado itinerário da banda entre um show e outro no MTV na Estrada. Pior para a Band que tinha lançado uma faixa de especiais musicais, todas de bom gosto, e até pra Manchete que estava saindo do fundo do poço e recuperando audiência e faturamento perdidos com os animes de fim de tarde. Fico imaginando como a Manchete desperdiçou a chance de fazer um especial de fim de ano com os Mamonas (vestidos de Cavaleiros do Zodíaco, que eram também em cinco) no Teatro Adolpho Bloch lotado só de crianças (e ainda teria um monte do lado de fora), daria uma audiência histórica só comparada a da novela Pantanal e seria motivo de orgulho para a história de uma emissora de TV que tinha acabado de perder seu fundador. A Record esquece, já dominada pela bispaiada da IURD, estava no centro dos debates da sociedade da época com aquele episódio do "Chute na Santa" e não permitiria que uma banda que dizia palavrão e outras besteiras mais, se apresentasse em qualquer um de seus programas, por mais popular que seja. Imaginem os Mamonas no Raul Gil com o Dinho fazendo aquele pulinho do apresentador. Quem assistiu ao documentário "Mamonas Pra Sempre", viu o produtor musical Rick "Creuzebeck" Bonadio (lembram do reality Popstars?) comentando que a Globo fez uma proposta para que a banda se apresentasse exclusivamente em seus programas durante um período de três anos (comprovando aí a tão criticada "política de blindagem") porque, segundo o IBOPE na época, as aparições dos Mamonas na TV triplicavam a audiência de qualquer programa. Proposta inteligentemente recusada. O jeito era apelar para o Plano B, relatado por Fausto Silva no Jornal do Brasil em 4 de março de 1996: O papa da televisão Boni, atendendo a uma sugestão do apresentador, queria contratar o Dinho para integrar o elenco de humor que a Globo estava renovando na época, ou seja, queria convencê-lo a sair do grupo e apostar numa carreira de comediante por conta das imitações e vozes engraçadas que ele fazia (inspiradas num primo dele) junto com uma porção de gírias nordestinas (Dinho era baiano de Irecê). Não fosse o acidente aéreo, os Mamonas vivenciariam algo semelhante ao que aconteceu com o grupo Secos & Molhados, outro fenômeno musical que surgiu da década de 70, que mal tinha lançado o segundo disco quando foi noticiada a saída do vocalista Ney Matogrosso para seguir carreira solo.


Lembro o quanto que saíam de artigos de jornais e revistas especializadas com as fotos dos integrantes do grupo, concorrendo diretamente com uma revistinha chamada Herói, que meus primos colecionavam, que abordava direto o anime japonês Cavaleiros do Zodíaco. Quem não se embalou ao som dos Mamonas em festas de aniversário, Natal e Ano Novo em meio as restrições de pais e professores rigorosos que questionavam sobre as letras grosseiras que "influenciariam" no comportamento precoce infantil? Quando iniciou o ano de 1996, as revistas Manchete e Isto É destacaram reportagens de capa com a história de sucesso desses que eram disparados a Revelação Musical de 95, contando o perfil de cada integrante e o fato de consagrar um estilo musical até então marginalizado pela mídia: o besteirol. Arranjos fortes com letras carregadas de irreverência, humor negro e picardia pareciam novidade, errado, o recurso havia sido utilizado, inicialmente, pela banda Joelho de Porco nos anos 70, depois pelos grupos Língua de Trapo e Premeditando o Breque nos anos 80, mas se popularizou mesmo com o Ultraje a Rigor até ser redescoberto pelos próprios Mamonas nos anos 90. Quanto ao uso de palavrões, o "recurso" fora muito utilizado pelo grupo Camisa de Vênus em "Silvia", Titãs em "Bichos Escrotos" e até Legião Urbana em seus 9 minutos de "Faroeste Caboclo". Os Mamonas pareciam ser doutrinadores de uma geração aculturada da classe média, criada à base de diversões eletrônicas: muito videogame, computador, fitas VHS e televisão aberta. Líderes absoluto nas paradas de sucesso e nas danceterias, o CD era disputado à tapa em tudo quanto era loja de discos causando inúmeras brigas em família, a ponto da gravadora EMI/Odeon ser obrigada a mandar remessas atrás de remessas, mas atrasavam os carregamentos devido a sobrecarga de demanda. Em apenas seis meses venderam cerca de 2,5 milhões de cópias, rendendo aos cofres da gravadora mais de R$ 20 milhões, chegando ao mesmo patamar de vendas e execução que Roberto Carlos (O Charme dos Seus Óculos), Zezé di Camargo & Luciano (Pão de Mel) e até o Raça Negra (É Tarde Demais), sem contar a Simone que tinha lançado um CD natalino (Então é Natal) que bateu recorde de vendas num curto espaço de tempo. Os mais críticos tentaram prever que a banda era uma febre passageira, puro objeto de consumo infanto-juvenil que não passaria do terceiro CD. Tamanho sucesso que levou a banda a elevar o cachê de apresentação de R$ 35 mil para R$ 50 mil.


Quando chegou o verão, passei 10 dias no apartamento dos meus tios no Guarujá e minhas primas levaram a fita cassete dos Mamonas para ficarem ouvindo boa parte do tempo, a ponto dos hits "mamoneiros" disputarem em pé de igualdade com as modas de verão de então como "Xô Satanás", "Segura o Tchan", "Pega no Balanço", "Na Boquinha da Garrafa", "Macarena" e aquelas dance musics de BPMs que elas curtiam e muito pois escutavam direto a Jovem Pan 2 e a 97 FM, a ponto de terem as coletâneas dessas emissoras de rádio (e eu me divertia muito com essas "músicas de balada"). No carnaval então, os sambas-enredo das escolas de samba do Rio e de São Paulo (o carnaval paulista tava crescendo graças as torcidas organizadas de futebol que magnetizaram de imediato a mídia clubista de sempre) tinham que dividir espaço com os viras, baiões, raps e bregas misturados com os riffs (acordes de guitarra) dos malucos de Guarulhos. Quem aí não se vestiu de presidiário num baile a fantasia? Acabou o carnaval, as férias de verão e retomamos a vida normal: eu passei para a 4ª Série do 1º Grau, mesmo muitos dos pais de vocês tendo que aguentar os Mamonas nas rádios com uma média de 15 execuções diárias! No dia 2 de março, num fim de tarde, lá estava eu junto com minha mãe na casa dos meus tios maternos para curtir a festa de aniversário do meu primo mais novo, que tinha completado 7 anos duas semanas antes, mas que só naquela ocasião foi possível reunir família e amigos (emendando com o aniversário que minha tia tava fazendo naquele mesmo dia). Foi um sábado absolutamente normal: meu avô ainda triste com a partida da minha vó se fazia presente, eu junto com outros "amiguinhos" vendo meu outro primo (que é um ano mais novo que eu) jogando videogame e meu tio aproveitava a ocasião como sempre para executar no toca-fitas do quintal (que tem até hoje uma piscina no meio) toda sua coleção de fitas cassete de Roberto Carlos (ele é tão fã do "Rei" quanto meu saudoso pai era). Lembro que na hora do "Parabéns", meu tio desligou o toca-fitas e sem querer começou a rolar o "Cabeça de Bagre" dos Mamonas, sintonizado na Nova Phila FM. Meu primo e os tais "amiguinhos" vibraram e minha tia reclamou, desligou o rádio na hora, cantamos logo o "Parabéns" e assim que meu primo mais novo soprou as velas, meu outro primo ligou de novo o rádio já na parte da música que dizia "Mamo-na-na-nas". Foi pitoresco. Minha tia proibiu terminantemente a execução da fita cassete dos Mamonas naquela festinha.


Minha mãe tinha combinado com o meu avô (o pai dela) que ia passar o domingo na casa dele para tentar alegrar o ambiente ainda enlutado pela morte da minha avó. E na manhã seguinte lá estávamos nós rumo a casa do vô. Não tinha mais rádio no carro (ela tirou a pedido do seu ex meses atrás). Na minha cabeça tocava a parte final de "Robocop Gay" em que uma microfonia é registrada no final. Chegamos lá normalmente e tomamos café com ele sem que a gente soubesse de algo. Eu estava contemplando o novo visual gráfico que a Folha de São Paulo estava lançando naquele domingo (meu avô sempre comprava a edição de domingo da Folha e do Estadão) e minha mãe telefonava pra minha tia avisando que tinha chegado a casa do vô. Foi aí que ela soube da notícia e quando a passou pra mim, me deu de forma errada: "Êgon, o avião dos Mamonas morreram, eles caíram e sofreram acidente" (como se ela tivesse perdido o chão). Fiquei parcialmente chocado, mas queria manter a sobriedade procurando ignorar o recado mal-passado. Mas fico imaginando o que teve de pai e mãe desnaturados que, sentindo-se vingados, não souberam respeitar os sentimentos dos próprios filhos tamanha ira que alimentavam pelo grupo quando deram a notícia de forma atravessada como se quisessem dizer "Acabou a brincadeira, agora vai estudar". Muitas crianças e adolescentes desabaram e entraram em depressão quando ligaram a TV ou o rádio no momento exato em que as notícias começaram a surgir em flashes do acidente aéreo na Serra da Cantareira. Mas foi ao meio-dia daquele fatídico domingo que o fato ganhou ar oficialista. O Domingo Legal do SBT daquele 3 de março foi um divisor de águas não só para o programa (que desde então nunca mais seria o mesmo), mas para a própria TV brasileira e começou de forma bem diferente, silenciosa, pois já sabia do que se tratava. Eu tinha ligado a TV para assistir ao programa e chamei minha mãe para comprovar o que ela tinha me dito. Gugu Liberato, de cara abatida, voz embargada, afeição séria e com um fax na mão, abriu o programa lendo bem devagar a triste nota: "Ontem, após um show em Brasília, o avião Lear-Jet 25 partia rumo ao Aeroporto de Cumbica quando, por volta de onze e meia da noite, caiu na Serra da Cantareira, em São Paulo. Todas as pessoas que estavam naquele voo não resistiram aos ferimentos. Morreram o segurança, o auxiliar de palco, o piloto e o co-piloto. E junto com eles estavam o baterista Sérgio Reoli, seu irmão e baixista Samuel Reoli, o guitarrista Bento Hinoto, o tecladista Júlio Rasec e o vocalista Alecsander Alves, o Dinho. Justamente os cinco integrantes do grupo Mamonas Assassinas. Hoje o domingo não será legal." Sabe quando um autista reage a uma notícia de morte de alguma personalidade que gosta muito? Este foi meu sentimento, de confusão total, segurei o choro porque pra mim seria vergonhoso, disfarcei ao máximo os sentimentos até pra mim mesmo, o que, convenhamos, não é lá muito bom.


Naquela tarde, voltamos cedo pra casa, tamanha tristeza que pairou naquele domingo. Quando voltei, aproveitei um intervalo do Domingo Legal e fui dar uma olhada na Globo. Por volta das 14 horas, peguei o início do Domingão do Faustão em que o apresentador comentou sobre o acidente aéreo que matou o grupo, além de ter citado outras tragédias que mataram os ídolos do passado, mas tentando manter um bom astral. A Globo segurava a cobertura jornalística para mais tarde no Fantástico, já que Fausto Silva matinha o respeito ao público e num link ao vivo, conforme tinha prometido, conversava com a dupla Chitãozinho & Xororó direto da piscina do sítio deles em Campinas, interior paulista, falando da banda, enquanto que no SBT (nos meus zaaps), Gugu apelava para o suporte da equipe do Aqui Agora e apostava numa cobertura permanente em seu programa (e por cinco domingos seguidos, "denunciando" o sonho frustrado do apresentador em poder empresariar a banda). Isso sem contar a constante reprise daquela apresentação histórica de 29 de outubro de 95 e a participação da temida e falecida vidente Mãe Dinah (que foi convidada a participar do programa por telefone) que previu num artigo de jornal o acidente aéreo que matou os Mamonas, a ponto de Gugu improvisar uma coletiva de imprensa ao vivo no final do programa anunciando novas (e desastrosas) previsões. Minha mãe, discretamente, veio a meu quarto ver um trecho dos Mamonas que estava sendo reprisado e deitada na minha cama, vendo aqueles flashbacks pela TV, ela foi às lágrimas dizendo indignada para mim quando me virei pra ela "Acabou os Mamonas, Êgon". Esse sentimento deve ter recaído a muitos hipócritas por aí que os criticavam enquanto vivos, mas bastaram eles morrerem para se arrepender e chamá-los de "gênios da juventude".
 

O interesse ibopístico por tragédias que matam os ídolos do momento se tornou dali em diante algo exageradamente banal, quebrando assim um protocolo de respeito aos familiares e parentes às custas de pontos a mais em audiência, chocando principalmente uma legião de fãs. Para vocês terem uma ideia, o placar do IBOPE de São Paulo naquele domingo, do meio-dia às 15 horas, registrou vitória do SBT sobre a Globo por 37 a 13 na exibição do Domingo Legal que acabei de detalhar parágrafos acima. Das 15 às 18 horas, na pausa para o esporte em ambas, a Globo (que transmitia o jogo entre Brasil e Uruguai pelo Pré-Olímpico de Futebol, em Mar Del Plata, aliado a flashes direto de Guarulhos) deu uma lavada no SBT (que exibia o GP de Miami de Fórmula Indy) metendo 40 a 8. Aliás, fiquei curioso em saber como é que tava o astral do Galvão Bueno naquele dia, cuja única boa notícia fora relatada por ele: a classificação do Brasil para o futebol das Olimpíadas de Atlanta. Das 20 às 22 horas, mais uma goleada Global, 50 a 19, com o Fantástico trazendo a reportagem completa do adeus aos cinco rapazes de Guarulhos, enquanto que no SBT, seu proprietário Silvio Santos organizava o bailinho do binóculo no Em Nome do Amor e, dando a impressão de que estava "cagando" pelo luto nacional, perguntava às suas colegas de trabalho "É namoro ou amizade?". Mas bastou passar da meia-noite e varando lá pelas duas e meia da madrugada para que o SBT virasse o placar em cima da Globo, 21 a 6, suspendendo a Sessão das Dez (que não começava às 22 horas) e o SBT Esporte e mandou ver com uma edição extra do Aqui Agora com mais detalhes do resgate dos corpos, a repercussão da tragédia e homenagens de praxe.

 

É chato, muito chato, você ver alguém iniciando a carreira, conquistar uma multidão de pessoas e em pleno auge da forma, faz a "passagem" de forma bem repentina e inesperada. E tem muita gente sem sensibilidade para com o próximo que lucra impunemente com essas tragédias e isso me deixa muito revoltado a forma que um ser humano é capaz de desonrar a memória de certas pessoas, até da própria família. É nessas horas que a dor tem que ser respeitada. O exemplo mais recente é o da cantora e compositora Marília Mendonça, na qual muitos hipócritas que ontem a pulverizavam, hoje a elogiam pela "genialidade" e mesmo depois de nos deixar (vítima também de um acidente aéreo), os sociopatas de plantão, infiltrados e espalhados pela mídia feito crias de vespeiros, insistem em mantê-la nas paradas, descobrindo na marra (em troca de muita mala preta) gravações inéditas ou parcerias sem compromisso, o suficiente para lançar um álbum só com músicas novas e mais outro e mais outro e mais outro, usando indevidamente o nome, a voz e a imagem da "Rainha do Feminejo Sofrência". É o que eu chamo de "Efeito Aleijadinho", continua na ativa tendo o crédito de obras inéditas mesmo depois de ter morrido (e ainda mantendo o sucesso). Isso é desrespeitar não só a obra dela, mas principalmente seus fãs e familiares.


Mas enfim, eu testemunhei essa febre "mamoneira" na joviedade dos meus 9 anos e queria muito poder compartilhar com vocês. Minha mãe não era resistente comigo nesse ponto, pelo contrário, ela até gostava e achava engraçado o que a banda fazia no palco, mas não queria que eu fosse a um show do grupo por não ser permitido a menores de 12 anos. Anárquicos, escrachados, doidos varridos, infantilóides, desparafusados, bagunceiros, debilódies, desbocados, podem definir o que quiserem sobre o que o grupo Mamonas Assassinas significou em apenas 8 meses de uma meteórica carreira. Se deixaram legado? Na música não, mas na TV que o diga porque tinham um forte apelo midiático audiovisual. Posso até exagerar, mas tinha um espírito bem "mamoneiro" no extinto Pânico na TV/Band. Termino este post parafraseando o que nossos pais, tios e avós sempre dizem das coisas que ficaram no passado e que as gerações futuras, mesmo com seus defeitos, jamais saberão vivenciá-las com seus próprios olhos: quem não viu Pelé e Garrincha jogar, não sabe o que perdeu; quem não viu as Cataratas de Sete Quedas, não sabe o que perdeu; quem não viu a Concha Acústica do Pacaembu, não sabe o que perdeu; quem não viu a passagem das andorinhas azuis por Campinas, não sabe o que perdeu; e quem não viu Mamonas Assassinas cantar, seja num show ao vivo ou apresentação na TV, não sabe o que perdeu. Aos fãs, parentes, amigos e familiares dos cinco rapazes de Guarulhos, eu dedico este humilde e despretensioso post. Afinal, eu curti Mamonas Assassinas.