ESPECIAL: A História da TV Brasileira Seria Outra a Partir dos 70's

Vocês devem se lembrar do dia em que eu publiquei neste blog a hipotética situação em que CNT e Rede TV! poderiam ter se tornado uma única ...

domingo, 22 de junho de 2025

ESPECIAL: A História da TV Brasileira Seria Outra a Partir dos 70's


Vocês devem se lembrar do dia em que eu publiquei neste blog a hipotética situação em que CNT e Rede TV! poderiam ter se tornado uma única emissora de TV na chegada do ano 2000. E quem curtiu adoidado o carnaval de 2025, nem reparou numa mudança impactante na televisão brasileira, principalmente para os assinantes de TV à cabo. Os canais do Grupo Disney (exceção feita a ESPN) saíram do ar neste país devido a baixa audiência e baixo retorno financeiro. Parece que os executivos do reduto de Mickey Mouse reconheceram que o streaming é o universo audiovisual a ser explorado. Esse fato eu encaro como o sinal dos tempos, pois logo logo (a médio/longo prazo), outros grupos de comunicação vão seguir o mesmo rumo e retirar do ar o sinal aberto de suas emissoras (tanto abertas quanto pagas) para entrar neste novo caminho que permite o público a escolher melhor o conteúdo que quer assistir, maratonar nos finais de semana, segmentar seus gostos (refletindo inclusive nos algoritmos dos anúncios da futura TV 3.0) ou deixar ligado o aparelho Smart num canal Fast dito em tempo real sem o menor compromisso. Mas é preciso acima de tudo criar e aplicar uma nova cultura de tecnologia a nossa tão desaprendida nação.

Pois bem, entre uma pesquisa e outra que faço prazerosamente nos acervos online de jornais e blogs de revistas antigas aqui e ali, sem contar meu vasto conhecimento acerca da história da televisão brasileira (modéstia a parte), chego a uma outra conclusão de que, se não fosse as mancadas e desatenções governistas ao longo desses anos, a história da TV brasileira seria completamente outra a partir dos anos 70! É isso mesmo, não fosse a paranoia do Governo daquela época, este notável meio de comunicação seria melhor incentivada e encaminhada a partir da década seguinte para sua plena independência (leia-se privatização das concessões). Essa é a consequência negativa do mal aproveitamento e sucateamento atual da televisão aberta no Brasil, que a bem da verdade está com os dois pés na sepultura. A causa é a seguinte: quando aquela década começou, testemunhou-se um fenômeno que pode muito bem ser denominado "cemitério de emissoras", pois o Rio de Janeiro tinha acabado de presenciar a falência de duas estações de TV num espaço de tempo de 17 meses.

 

E a história prova que ninguém se preocupou em expandir o veículo, abrir o mercado, equilibrar a balança comercial e os índices de audiência, pois o Governo Militar estava mesmo era de olho na Rede Globo de Televisão em usá-la como seu principal porta-estandarte no que diz respeito a "instrumento de integração nacional", acabando por, intencionalmente ou consequentemente, monopolizar o mercado audiovisual brasileiro, enfraquecendo assim os concorrentes mais próximos (leia-se TV Tupi, que já se encontrava numa situação financeiro/administrativa delicada). Taí um bom motivo para vocês terem ainda mais raiva do Regime Militar. Há um certo tempo, eu estava com vontade de tratar este caso no meu blog, tava entalado na garganta, mas agora, nada mais propício no ano do 75º aniversário do veículo, é que vamos abordar o que poderia ter acontecido e quais os desdobramentos à seu respeito (quem ficaria e quem sairia do ar). Portanto, sem fã-clubismo, comecemos:

Em 30 de setembro de 1970, o DENTEL determina a cassação oficial das concessões da TVs Excelsior de São Paulo e Rio de Janeiro devido a uma série de irregularidades de natureza financeira. Seiscentos funcionários (400 em São Paulo e 200 no Rio) iniciam uma luta para recuperar seus empregos em outros prefixos e, principalmente, poder receber pelos seus direitos trabalhistas. A sua diretoria tinha alegado em ter pago mais da metade do valor de uma dívida que totalizava Cr$ 45 milhões, vindos de sua parte do espólio deixado pelos bens do falecido proprietário Mário Wallace Simonsen. Inicialmente, pensou-se em montar uma cooperativa de artistas e profissionais para a produção independente de novelas e humorísticos, devido ao grandioso elenco que dispunha nas duas capitais, e que seriam revendidas em troca de aluguel de espaço em emissoras pequenas pelo Brasil, mas a ideia não foi pra frente. Segundo o site Tudo Sobre TV, do diretor Maurício Valim, o Governo da época não tinha interesse na manutenção de um grupo ligado ao governo anterior deposto, principalmente no meio de comunicação mais forte que a televisão estava se tornando.


Enquanto isso, em outubro, é encaminhado à Justiça um pedido de falência da TV Continental do Rio de Janeiro, mas não possuía documentação suficiente para que o Ministério das Comunicações e o DENTEL decretassem oficialmente sua cassação. Desde junho, a emissora tinha sido despejada de seu prédio, no bairro de Vila Isabel, obrigando seus 30 funcionários a operar sua programação diária num velho caminhão de externas, literalmente caindo aos pedaços, permanentemente estacionado no Grajaú Tênis Clube, cujos equipamentos adquiridos 10 anos antes não tinham sido totalmente pagos. É aí que surge a famosa (e verdadeira) lenda urbana em que um locutor de cabine, puto da cara, teria proferido as seguintes palavras no ar: TV Continental Canal 9, Rio de Janeiro. A emissora que não paga da "desorganização" Rubens Berardo, anuncia a próxima atração: Jornal da Bola.


Os bens das duas emissoras estavam sendo penhorados pela Justiça, porém, alguns equipamentos da TV Excelsior estavam sendo desviados para a recém-inaugurada TV Gazeta canal 11 sob alegação de pertencer ao Grupo Folhas. Isso porque o complexo da Vila Guilherme, onde funcionava os estúdios do antigo canal 9 paulista, era arrendado a esse mesmo conglomerado para a instalação de oficinas gráficas à serviço da Caixa Econômica Estadual de São Paulo, cujos funcionários tinham trânsito livre no local para a utilização de material técnico. Enquanto isso em Brasília, é assinada a Portaria Interministerial 408 do Decreto Federal nº 72.637 pelo presidente Emílio Garrastazu Médici, determinando a outorga da concessão do canal 2 do Rio de Janeiro (antigo prefixo da TV Excelsior na capital fluminense) para a Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa, que viria a instalar uma TV educativa carioca, à exemplo do que já existia em São Paulo (TV Cultura) e Recife (TV Universitária).


O ano de 1971 começa com uma bomba no mundo da TV: o contrato de aluguel de horário que o apresentador Silvio Santos tinha com a Rede Globo aos domingos ia expirar em 15 de agosto, só que o diretor-geral Walter Clark não estava interessado na sua renovação, que tinha de ser feita num prazo máximo de 60 dias antes da data de vencimento. Ele planejava com o Boni, superintendente operacional, uma maneira para transformá-lo em empregado da emissora e para isso reuniu diretores de várias emissoras, argumentando que canal nenhum venderia publicidade terceirizada em troca de compra/aluguel de espaço na programação para anunciar os próprios produtos e serviços, o que resultaria em perda de faturamento comercial. Foi a partir dessas manobras de bastidores que Silvio começou a alimentar seu sonho de ter seu próprio canal de televisão.


Surgem então boatos de que Silvio Santos fora a Brasília conversar com o Presidente Médici, pois estaria interessado em comprar o canal 9 de São Paulo e numa rara entrevista concedida a revista Veja em março daquele ano, Silvio confirma os rumores e anuncia que estava preparado em montar sua própria emissora de TV, adquirindo a concessão cassada da TV Excelsior por Cr$ 22 milhões. Isso porque aquele grupo de 400 funcionários da extinta Excelsior paulista procurou o animador/empresário implorando para que ele adquirisse a emissora para manter aquele pessoal empregado e estava sendo planejado tal contratação num período de seis meses, pagando o salário normal e mais os atrasados em forma de acordo financeiro. Além disso, investiria Cr$ 30 milhões na compra de novos equipamentos vindos da Inglaterra e dos Estados Unidos e traria vários profissionais de diversas emissoras, pagando salários três vezes maior e a garantia de participação nos lucros da sua nova emissora. E não era para menos: o Grupo Silvio Santos faturava Cr$ 180 milhões por ano graças a publicidade permanente do carnê do Baú da Felicidade durante o programa dominical.

O que aconteceu de verdade:
O presidente das Organizações Globo Roberto Marinho conversa pessoalmente com o "animador de auditório" e renova seu aluguel de horário para mais cinco anos. E em 1973, o Ministro das Comunicações Hygino Corsetti outorga as concessões das TVs Excelsior e Continental para a Rádio Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, que jamais entrariam ao ar.

O que deveria ter acontecido:
Roberto Marinho usaria seu poder de influência junto ao Governo e entraria em contato tanto com o Presidente Médici quanto com o Ministro Corsetti em meados de maio, determinando a autorização da compra da TV Excelsior de São Paulo e a outorga do canal 9 paulista a Silvio Santos. Marinho argumentaria que estaria consciente de que a Rede Globo estava ficando pequena demais para o "Homem do Baú" e que precisaria de um rival à altura, já que a TV Tupi, sua concorrente então mais próxima, estava ficando, segundo o entendimento do jornalista, fraca demais. A liderança Global já estava desproporcional tanto em São Paulo quanto no Rio. Então, até liberar a documentação de outorga da concessão, acertar a situação dos ex-funcionários da Excelsior e finalizar a instalação da nova emissora, Marinho prorrogaria a permanência de Silvio Santos no domingo da Globo até 31 de dezembro daquele ano. Em outras palavras, o último Programa Silvio Santos exibido pela Rede Globo seria em 26 de dezembro de 1971 e a inauguração oficial da nova emissora poderia ser no primeiro dia do ano de 1972. Anunciantes como Grupo Ipiranga, Lopes Sá Fumos, Ford e Varig manifestariam interesse na possível negociação de contratos publicitários com a nova emissora.

Como parte do edital de autorização para a aquisição do canal 9 de São Paulo, o Grupo Silvio Santos toma posse de um complexo de 4 mil m² na Vila Guilherme, zona leste de São Paulo, então pertencente ao Grupo Folhas, de um total de mais de 11 mil m², sendo os outros 7 mil de propriedade da Caixa Econômica Estadual de São Paulo, tendo inclusive a disposição de poder locá-las conforme o passar dos anos, dependendo da necessidade dos novos donos. Localizado na Rua Dona Santa Veloso, 575, o local sediava a TV Excelsior desde 1967, contando com seis estúdios, sendo quatro de tamanho maior para produção de novelas, humorísticos e entretenimento e outros dois de proporções menores para o jornalismo, debates e entrevistas. Isso sem contar o teatro da Sociedade de Cultura Artística na Rua Nestor Pestana, 145, Consolação, que contava com dois auditórios (um no térreo com mais de 1.100 lugares e outro no subsolo com capacidade para 340 pessoas) para os shows de variedades. O Teatro Astória do Rio de Janeiro, também pertencente a antiga TV Excelsior, situado na Rua Visconde de Pirajá, 595, Ipanema, zona sul do Rio, também passaria a ser de propriedade do Grupo Silvio Santos, mas o interesse em adquirir a TV Continental seria bastante cauteloso devido ao demorado andamento do caso do canal 9 carioca junto ao DENTEL e qual seria a posição do Ministério das Comunicações à respeito.


Apesar da força de vontade em colocar no ar programas educacionais, esportivos e pequenos filmes durante algumas horas por dia, a TV Continental nada pôde fazer para espantar a crise. A acusação de um calote financeiro à RCA Victor e a tentativa malsucedida de empenhar seus equipamentos, apenas acelerou o processo de cassação por parte do CONTEL. Em novembro, decidiu interromper suas atividades sem autorização do mesmo CONTEL e, pior, permaneceu fora do ar por mais de 30 dias. O canal 9 carioca também cometera outra infração: transferiu o gerenciamento da concessão sem prévia autorização do Ministério das Comunicações. O DENTEL estabeleceu um prazo de 30 dias para que os donos da TV Continental esclarecessem na Justiça do Trabalho a situação da emissora. Apesar da aprovação judicial do pedido de falência devido ao não-pagamento de uma nota promissória de Cr$ 3 mil, o Governo daria a última palavra seguindo conselho do CONTEL, acreditando que a emissora, diante de uma dívida irrisória, pudesse ser adquirida por um grupo idôneo.

O que aconteceu de verdade:
Em 21 de fevereiro de 1972, o Governo Federal assinou oficialmente a cassação da TV Continental canal 9 do Rio de Janeiro.

O que deveria ter acontecido:
O Ministério das Comunicações sugeriria ao Grupo Silvio Santos a compra da TV Continental, pelo fato de ser a única empresa de comunicação que manifestara interesse em adquiri-la. A transição só seria possível em dezembro, após os 30 dias regulamentares em que o canal 9 carioca estaria fora do ar. No edital, além de se apropriar do prefixo, Silvio adquire a massa falida da emissora: 84 poltronas estofadas, dois pianos de calda, o velho caminhão de externas em condições precárias (já citado parágrafos acima) e uma torre em boas condições para transmissão em cores. Então, no ensejo da inauguração do novo canal 9 paulista, com data marcada para 1º de janeiro de 1972, o novo canal 9 carioca entraria no ar ao mesmo tempo, permitindo assim o link Rio-São Paulo através dos troncos da EMBRATEL.

Já a TV Rio, em 15 de maio de 1971, tem 25% de suas ações vendidas para o Grupo Gerdau de Seguros, maior empresa siderúrgica privada do Brasil, de Élvio Azevedo Souza e Jorge Gerdau Johanpeter, e outros 25% para a TV Difusora de Porto Alegre, pertencente à Ordem dos Frades Capuchinhos. Com isso, os empresários gaúchos Walmor Bergheseh e José Salimen Jr. tornam-se proprietários majoritários da Rede de Emissoras Independentes a partir de junho daquele ano. A intensão seria montar a primeira cadeia de TV com cabeça-de-rede fora do eixo Rio-São Paulo, ou seja, a geração matriz seria a partir de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, tornando-se sócios de emissoras independentes deficitárias pelo Brasil. Mas divergências de gerenciamento e problemas com o CONTEL fizeram com que, em 5 de novembro, a emissora gaúcha obtivesse 53% das ações das TVs Rio e Alvorada de Brasília, enquanto que os 47% restantes ficasse com a TV Record de São Paulo, do Grupo Machado de Carvalho, que em 1972 teve seus 50% de ações adquiridas pelo mesmo Grupo Gerdau. Em 1974, a TV Rio chega a mudar sua diretoria duas vezes e tem a ideia de lançar uma nova rede, a SBC - Sistema Brasileiro de Comunicação. Logo, o Grupo Vitória-Minas, de Jorge Feijó, Joaquim Pires Ferreira e Carlos Eduardo Alvarez tornam-se sócios majoritários da rede, mas foram cassados pelo Governo mais tarde por irregularidades em seus negócios imobiliários e econômicos.


O que aconteceu de verdade:
Três meses depois, o empresário e fazendeiro Joaquim Cintra Godinho (amigo de Demerval Gonçalves, diretor-administrativo do Grupo Silvio Santos) acerta a sociedade com Paulo Machado de Carvalho em 14 de março de 1972 com a compra dos 50% das ações da TV Record de São Paulo (devolvidas pelo Grupo Gerdau) e tudo fica em segredo absoluto, já que Silvio ainda alugava horários na Globo e na Tupi. Enquanto isso, a TV Alvorada é rebatizada de TV Rio de Brasília em 7 de setembro de 1972 e que sai do ar em janeiro de 1976 contando com apenas dois funcionários que acionaram a Justiça do Trabalho para requerer seus direitos. E alguns meses depois, o Grupo Brasilino, empresa da Fábrica de Móveis Brasil, adquire a concessão e o canal 8 de Brasília passa a se chamar TV Regional.

O que deveria ter acontecido:
A Ordem dos Frades Capuchinhos, proprietária da TV Difusora de Porto Alegre, compraria 50% da TV Record, o que encaminharia com maior facilidade na formação da rede gerada da capital gaúcha, com TV Record, TV Rio e a própria TV Difusora. Mas havia um grande problema: cada emissora tinha seus horários próprios e as chances de formar uma cadeia simultânea eram bem poucas, mesmo na tentativa de "verticalizar" a programação, com sessões cinematográficas em horários fixos. O que era para ser uma grade voltada ao público masculino e oferecer as agencias de publicidade inserções com custo 10 vezes menor que o cobrado pela emissora-líder, resultou-se num grande fracasso. Dívidas, questões trabalhistas, problemas gerenciais, falhas de intercâmbio e desentendimentos com os proprietários gaúchos levariam as integrantes da REI à beira da falência. O elo mais fraco dessa rede independente seria a TV Alvorada de Brasília que, diante de uma situação delicada e sem as mínimas condições técnicas, forçaria o Grupo Gerdau a devolvê-la os 53% daquelas ações adquiridas anteriormente, por incompatibilidade. E em caráter de urgência, a emissora seria comprada pelo Grupo Silvio Santos, seguindo outra sugestão do Ministério das Comunicações. O canal 8 candango iria passar a integrar a rede da TVS como nova geradora de programação a partir de 7 de setembro de 1972, dia do Sesquicentenário da Independência.


Os militares que estavam no Governo e que pouco entendiam (ou quase nada) do assunto, imaginavam que os meios de comunicação no Brasil seriam usados desenfreadamente por um grupo de opositores e "falsos-comunistas" para pregar os podres dos situacionistas e forjar aquela agitação de palavras de ordem exageradamente revolucionárias a um povo sem cultura que é, até hoje, facilmente ludibriado. Foi com essa paranoia que as concessões de TV foram distribuídas a grupos vistos com simpatia pelo Regime da época.

O que aconteceu de verdade:
Em 23 de outubro de 1975, o presidente Ernesto Geisel outorga a concessão do canal 11 do Rio de Janeiro ao Grupo Silvio Santos e em 22 de dezembro no gabinete do Ministro das Comunicações Euclides Quandt de Oliveira em Brasília, ocorre a solenidade de assinatura do contrato com a presença do próprio Silvio Santos. E em 18 de setembro de 1976, a TV Record de São Paulo ganha uma injeção financeira com o anúncio oficial da sociedade do mesmo Silvio com Paulo Machado de Carvalho, sendo 50% das ações para cada um.

O que deveria ter acontecido:
O Presidente Geisel outorgaria a concessão do canal 11 carioca ao Grupo Bloch Editores e dois meses depois, no gabinete do Ministro Quandt de Oliveira em Brasília, haveria a solenidade de assinatura do contrato com a presença de Adolpho Bloch. A inauguração da TV Manchete só iria acontecer após Bloch adquirir a concessão do canal 7 paulista, ex-TV Record, na montagem da nova rede que, à exemplo da TVS do Grupo Silvio Santos, seria interligada através do link Rio-São Paulo. Após a transmissão das Olimpíadas de Montreal em 1976, encerra-se os trabalhos da REI, sendo assim o último suspiro da TV Record de São Paulo, cujo término de suas atividades seria culminado por um incêndio e pela morte do narrador esportivo Geraldo José de Almeida. A mítica e lendária TV Rio Preto canal 8 de São José do Rio Preto, afiliada da TV Record, seria resgatada da falência crônica do Grupo Machado de Carvalho sendo adquirida justamente pelo Grupo Silvio Santos, que passaria a se chamar "TVS Rio Preto" e expandiria o sinal da rede por todo o interior do estado de São Paulo.


Na passagem do tempo, as emissoras independentes sobreviventes (como a TV Difusora de Porto Alegre) seriam resgatadas pela TV Bandeirantes, que já começara a montar sua rede de emissoras pelo Brasil. A TV Rio, com problemas financeiros, encerraria suas atividades em abril de 1977. E em fevereiro de 1980, com a crise da Rede Tupi se agravando, surge a possibilidade de venda da TV Alterosa de Belo Horizonte na tentativa de se levantar dinheiro para normalizar os salários atrasados relativos à dezembro de 1979, até porque as TVs Itacolomi (da capital mineira) e Rádio Clube do Recife estavam financeiramente saudáveis e não havia razão pra cassação de ambas, pertencentes a primeira emissora de TV do Brasil. O motivo da venda da TV Alterosa era simples: segundo o Decreto 236 do Código Nacional de Telecomunicações, uma organização (nesse caso os Diários Associados) não podia (e até hoje não pode) ser dona de mais de uma emissora de televisão aberta (viu, dona IURD?) numa mesma cidade. O único que não gostava da possibilidade de venda era justamente o dono da TV Alterosa, Gilberto Chateaubriand, filho de Assis Chateaubriand e um dos condôminos acionários de confiança do fundador da TV Tupi, que tampouco se entendia com os outros integrantes do denominado "Condomínio Associado" alegando que a venda de ações do conglomerado era "terminantemente proibido", fazendo assim a vontade já antiquada de seu finado pai. Apesar dos Diários Associados não ter revelado inicialmente os valores da transação, João Calmon, outro condômino, comentou na época que a negociação era de Cr$ 40 milhões. Um grupo de 35 funcionários que atuavam na TV Alterosa revelou que a tentativa de venda da emissora já vinha acontecendo desde setembro de 1979 e que vinha acumulando um prejuízo mensal de Cr$ 500 mil, mas estavam apreensivos com a possibilidade de uma demissão coletiva diante da falta de informações.


O que aconteceu de verdade:
Gilberto Chateaubriand impediu que a Rádio Capital adquirisse a TV Alterosa. Ele acusava outro condômino, Edmundo Monteiro, que teve a ideia de vender a emissora mineira, de ser o "coveiro da TV Tupi" pela má gerência e assim foi indo e se enervando até julho de 1980 quando, por falta de negociação e desentendimentos de praxe, o Governo decreta oficialmente a cassação de sete emissoras da Rede Tupi. O estatuto do "Condomínio Associado" dava direito de preferência aos herdeiros diretos de Assis Chateaubriand na tomada de decisões para que depois fossem ouvidos os outros integrantes escolhidos a dedo pelo próprio ainda em 1960 quando o tal grupo de pessoas fora formado. Só que havia mais um problema: dos 22 integrantes do condomínio, 15 deles tinham mais de 60 anos! A TV Alterosa, por sua vez, continuaria sendo administrada pelos Diários Associados e se torna a partir de 1981 afiliada de uma nova rede, o SBT.

O que deveria ter acontecido:
Quem iria meter o bedelho no assunto seria novamente Silvio Santos (ele estava comprando tudo naquela época). Se nos anos 70 manifestou o interesse em adquirir as TVs Excelsior e Continental, na entrada da década de 80, chamaria Gilberto Chateaubriand para uma conversa particular, relembrando o espírito empreendedor e visionário do fundador da TV Tupi, "esfregaria na fuça" dele o tal decreto do Ministério das Comunicações que impede um grupo de comunicação em ter dois canais de TV numa mesma cidade (relembrando o caso da venda da TV Cultura de São Paulo ao Governo paulista em 1967) e ofereceria Cr$ 46 milhões (40 milhões pela compra propriamente dita da emissora e mais 6 milhões equivalentes a um ano de prejuízo) para transformar a TV Alterosa em "TVS Minas", garantindo assim o emprego das 35 pessoas que lá estavam. Por outro lado, não tinha o poder de mexer nas leis do "Condomínio Associado", já que caberia ao Governo quaisquer modificação no estatuto que controlava os Diários Associados. Gilberto Chateaubriand recuaria diante do carisma do empresário superstar, mas só aceitaria a oferta se Silvio desembolsasse Cr$ 50 milhões. Como numa típica negociação, a venda da TV Alterosa de Belo Horizonte seria acertada em Cr$ 48,3 milhões.


Conclusão: nessa suposição toda, o Presidente Médici e o Ministro Corsetti outorgariam em 1971, as concessões das TVs Excelsior e Continental ao Grupo Silvio Santos, autorizando assim a tal compra. A Rede Tupi seria salva da cassação em 1980 graças ao mesmo Grupo Silvio Santos, que compraria a TV Alterosa no mesmo ano, transformando-a em geradora da TVS, e os salários dos funcionários "tupinianos" seriam finalmente pagos. A TV Manchete seria inaugurada de uma forma bem diferente da que conhecemos, por volta de 1977. E nesse contexto todo, quem levaria a pior seria a TV Record, ela sairia do ar entupida de problemas causadas pela tentativa malsucedida de ingressar a REI e devido a um incêndio culminante. Nos 40 anos seguintes, três redes de TV disputariam o primeiro lugar em audiência, faturamento, alcance, número de afiliadas, funcionários e verbas publicitárias no Brasil (seguindo o exemplo dos Estados Unidos): Globo, Tupi e TVSBT.

O Ministério das Comunicações, na transição dos anos 70 para a década de 80, deixaria a insensibilidade em relação aos problemas das telecomunicações (vistas até hoje desse jeito, a não ser que haja alguma barganha) e deveria ter formado um Conselho de Comunicação Social, uma instituição privada criada pelo Governo Federal que teria o intuito de traçar um plano nacional de modernização e expansão da TV aberta de acordo com uma nova legislação que seria proposta, mas moldada e engendrada com o tempo vigente (exemplificando a regulamentação que controlaria os aperfeiçoamentos tecnológicos a serem adotados no Brasil ao longo dos anos, como o HDTV, Inteligência Artificial e a TV 3.0). A principal meta seria a privatização das concessões de rádio e TV, o que daria autonomia aos veículos supracitados do Brasil em se sustentar com os próprios recursos, sem ajuda do poder público. A tão falada Abertura seria estendida também nos meios de comunicação. Veja como ficaria o dial VHF em algumas cidades brasileiras:

São Paulo
2 - Cultura
4 - Tupi
5 - Globo
7 - Manchete
9 - TVS
11 - Gazeta (independente)
13 - Band

Rio de Janeiro
2 - TVE
4 - Globo
6 - Tupi
7 - Band
9 - TVS
11 - Manchete
13 - Corcovado (independente)

Brasília
2 - Nacional (semi-independente)
4 - Band
6 - Tupi
8 - TVS
10 - Globo
12 - Manchete

Porto Alegre
2 - Guaíba / Manchete
4 - Pampa / TVS
5 - Tupi
7 - TVE RS
10 - Difusora / Band
12 - RBS / Globo

Belo Horizonte (o canal 12 iria para o canal 13)
2 - TVS Minas
4 - Tupi
5 - Manchete
7 - Band
9 - TVE Minas
11 - Sociedade (independente)
13 - Globo

Recife
2 - Jornal do Commercio / TVS
4 - Tribuna / Band
6 - Tupi
7 - Pernambuco (independente)
9 - Tropical / Manchete
11 - TVU
13 - Globo

Curitiba
2 - Band
4 - Iguaçu / TVS
6 - Paraná / Tupi
7 - Independência / Manchete
9 - TVE Paraná
12 - Paranaense / Globo

Fortaleza
2 - Tupi
5 - TVE Ceará
7 - Manchete
8 - Cidade / TVS
10 - Verdes Mares / Globo
12 - Jangadeiro / Band

Goiânia
2 - Anhanguera / Globo
4 - Goyá / Tupi
5 - Cultura
7 - Manchete
9 - Serra Dourada / TVS
11 - Goiânia (independente)
13 - TBC / Band

Salvador
2 - TVE Bahia
4 - Aratu / Globo
5 - Itapoan / Tupi
7 - Band Bahia
9 - Cabrália / TVS
11 - Bahia / Manchete
13 - A Tarde ou Tribuna da Bahia (independente)

Belém do Pará
2 - Tupi
4 - Guajará (independente)
5 - Cultura
7 - Liberal / Globo
9 - RBN / Manchete
11 - TVS Pará
13 - RBA / Band

Florianópolis (o canal 12 iria para o canal 13)
2 - Cultura
4 - SCC / TVS
6 - RCE / Tupi
9 - Barriga Verde / Band
11 - Manchete (retransmissora)
13 - RBS / Globo

Manaus
2 - Cultura
4 - Baré / Tupi
5 - Amazônica / Globo
8 - RBN / Manchete
10 - Norte / TVS
13 - Band (retransmissora)

Vitória
2 - TVE ES
4 - Gazeta / Globo
6 - Vitória / Tupi
7 - Tribuna / Band
10 - Capixaba / TVS
13 - Litorânea / Manchete

Campo Grande
2 - Tupi
4 - TVE MS
6 - Morena / Globo
8 - Campo Grande / TVS
11 - Manchete (retransmissora)
13 - Guanandí / Band

Cuiabá
2 - TVU
4 - Centro América / Globo
5 - Rondon / Manchete
8 - Brasil Oeste / Tupi
10 - Gazeta / Band
12 - Cidade Verde / TVS

São Luís do Maranhão
2 - TVE MA
4 - Difusora / Tupi
6 - Cidade / Band
8 - São Luís / Manchete
10 - Mirante / Globo
12 - Praia Grande / TVS

Natal
3 - Potengi / Band
5 - TVU
8 - Tropical / Tupi
10 - Manchete (retransmissora)
11 - Cabugi / Globo
13 - Ponta Negra / TVS

Maceió
2 - TVE AL
5 - Alagoas / TVS
7 - Gazeta / Globo
9 - Band (retransmissora)
11 - Pajuçara / Tupi
13 - Manchete (retransmissora)

João Pessoa
4 - Miramar / Cultura
5 - Tambaú / TVS 
7 - Cabo Branco / Globo
10 - O Norte / Tupi
12 - Correio / Band
13 - Manchete (retransmissora)

Campina Grande
3 - Paraíba / Globo
5 - Miramar / Cultura
7 - Manaíra / Manchete
9 - Borborema / TVS
11 - O Norte / Tupi
13 - Correio / Band

Campinas
2 - TVS Interior
4 - Band
6 - Princesa / Tupi
8 - Thathi / Manchete
10 - Cultura
12 - EPTV / Globo
13 - Gazeta (independente)

Ribeirão Preto
2 - Thathi / Manchete
4 - Cultura
5 - Tupi
7 - EPTV / Globo
9 - Clube / Band
11 - Gazeta (independente)
13 - TVS Ribeirão

Santos (o canal 4 iria para o canal 3)
2 - Cultura
3 - TVS Litoral
5 - Thathi / Manchete
6 - Tupi
8 - Tribuna / Globo
10 - Band
12 - Gazeta (independente)

São José do Rio Preto
2 - Globo
4 - Cultura
5 - Band
7 - TVS Rio Preto
9 - Tupi
11 - Gazeta (independente)
13 - Manchete (retransmissora)

Londrina
3 - Coroados / Globo
5 - Cidade / TVS
7 - Tropical / Tupi
9 - Independência / Manchete
11 - TVE Paraná
13 - Tarobá / Band (retransmissora, sinal gerado de Cascavel)


Isso é só uma hipótese embasado nas pesquisas de notas de jornais e revistas que faço, até certo ponto, despretensiosamente. Não custa nada dar asas a imaginação e perceber que, se tivessem pensado lá atrás na importância que a televisão representaria em nossas vidas, ela não seria tão sucateada e usufruída por um grupete assumidamente ganancioso de machistas sádicos de mente senil e excessivamente patriarcais regendo todo o poder de decisão do setor, bajulando e barganhando com o poder público seja ele qual for (esquerda ou direita, socialista ou capitalista), levando em conta apenas seus próprios pontos de vista e jamais se colocando na pele do telespectador, que até hoje sofre e quebra a cara todos os anos por esperar aquilo que jamais vai aparecer num piscar de olhos: melhorar a qualidade de conteúdo na programação das emissoras e respeitar todos os tipos de público, já que falam atualmente em "mudança de perfil". É uma ferida aberta que, até cicatrizar, vai ser tarde demais, todos se vulgarizaram e se rebaixaram monumentalmente. Por isso que torno a repetir: se não fosse a ganância de uns e a paranoia de outros, a história da televisão brasileira seria outra.

#PorUmaTVMelhor

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

OPINIÃO: Tum Tum Versus Plim Plim


Estamos alcançando a metade da terceira década do Século XXI e nossas mídias audiovisuais, por orgulho ou militância fã-clubística, regrediram assustadoramente de tão despreparadas que estão. De que adianta melhorar a qualidade de transmissão da TV se não melhoram o conteúdo da programação? Peço que tomem cuidado, distintos seguidores, para não se tornarem uma geração excessivamente "babona" de fanbases que, infelizmente, moldou nossa mídia que já possui um alto déficit de credibilidade. Estamos carentes de personalidade. Os poucos argumentos que li à respeito da TV 3.0 não me convencem mais, são muito vagos (até segunda ordem). Somente alguém com experiência comprovada e tarimba, ligado as mídias que tanto amo, pode me explicar direito sobre o assunto, sem essa empolgação entusiasmada que é de lei nas redes sociais. Quem sabe numa grande feira de mídia que pinte num futuro próximo.

O streaming veio para ficar mesmo e chego a seguinte conclusão de que a TV aberta brasileira é como "águas passadas". Ninguém se preparou para mudanças, muito pelo contrário, a relutância tornou-se corporativa. O que se vê é uma TV aberta assumidamente gananciosa, teimosa e discriminatória. Todo aquele resquício de que tudo era permitido nos anos 90 virou uma sequela indelével, uma ferida aberta que jamais se cicatrizará. Sinceramente, do fundo do coração, minha vontade é de desistir, aliás, já desisti há muito tempo da TV aberta, já não mais a assisto há mais de 10 anos.

Bem que o sinal aberto da TV Globo podia perfeitamente ser desligado para sempre e voltar suas atenções exclusivamente para o Globoplay, afinal, o streaming anda gerando mais lucros do que a já "lacrada" TV aberta. Escrevo "lacrada" porque as restrições de publicidade praticamente inviabilizou as emissoras de se sustentarem com o dinheiro de anunciantes e se encaminham automaticamente para as mais gradativas e inesperadas dificuldades financeiras. Não se pode mais veicular, por exemplo, um comercial de guloseima açucarada no horário nobre, mas de cerveja no futebol da tarde, pode. Isso tá errado. Como é que anunciarão se não há quem transmita?

Sem legislação para tal e sem ninguém a levantar a voz para defender sua privatização e encaminhá-la para um futuro seguro é caminhar para a perdição eterna. É pedir também pra desligar os transmissores e sair do ar, graças àquele excesso inflamado de orgulho. As outras TVs, em nenhum momento, inovaram. Alegando "mercadologia" e "tendencialismo", vivem a repetir a mesma fórmula umas das outras para conseguir migalhas de audiência, acomodadas que só, sob pretexto de se fazer TV para o "povão". O foco, na verdade, é o telespectador flutuante, que existe a granel, que não é fiel a nada e perdeu a lucidez e a inteligência de poder escolher um programa sem compromisso para assistir. E o resultado está aí: a cada ano que passa vemos uma TV aberta cada vez mais vulgar, sempre indo de mal a pior.

Os chamados "novos tempos" não prestam mais para aquele triunvirato que compõem a mais duvidosa e birrenta joint-venture que o Brasil já conheceu, o Simba Content (SBT/Record/Rede TV!). Seria melhor se essas três redes, que moldaram até certo ponto a TV brasileira nesses últimos tempos, deixassem de existir, pois não estão acrescentando (e não vão mais acrescentar) mais nada na TV de hoje em dia. A forma em que essas emissoras pararam no tempo há mais de 20 anos, tratam o tema "digitalização" como "ameaça" a seus supostos poderios. Mas quanta besteira. Para eles, o futuro da TV se resume exclusivamente em fofocas de artistas concorrentes, assistencialismo barato, violência banalizada, falso-moralismo de superstars carismáticos e sensacionalismo fabricado.

Como comentei certa feita, o streaming representa democracia e a TV aberta a escravidão. Gostaria que neste novo ano que estamos entrando, sigam este meu conselho: DESISTAM DA TV ABERTA E ASSINEM LOGO UM STREAMING. Todos sabem que o Netflix é o número 1 e ainda vai liderar o ramo por muitos e muitos anos, pelo fato de sempre inovar em tecnologia e conteúdos diversificados. O Prime sai na frente na sua impressionante cobertura esportiva e eventos em tempo real. O Max (resultado da sinergia entre Warner, HBO, Discovery e TNT) vem emergindo e ameaçando com um catálogo bem variado, enquanto que o Disney+ vem pecando na saturada "lacração" de seus importantes conteúdos devido ao entendimento distorcido de "inclusão social", entendedores entenderão. Se a Globo deixar a TV aberta e se concentrar definitivamente no streaming, veremos no Brasil uma briga de foice entre Globoplay e Netflix. Os "órfãos" da Globo aberta irão imediatamente aderir a um plano mais barato que a fará fatalmente ultrapassar a gigante norte-americana em numero de assinantes.

Por outro lado, o Netflix terá que investir ainda mais em conteúdos brasileiros, se é que quer continuar a ter mais assinantes que o seu concorrente verde-amarelo. E mais, se um dia resolver competir com o Prime pelos direitos de transmissão dos campeonatos de futebol e entrar pra valer no ramo dos esportes, adeus Première (pay-per-view é coisa de velho). A transmissão da noitada de boxe que culminou com o combate entre Jake Paul e Mike Tyson em 15 de novembro, foi uma amostra grátis do que o Netflix pode ser capaz nesse tipo de cobertura. Existe um outro streaming aqui no Brasil, bem desconhecido do grande público chamado Looke e possui uma curiosa e interessante infinidade de longas-metragens em seu catálogo. Principalmente aqueles filmes bem antigos, incluindo alguns brasileiros dos anos 50 e 60, mas a falta de marketing e de apelo comercial, tornou-se um "oxigênio" da mídia: está no ar, mas ninguém vê. Se algum gigante brasileiro da comunicação pudesse adquiri-la...

Voltando a situação das TV abertas, se focalizarmos detalhadamente cada integrante do Simba, se o Satânico Dr. Macedo morrer amanhã, acabou a Record TV e a igreja dele. Quem ousaria a comprar uma emissora consumida e influenciada pelo empoderamento e autossuficiência evangélico(a) que um dia sonhara em monopolizar o Brasil através do suspeitoso ponto-de-vista dos preceitos divinos de uma controversa "placa de igreja"? Em quase 30 anos, conseguiram fazer a cabeça de toda a classe política brasileira, sem ideologia alguma porque, pra essa bispaiada, o que importa acima de tudo é o dinheiro, a mamata em primeiro lugar. Se a Globo um dia migrar em definitivo para o streaming, a euforia da Record aberta em conseguir o tão almejado "caminho da liderança" vai durar pouco pelos motivos já mencionados linhas cima.

Lembram daquele diálogo do Seu Madruga com o Chaves quando se sentia mal? Ele chegou a dizer "Mas hoje de manhã eu estava me sentindo tão bem" e o garoto do barril replicou "Foi a mesma coisa que disse a senhora da casa ao lado antes de morrer". Ironicamente, este é o retrato do SBT, que mesmo após o falecimento de seu idolatrado proprietário em 17 de agosto, ainda aposta no fã-clubismo crônico pela alma do "Patrão", que se estende principalmente a essa mídia babona (e enlutada, diga-se de passagem), para se colocar na posição de "A Primeira Bolacha do Pacote". Nem o Chaves vai salvar o SBT e tampouco fazê-la voltar a amedrontar a Globo, muito pelo contrário, continuará sendo motivo de chacota no circuito televisivo por estar fora da realidade, é como estar na "Terra do Nunca da Televisão". Esse +SBT pra mim, não passa de um clube particular para machistas nerds mimados onde só postam aquilo que lhes interessam, pois pra eles, a vida é um eterno programa de auditório. Um tremendo desperdício com a própria memória, não acham? Será que o Sr. Carlos Roberto Massa estaria disposto a gastar seus preciosos "cascalhos" e comprar o SBT? Ou ele sucedeu ao cargo de "Papai Pão Duro"?

Já a Rede TV!, que completou bodas de prata para a alegria dessas fanbases babonas (em sua maioria menores de 18 anos) que festejam por nada por acontecimentos meramente irrelevantes da nossa pobre TV feito marmanjos que vibram de alegria quando ganham uma barra de chocolate, convencionou-se de fato num grande erro estratégico/empresarial desde seu nascimento. A ganância é sua palavra de ordem e não acrescentou em nada na história, pelo contrário, roubou IBOPE das concorrentes às custas delas mesmas e esse foi seu principal sustento com programas de conteúdo extremamente duvidoso. Para a "dupla sertaneja" Marcelo & Amílcare, o Dom Quixote e Sancho Pança da TV brasileira, um conselho contundente: DEVOLVAM AS CONCESSÕES AO HAMILTON LUCAS DE OLIVEIRA E VIREM UMA WEB-TV, SEGUINDO O EXEMPLO DO CANAL UOL.

Nesse panorama todo, chego a conclusão de que o streaming é mil vezes melhor que a tal TV 3.0 graças a descarada falta de cultura de tecnologia do nosso país. Mas posso abrir uma exceção com o trabalho pioneiro que a Samsung vem desenvolvendo e que descobri recentemente: a Samsung TV Plus que disponibiliza gratuitamente em seus mais recentes modelos de Smart-TV quase 100 canais fast para todos os gostos, exibindo conteúdos em sessões corridas (tirando os de notícias/esportes em tempo real)! Tal como Malhação, Masterchef Brasil, DPA, Teletubbies, Turma da Mônica, Naruto, FIFA, Bob Esponja, Icarly, Mr. Bean, A Escrava Isaura, Sony One, entre outros. Pra quem gosta de TV de verdade como eu e sem preferência por 'A' ou 'B', essa Samsung TV Plus é um prato cheio e meio que "salvou a pátria" da televisão, ganhando muitos adeptos atualmente, só basta ter sinal de internet, login e pronto. Quem sabe um dia as séries de Chespirito, o comentadíssimo +Saudade do SBT e os jogos antigos das competições CBF entram nesse catálogo fast. Esse pode ser o futuro das web-TVs (o Canal UOL e o CazéTV, por exemplo, estão lá também!).

Pra terminar, eu penso muito nas pessoas de baixo poder aquisitivo que não possuem as mínimas condições em ter um conversor digital (por mais pirata ou vagabundo que seja) ou um desses aparelhos sofisticados para assistir nem que seja de graça esses pluralismo audiovisual. Qualquer fabricante de eletrodomésticos (alô Apple, a mais venerada de todas) deveria fazer um projeto de inclusão digital aqui no Brasil para permitir aos mais "pobres" a terem as noções básicas de se forjar uma cultura digital no dia-a-dia, não apenas nos smart-phones da vida, mas num Smart-TV, num Tablet ou até num PC (laptop/notebook). Assim, os mais velhos que estão chegando na casa dos 60 anos abandonem de vez esse modo de vida sedentário e morfético de ficarem o dia todo plantados no sofá, sem comer, sem beber e sem ir ao banheiro, e aguentando os desaforos de uma única estação de TV aberta tão vazia quanto mercenária (tanto em dinheiro quanto em pontos de audiência) das 10 da manhã a meia-noite e entrem de cabeça nesse processo de digitalização popular.

Portanto, viva a liberdade de escolha! Chega de monopólios! O público merece algo melhor! O Gian Carlos do blog TVer ou Não TVer, que está brincando de televisão (no bom sentido da palavra), que o diga!

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PS: Se vocês não gostaram, não sejam sádicos comigo, me cancelem!

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

OPINIÃO: O Estado Vegetativo da Primma Donna de 74 Anos


Atenção! Uma senhora que acaba de completar 74 anos nesta quarta-feira, está internada há um tempo bastante desconhecido e seu estado atual é vegetativo, pra não dizer "terminal". O que se sabe é que sofrera morte cerebral pouco após a pandemia da Covid-19, mas continua inexplicavelmente viva, entretanto continuará dando muito trabalho caso ninguém se disponha a estender a mão e ajudá-la. Os familiares se dividem: uns defendem a prática da eutanásia, mas outros, que possuem bastante influência, optam (e determinam) que fique assim desse jeito, esperando por um milagre que nunca vem e que jamais virá para ressuscitá-la entre os mortos.


Para termos a noção do que aconteceu, vamos voltar no tempo, exatamente quando ela nasceu, em 1950. Seu padrinho era um homem excêntrico e astuto, mas incrivelmente visionário com o potencial que as comunicações poderiam desempenhar numa nação subdesenvolvida como a nossa. Era Assis Chateaubriand. Assim que ela nasceu, o empresário proclamou em alto e bom som que seria "o mais subversivo meio de comunicação do Brasil". Pois é, da subversão, encaminhou-se para a vulgaridade de tanto a crítica cobrar dela o fato de se igualar ao público e acabar com seu "complexo de superioridade". Só que ela não deu conta do recado.


No seu período de infância, muitas pessoas começaram a aprender a lidar com ela, um início bastante amador e um tanto elitista. Se dizem por aí que "um jornalista se forma na redação", a partir daí podemos afirmar que um radialista (e um artista) se forma(m) no estúdio. Afinal, profissionais do rádio foram os primeiros a chegar, seguido pelos veteranos do teatro, até que se chegasse aos frutos da senhora em questão. Do aprendizado, logo chegou a adolescência e viu que estava se tornando tão popular quanto o rádio, já que o custo de suas unidades estavam diminuindo para que o mais humilde dos habitantes pudesse tê-la em sua casa.


Começou-se a criar um novo hábito, de pessoas que voltavam do trabalho de tardezinha para chegar em casa e relaxar diante da mais nova eleita "rainha do lar" por essa gente. Foi na puberdade que criaram-se formatos mais populares numa bem sucedida tentativa dela se aproximar do povo, podia ser num concurso de prêmios ou até para contar histórias dramáticas em capítulos diários. Até que um belo dia, um monte de calouros a usufruiu para encontrar o caminho da fama, seja cantando, dançando ou representando. O que fez essa senhora entrar na vanguarda da descoberta de novos talentos, só que muitos tentaram e poucos conseguiram.


Quando entrou na maioridade, partiu pra natural desobediência a seus superiores, bancando ser a dona do próprio nariz. Foi aí que seu relacionamento com Roberto Marinho se fortaleceu. Aliás, um casamento bastante possessivo, repleto de cenas de ciúme, dignos de capítulos de novela. Novela que àquela altura tornou-se um vício incontrolável, uma droga difícil de ser recusada e desintoxicada. Muito embora, a sua liberdade criativa era vigiada a todo tempo, pois certos "soldados" a serviço de seus próprios interesses patrulhavam aquilo que, se por um lado, alegava ser "arte", por outro, era interpretada como mera "subversão".


Logo então, atingiu a maturidade. O crepe das proibições aos poucos se cessavam. Ela então descobriu um novo mundo onde tudo era permitido e que a única proibição era o simples exercício do bom senso. Passou a ser tão disputada quanto medalha olímpica e a Copa do Mundo. Quem tivesse mais garrafa pra vender, atingia o topo da montanha, não importando horário, conteúdo ou tipo de público. Tornou-se amante de Silvio Santos e, se as mulheres eram a maioria para elegê-la em sua predileção pessoal, os homens, como prova de demonstração em ser a classe dominante, passaram a disputar a sua preferência com pé de igualdade.


Perto da meia-idade, não demorou para entrar numa crise de identidade, mas que poderia ser perfeitamente uma crise existencial. Se ela foi feita inicialmente para entreter, divertir, informar e ensinar, não havia a mínima razão para ela se tornar um instrumento de vulgarização da banalidade, quebrando assim o respeito para com seu semelhante, independentemente de idade e classe social. Resolveu ficar nua e crua o tempo todo para que ela continue sendo cada vez mais desejada. Os mais críticos, os mais exigentes, os mais autoritários e os mais hierárquicos ficavam escandalizados por pouca coisa daquela que perdera o juízo.


Depois, atingiu a terceira idade e foi na "onda", seguindo o velho e conhecido ditado: "Onde passa boi, passa boiada". Converteu-se ao evangelho sob pretexto de superar problemas financeiros. Edir Macedo se tornou seu guia espiritual nº 1 e logo percebera as mancadas que cometera no passado. Com o diagnóstico inicial de mente senil, passou a se locomover com dois tipos de muletas, a das igrejas evangélicas e a das verbas governamentais. Sua visível perca de lucidez e a falta de cultura de tecnologia, fez se focar cada vez mais a turma das camadas muito baixas da sociedade que jamais conheceu uma sala de aula, isto é, a miséria total.


As tecnologias foram se evoluindo rapidamente a ponto de não dar conta, mas muito malvistas por ela, alegando o risco de perder sua influência perante a população. Seu déficit de popularidade era transparecido e era também um paradoxo pois teve que recorrer às próprias mídias digitais para se manter soberana para sempre. Mas veio a pandemia da Covid, negou sua existência, foi muito atingida e daí por diante nunca mais se recuperou por pura teimosia. A dita Revolução Digital foi até rápida demais, impulsionada pelo lock-down e aí, ela não esperava o tremendo baque que a deixaria debilitada desde então.


Lógico que ela teve tórridos romances (só pra citar alguns) com Mário Wallace Simonsen, Victor Costa, Paulo Machado de Carvalho, João Saad, Pipa Amaral, Adolpho Bloch, José Carlos Martinez e até um histriônico caso de poligamia com Marcelo de Carvalho e Amilcare Dallewo. A fila anda até hoje com uma infindável lista de namorados, que vai de políticos a líderes religiosos. Num antro de ganância, ficou mimada com o passar dos anos. E porque até agora nenhuma voz influente se levantou para declará-la independente? Uma palavrinha de seis letras e três sílabas resume por si só seu encaminhamento rumo a inevitável decadência: MAMATA.


É de dar pena. Como podemos dar os parabéns a uma senhora tão doente quanto teimosa, que prefere não mexer no seu passado (seja ele bom ou mau) para continuar atuando num robotizado círculo vicioso, que inclui também a obsessão pela numerologia, que a levou a optar pela quantidade do que pela qualidade. Há uma frase no documentário uruguaio Mundialito (que recomendo) que diz o seguinte: "Quem prefere esquecer o passado, está condenado a repeti-lo". Este conselho vale para todos que estão relacionados a ela e que não vivem sem ela. E afinal, quem é essa "primma donna" aniversariante do dia? Ora... é a TELEVISÃO BRASILEIRA!

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terça-feira, 30 de abril de 2024

HISTÓRIA: Cidade Contra Cidade - 56 Anos


Eu fiquei emocionado
Naquele domingo à tarde
Quando assisti ao programa
Cidade Contra Cidade (...)

Carlos Cezar, José Fortuna e Valentino Guzzo

Nessas minhas fuçadas pelas mais remotas grades de programação da TV brasileira a serem futuramente publicadas neste despretensioso blog, um específico programa no qual tenho lembranças muito vagas surgiu nas minhas retinas e, pelo que pude observar, sua história é bem rica e profunda e merecia não só uma postagem, mas um almanaque inteiro! Esse programa de TV que não existe mais (e bem que merece um revival) estaria completando 56 anos! É aquela competição que envolvia duas cidades e mostrava o que cada uma tinha de melhor valor para milhões de pessoas em todo o país, tornando-as conhecidas a ponto de revelar importantes personagens tanto em frente quanto por trás das câmeras! E tendo como fontes possíveis e acessíveis de pesquisa a Hemeroteca Digital Brasileira, o site Tudo Sobre TV, os blogs Tudo isso é TV, Amiga e Novelas e Revista Melodias, o ISSUU de Roberto Toledo, o blog do Valmir Guedes, o peruano Kester da comunidade social Colectomania, a ajuda do Kleber Nunes do blog TV em Brasília e o próprio YouTube, apresento a vocês a história do Cidade Contra Cidade!

Origens

O programa que teria originado o CxC veio dos Estados Unidos, certo? Errado! Esse tipo de programa de competição entre municípios surgiu na Itália. Em 5 de novembro de 1959 entrou no ar aquele que foi o primeiro programa de TV nesse formato, envolvendo duas equipes jogando entre si: Campanile Sera. Exibido nas noites de quinta-feira através da RAI, emissora estatal italiana, tinha duração de 60 minutos e foi o exemplo inicial televisivo de que se tem notícia de "game show", permitindo assim a participação tanto dos que estavam presentes no estúdio quanto dos que estavam acompanhando em casa.

Slide do programa "Campanile Sera" da RAI / Google Images

Toda semana, uma cidade do norte italiano e uma outra do sul do país se enfrentavam numa verdadeira olimpíada que juntava provas de resistência física com desafios à inteligência. O objetivo era apresentar ao público o cotidiano das aldeias e vilas italianas de acordo com sua cultura, produtividade, economia, linguagem, artes, origens e principalmente sua localização geográfica, fazendo com que o programa fosse o mais perfeito meio de promoção turística para esses municípios. Até então, os povos setentrionais e meridionais da Itália eram muito distantes uns dos outros e o programa permitiu que o italiano conhecesse melhor sua multicultural nação. Antes de cada episódio, era emitido um filme no estilo "cinejornal" mostrando os aspectos dos dois participantes.

Cena da prova decisiva do "Campanile Sera" / Google Images

Surgida de um programa de rádio, Campanile Sera tornou-se um grande sucesso num novato veículo de comunicação que estava sendo introduzido na Itália desde 1954, a televisão, tendo audiência média de 11 milhões de telespectadores e produzida até 30 de novembro de 1961 após a realização de 104 confrontos, porém, só saiu do ar a 2 de outubro de 1962 devido a uma avalanche de reapresentações. Naquele mesmo 1962, Campanile Sera mudou de canal, ou melhor, mudou de país. Seu formato migrou-se para a França e através da TV estatal ORTF surgiu o programa Intervilles, que permaneceu no ar por impressionantes 51 anos, sendo esta uma competição exclusivamente atlética, abolindo assim os quadros de perguntas e respostas, e que, mais tarde, permitiu a participação dos povoados de toda a Europa, possibilitando a integração do continente por meio da Eurovision. Na Alemanha Ocidental, por exemplo, essas eliminatórias internas se chamavam Spiel Ohne Grenzen, mas fora rebatizada em 1967 pela TransTel, uma produtora de conteúdos instrutivos subsidiária da rede estatal WRD, de Tele-Match, sendo distribuído para todo mundo, dublado em quatro idiomas e exibido durante 17 anos, sendo esta a versão mais conhecida mundo afora do Intervilles.

Prova do "Spiel Ohne Grenzen", que ganhou o mundo rebatizado de "Tele-Match" / Google Images

Nascimento

No Brasil, esse tipo de gincana chegou em 1968 através do Programa Silvio Santos, cujo balão de ensaio teria sido um quadro chamado Partida de Cem, exibido aos domingos pela TV Paulista (atual Rede Globo) em meados dos anos 60 (não tenho a data precisa), meio que exclusivo do Baú da Felicidade. Em cima desse quadro, o formato foi se aperfeiçoando a ponto de surgir o primeiro programa de TV do Brasil de competição citadina. CxC teria nascido após Silvio Santos voltar de um estágio de 40 dias que fez na rede norte-americana NBC em outubro daquele "ano que não terminou" e isso pode ser uma pista pela busca da data oficial de estreia. E mais, a TV Tupi de São Paulo estava modificando sua programação e Silvio alugava as tardes de sábado (isso mesmo que você acabou de ler) para apresentar os suplementos de sua atração dominical que, até então, quase ninguém dava bola. Quem reinava absoluto nas "jovens tardes de domingo" era a Jovem Guarda de Roberto Carlos e cia. Então, a Tupi ofereceu a Abravanel o aluguel de programação nas noites de sexta-feira para "matar dois coelhos com uma cajadada só" e foi aí que nasceu o CxC.

Anúncio do CxC através do potencial comercial da TV Tupi / Blog Amiga e Novelas

Não há, repito, um registro preciso da data do primeiro programa, até porque a forma de divulgação da programação que as emissoras distribuíam a jornais e revistas na época era muito malfeita. Por isso que nas programações de sexta-feira da TV Tupi em 1968 se vê na casa das 21 horas a simples denominação "Programa Silvio Santos", mas foi somente em 1969 que foi feita a alteração para "Cidade Contra Cidade", até porque sua duração ocupava toda aquela faixa noturna, variando de 3 a 4 horas. Só que no auge do sucesso, o programa chegou a ter mais de 5 a 6 horas de duração, começando a partir das 21 horas e terminava varando as 3 da madrugada, com breve interrupção à meia-noite para um noticioso de 15 minutos chamado Diário de São Paulo na TV. Foi justamente esse programa que impulsionou a carreira de Silvio Santos como apresentador de TV ou, como ele próprio se referia, "animador de auditório". Até então, a única referência nesse estilo de apresentadores que rompiam a barreira do formalismo de "mestre-de-cerimônias" era o Chacrinha com seu estilo carnavalesco e circense. Silvio, que já estava no ar desde 1961, era um vendedor boa pinta e galanteador com ares de malícia, até porque ele próprio fazia questão de anunciar e promover em verso e prosa todas as vantagens de seu empreendimento maior, o Carnê do Baú da Felicidade.

Prova de beleza entre Araraquara e São José do Rio Preto / ISSUU de Roberto Toledo

Inicialmente, era transmitido ao vivo do acanhado estúdio-plateia da TV Tupi no bairro paulistano do Sumaré, até mudar de endereço. Em 26 de abril de 1969, a emissora pioneira compra o Cine Monark e o transforma no moderníssimo Teatro Tupi, localizado na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, 884, Bela Vista, para os shows musicais e de entretenimento. Tinha 840 lugares nivelados e estofados em couro bordô (divididos em oito fileiras de 150 cada), teto metálico com cerca de 100 refletores e focos de luz, três setores técnicos (iluminação, áudio e switcher) interligados no balcão superior, quatro câmeras valvuladas, seis microfones aéreos supersensíveis, um moderno sistema de exaustores de ar, palco de 14 por 16 metros, saguão retangular na entrada, sala de espera no subsolo, seis camarins com toilletes, sala de maquiagem para dois lugares e seis caixas acústicas nas paredes da boca do palco. O evento de inauguração foi a apresentação da cantora italiana Gigliola Cinquetti.

Gigliola Cinquetti, piú bella ragazza / Blog Amiga e Novelas

O objetivo do programa era não ser apenas uma mera competição entre municípios, era unir cultura, diversão e solidariedade, sem esquecer o fator promocional que os ajudavam a ter divulgação via televisão, se tornar muito conhecidos do grande público do que apenas no "ouvir falar" e assim poder derrubar as barreiras dos estereótipos. Toda semana, duas cidades diferentes se enfrentavam, tinham 10 tarefas para cumprir e algumas delas submetidas ao julgamento de um corpo de jurados composto por quatro convidados especiais e também a um recurso importado (de fato) dos Estados Unidos, o palmômetro, sendo a única exigência em todas as provas era de que os participantes sejam nascidos na cidade em que estavam representando. O ponto alto da disputa era a arrecadação que cada cidade fazia em prol da Santa Casa de Misericórdia do adversário, em que cada habitante doava uma quantia mínima de NCr$ 100 e a depositava num envelope. Ao final das 10 tarefas, quem conseguisse acumular mais pontos vencia o programa. O prêmio era uma ambulância super equipada para a Santa Casa de Misericórdia da cidade vencedora.

Prova da arrecadação entre Campos do Jordão e Aparecida do Norte / Blog Amiga e Novelas

Com produção e direção de Luciano Callegari, o programa estava meio que a mercê das excentricidades ingênuas de Silvio Santos, que toda semana inventava uma série de coisas às cidades competidoras, a ponto de mudá-las na última hora e talvez provocando, propositalmente ou não, uma certa "desorganização" por parte da própria equipe responsável pelo programa. Nesses casos, algumas cidades se sentiam prejudicadas e/ou injustiçadas. Mas polêmicas à parte, CxC chegava a ter uma audiência superior que a do próprio Programa Silvio Santos (que girava em torno de 35% na época) por um único motivo: a TV Tupi contava com uma poderosa rede de retransmissoras espalhadas por todo o estado de São Paulo e seu sinal alcançava o sul de Minas Gerais, o sul do Mato Grosso (quando era um estado só) e o norte do Paraná, enquanto que a TV Paulista (já adquirida pelas Organizações Globo) contava apenas com uma estação repetidora em Santos e uma pequena geradora em Bauru. Em 10 de outubro de 1969, segundo dados oficiais do IBOPE, atingiu a impressionante marca de 43% de audiência na disputa entre São Caetano do Sul e Nova Granada, superando os 41,4% da transmissão da missão Apollo XI à Lua, ocorrida a 20 de julho do mesmo ano. Porém, em 25 de julho, dias depois da conquista da Lua, o duelo entre Amparo e Ouro Fino rendeu ao programa o parelho e estratosférico índice de 40,4% segundo o IBOPE paulista. O fato fez com que o CxC se tornasse um grande sucesso de crítica e público, possuindo assim (segundo a análise da imprensa na época) bom nível acessível e cultural, podendo-se obter excelentes informações, além de ser variado e muito divertido. Com todos esses atributos, CxC foi agraciado com o Troféu Imprensa de Melhor Programa de TV de 1969, quando a premiação ainda era feita pela revista São Paulo na TV.

Boletim do IBOPE comprovando a audiência fenomenal do CxC / Cidade de Santos - HDB

Organização

Para que uma cidade pudesse participar do programa e mostrar seus valores, precisava então montar e eleger uma comissão local composta pelo(a) presidente, vice-presidente, secretaria e tesouraria para entrar em contato com a equipe de produção, obter a inscrição e entrar na fila de espera para enfim ser selecionado e entrar na competição. No auge, o CxC chegou a contar com uma lista de 130 inscritos, sendo que cerca de 60 dessas cidades saíram vitoriosas. O prazo de preparação era de dois meses e as 10 tarefas mais comuns nessa "fase clássica" que cada equipe recebia eram essas:

- Trazer um radialista local para fazer os agradecimentos, anunciar as tarefas cumpridas e participar da prova final
- Trazer um grupo local para uma apresentação de tema livre com duração máxima de 5 minutos
- Trazer duas atrações musicais locais (seja cantor, cantora, dupla ou banda) para a Prova de Música
- Doar a maior quantia possível de dinheiro à Santa Casa da cidade contrária para a Prova de Arrecadação
- Trazer duas curiosidades interessantes para serem apresentadas na Prova da Curiosidade
- Trazer dois jogadores locais de futebol, o goleiro e o "melhor artilheiro", para a Prova dos Pênaltis, sendo três tentativas
- Trazer quatro pessoas e apresentar um desfile com tema estabelecido pelo programa para a Prova do Desfile
- Trazer três misses trajando maiô para a Prova de Beleza, sendo uma loira, uma morena e uma mulata/afrodescendente
- Trazer um universitário ou intelectual para a prova do Responda ou Passe, com perguntas de conhecimento geral*
- Trazer uma universitária para auxiliar o radialista de sua respectiva cidade para a prova final, o Jogo de Palavras: cada um escrevia uma lista de 15 palavras de acordo com um tema sorteado no programa, quem conseguisse mais coincidências de palavras, tinha vantagem a um envelope especial que podia valer de 1 a 10 pontos, sem antes a universitária adivinhar uma palavra num dos cinco envelopes que era escolhido pelo radialista. No caso de empate, os pontos valiam em dobro.

* Esse quadro, de fato, era uma cópia adaptada do game-show norte-americano Jeopardy (depois reaproveitada no quadro Só Compra Quem Tem), e os temas das perguntas eram: Política, Música, História do Brasil, Futebol, Geografia e Cinema. Haviam duas interrogações escondidas e o participante podia apostar até 50 pontos pela resposta certa. A pergunta final era exclusivo para o participante que passar duas vezes a seu oponente, podendo apostar até 200 pontos.

Cenas do embate entre Santos e Bauru em 12/09/1969 / Blog Revista Melodias e Cidade de Santos - HDB

Cada cidade tinha suas muitas formas de arrecadação de dinheiro para a Santa Casa como, por exemplo, pedágios, feiras e paradas pelos bairros, venda de selos comemorativos, camisetas com motivos do programa e decalques de plástico, banquetes e bailes nos principais colégios, universidades e Clubs Society, eventos esportivos e até leilões de artesanato, mobilizando assim toda a comunidade. As localidades tinham direito de receber 250 convites para compor a plateia do programa, tendo a disposição uma frota de 15 ônibus para transportar a torcida e os participantes, sendo todos sustentados à base de sandubas e refri durante o longo trajeto (imaginem as longas horas de viagem em meio as estradas de terra num tempo em que ainda não existiam rodovias e estradas vicinais devidamente asfaltadas).

Agora um desafio aos seguidores do blog: Onde Está o Roque? / Ouro Fino na Web

Em abril de 1970, houve uma ligeira mudança no formato do programa onde apenas uma cidade por vez aparecia semanalmente para mostrar suas atrações e executar as tarefas, extinguindo a competição, com o intuito de acumular o maior número de pontos possível e ter a torcida apenas como um incentivo. Quem terminasse em primeiro lugar na classificação geral, a cidade vencedora ganharia a construção de uma creche ou um ambulatório (não sei ao certo). E ao invés da arrecadação de dinheiro para a Santa Casa de Misericórdia, a iniciativa solidária passou a ser uma campanha de doação de livros para as Bibliotecas Municipais. Bem que poderiam utilizar o programa para estimular as cidades a entrarem na Campanha do Agasalho no meio daquele ano, mas não houve tempo. Devido a uma sensível queda de audiência e prestígio, o CxC em sua primeira e clássica fase saiu do ar em 26 de junho daquele ano. Nesse formato esquisito, Uberaba foi a grande campeã acumulando 442 pontos.

Participação de Tanabi enfrentando Campo Belo e Três Pontas / Canal Sax Eu - YT

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CxC não era exclusividade de Silvio Santos, o programa teve uma porção de versões espalhadas em diversas emissoras pelo Brasil. Temos que lembrar que até a década de 70, a televisão ainda não tinha esse conceito de rede, tudo que era feito tinha alcance estritamente local, mas graças aos avanços proporcionados pela EMBRATEL, permitia a união entre estados vizinhos e suas divisas. Em 1969, por exemplo, a TV Paraná, então pertencente aos Diários Associados, contava com retransmissores em Santa Catarina, pois aquele estado ainda carecia de uma emissora própria, e criou o programa O Grande Desafio que permitia a competição entre uma cidade paranaense e outra catarinense. No mesmo ano, as TVs Tupi de São Paulo e do Rio de Janeiro, apesar de inimigas, se uniram para "reforçar" a rivalidade entre as duas maiores metrópoles brasileiras num programa chamado Paulistas e Cariocas, o primeiro transmitido simultaneamente para as duas capitais e era comandado por Walter Forster em São Paulo e Murilo Néri no Rio.

Anúncio do programa "Paulistas e Cariocas" da TV Tupi / Diário da Noite - HDB

Em 1971, a TV Itacolomi de Belo Horizonte, então líder de audiência, fez uma versão similar do CxC exclusivo para municípios de Minas Gerais que nunca tiveram chance no programa realizado em São Paulo. A gincana se chamava Mineiros Frente a Frente e tinha a apresentação do locutor esportivo Fernando Sasso, cuja seleção das cidades que se confrontariam era feita por sorteio. Depois, Flávio Cavalcanti em seu programa na Rede Tupi, tinha um quadro similar chamado "Turma da Pesada" em que um grupo carioca e outro paulista cumpriam as tarefas estabelecidas pelo apresentador ao longo da semana (mais tarde substituído por um inusitado duelo entre loiras e morenas). A competição entre cidades também era feita na TV Iguaçu de Curitiba em um quadro do Programa Mário Vendramel, assim como existia um programa próprio na TV Itapoan de Salvador, esta já como afiliada do SBT. Em meados dos anos 70, a TV Rio Preto também tinha um programa dessa espécie que reunia os municípios da região de São José do Rio Preto intitulado Cidades Frente a Frente (mesmo nome que intitulava um programa similar na TV Gaúcha, atual RBS TV). Até a Rede Bandeirantes em seus primórdios criou dois programas semelhantes que tinham o comando, respectivamente, dos disc-jóqueis Luiz Aguiar e Barros de Alencar: Colégio Contra Colégio e Campeonato dos Bairros.

Fernando Sasso, o locutor esportivo que dizia "Tá no filó!" / O Cruzeiro - HDB

Em 2005, a mesma Band firmou parceria com a Mesquita/JPO Produções na tentativa de relançar a competição entre municípios depois de oito meses de muitos preparativos. O programa se chamava Cidade Nota Dez e era exibido aos domingos à tarde com uma hora e meia de duração sob o comando de Otávio Mesquita e mais dois co-apresentadores, sendo cada um apoiando uma cidade diferente: Felipe Aukai e Silvinha Francheschi, ex-assistente de palco de Gugu Liberato. Com direção de Andrea Brandão e no formato de eliminatória simples, a disputa contou com a participação de 16 cidades, todas paulistas, indicando três instituições de caridade que gostariam de ajudar enquanto passavam de fase. O prêmio era uma doação de R$ 5 mil para tal entidade e as provas tinham caráter beneficente além de variáveis, o que criava um clima de desafio permanente, além de contar com um júri formado por três personalidades da mídia. Algumas dessas provas eram realizadas nos próprios municípios ao ar livre. Na estreia, em 7 de agosto, o primeiro duelo foi entre Mogi das Cruzes e Taubaté, mas a cidade campeã foi Santo André, derrotando Campinas na final de 13 de novembro, faturando o grande prêmio de R$ 15 mil. Sem a mesma repercussão de antes, talvez por causa dos modestos recursos que a emissora dispunha (e que atravessava um momento difícil), Cidade Nota Dez durou apenas uma temporada de 15 programas.

Eis o único registro encontrado do "Cidade Nota Dez" da Band / Canal Paulo Sérgio - YT

Não podemos esquecer também de uma versão bem interessante do CxC produzido pelo SBT, mas com a participação de comunidades estrangeiras firmadas no Brasil. Quem não se lembra do programa Nações Unidas? A partir de 12 de abril de 1992, a gincana comandada por Gugu Liberato e dirigida por Homero Salles reuniu 16 países divididos em 4 grupos. Na primeira fase, as comunidades que se enfrentariam aos domingos propunham três desafios entre si, sem contar as provas fixas, algumas delas reaproveitadas do CxC como Personagem Oculto, Sacos de Ouro, Muro da Perseguição e Palavra-Chave. Ao final da primeira fase, classificaram-se oito países para serem reagrupados em duas novas chaves e da segunda fase adiante, novas provas foram criadas como Prova da Descendência, Abordagem dos Barcos, Telefone Gigante, Rampa da Meleca, Jogo da Memória e Pergunta Final, permitindo com que os representantes de cada equipe apostassem de 1 a 3 pontos antes de cada prova. Após passarem pelas semifinais, Japão e Suíça fizeram a grande final em 10 de janeiro de 1993. Nações Unidas, cujo formato foi retirado da versão espanhola do Intervilles denominado Juegos Sin Fronteras (a eliminatória local que classificava uma equipe para a disputa geral europeia representando a Espanha), conquistou milagrosamente as classes altas para a programação dominical do SBT, obtendo médias de 17 pontos de audiência. Após uma única temporada de 39 programas, a comunidade japonesa de Maringá-PR, foi a grande vencedora, cujo prêmio foi um ônibus Mercedes-Benz de U$ 250 mil equipado com videocassete e ar-condicionado, mais cinco passagens de avião (naturalmente para o Japão) e uma antena parabólica da marca Santa Rita.

"Nações Unidas" era uma versão do CxC para comunidade estrangeiras / Tudo Sobre TV

Retorno

Após um ano de planejamento, CxC reestreou em 16 de outubro de 1977. Àquela altura, Silvio Santos tinha deixado a Rede Globo, conseguiu a concessão do canal 11 do Rio de Janeiro, tornou-se sócio de Paulo Machado de Carvalho e alugou cerca de nove horas de programação dominical na Rede Tupi. A sede da competição citadina passou a ser um cinema adaptado para se tornar o Teatro Manoel de Nóbrega, localizado na Rua Cotoxó, 1.021, entre os bairros de Perdizes e Pompeia. Arrendado por 10 anos, o local era uma estrutura de três andares e considerado o mais moderno auditório da TV brasileira até então. Com custo de Cr$ 8 milhões na época, o teatro contava com 500 lugares, cinco câmeras, cinco aparelhos de vídeo-tape, moderno sistema de controle técnico de áudio, vídeo e iluminação, dez microfones sem fio e o maior palco de um estúdio de TV da época com 58 metros de fundo por 28 de boca. Próximos ao local, foram alugados três sobrados para os trabalhos da equipe de produção e da parte administrativa, mobilizando mais de 300 pessoas.

Registros da participação da cidade catarinense de Laguna em 1978 / Blog do Valmir

Apesar de contar com um avançado sistema de controle de incêndio, aquele teatro foi destruído pelo fogo em 19 de agosto de 1978, ironicamente após uma gravação do CxC, causando perda de 98% da capacidade técnica. Como era localizado numa área predominantemente residencial, o incêndio teria sido causado por moradores daquela região que não toleravam o fato de presenciar toda semana a formação de enormes filas bem em frente aos edifícios próximos ao local. Foi então que no ano seguinte, a equipe da Studio Silvio Santos adquiriu em 1979 o Cine Sol da Avenida Ataliba Leonel, 1.772, Carandiru, zona norte paulistana numa região dominada pela classe média-baixa, e o transformou num dos mais importantes estúdios-plateia de televisão em todos os tempos, sendo utilizado por 18 anos seguidos, numa edificação de dois pavimentos com capacidade para 300 lugares, quatro camarins, dois estúdios auxiliares, lanchonete, ambulatório, almoxarifado, sanitários, mezanino, sala de espera, central técnica, discoteca, setor elétrico, maquinaria, salas de produção e escritórios administrativos, mas que por 15 anos era interligado a um velho caminhão de transmissão externa, permanentemente estacionado na esquina com a Avenida Azir Antônio Salton, por precaução.

Trecho do duelo entre Guaratinguetá e Pindamonhangaba em 1977 / MofoTV - YT

Essa segunda fase do CxC foi a que mais tempo ficou sendo exibida: três anos e meio. Na volta ao ar, o primeiro duelo foi entre Rio Claro e Pindamonhangaba e os convidados da bancada julgadora eram o "mulatólogo" Oswaldo Sargentelli, o jornalista Carlos Renato e a atriz Daisy Lucidi. O prêmio para a cidade vencedora passou a ser um Fusca zero quilômetro destinado a instituição de caridade escolhida pelos ganhadores. As provas passaram a ser variáveis a cada semana, procurando explorar as especialidades de cada cidade. Ambas propunham desafios entre si, sem contar outras provas que estavam a cargo da própria equipe do programa. Uma das novidades era a apresentação de uma "reportagem", com a narração em off de Lombardi, mostrando em três minutos os aspectos da cidade participante. A outra ficou por conta das provas externas, realizadas fora do palco do programa, tendo assim a utilização da piscina olímpica do Clube Tietê, no bairro da Luz, de onde fora instalada uma recém-adquirida unidade móvel equipada com três câmeras portáteis, que fazia a conexão via micro-ondas com o Teatro da TVS. E foi aí que surgiu um personagem importante que seria eternizado justamente pelas provas externas do CxC.

Alô, Alô, Ademar Dutra!

Nos anos 60, ele era conhecido como "Animador da Juventude" / Revista do Rádio - HDB

Nascido em São Paulo capital em 1930, Ademar estudou no Grupo Escolar Clóvis Bevilaqua, no Liceu Tiradentes e serviu a Aeronáutica afim de tentar uma vaga na Escola Aérea de Barbacena, mas, apaixonado pelos meios de comunicação, preferiu trabalhar na Rádio Excelsior de São Paulo criando, inicialmente, muitos programas a colegas da área. Em 1958, passou a apresentar um programa só seu, No Mundo dos Long-Plays e aí não parou mais quando tornou-se assistente do diretor-geral da emissora (integrante da OVC) Francisco Abreu e passou a acumular funções de redator, produtor musical e disc-jóquei. Ademar ganhava cada vez mais prestígio e popularidade na capital paulista, liderando a audiência com uma série de programas que iam do jazz ao iê-iê-iê, mas especializou-se nas paradas de sucesso, testemunhando inclusive o surgimento da Jovem Guarda. Sua agilidade, dinamismo, dedicação, respeito ao ouvinte e competência começaram aos poucos chamar atenção, tornando-se um dos primeiros "comunicadores populares" do rádio paulista. Em 1963, estreou na televisão apresentando e dirigindo o Clubinho das Cinco na TV Paulista, divulgando os cartazes e lançamentos musicais da época e no ano seguinte, migrou-se para a TV Excelsior comandando Festival da Juventude e Clube dos Brotos, todos especializados nos "ritmos da juventude", como diziam na época. Foi um dos precursores em apresentar um programa de TV direto das externas, isto é, sair do estúdio e levar câmeras e microfones para o lado de fora para ter contato direto com o público. Por causa do nome, ele, inúmeras vezes, era confundido com um cantor de nome muito parecido, Altemar Dutra, o "trovador das Américas".

No "Clube dos Brotos", demonstrando seu pioneirismo em comandar programas ao ar livre / Radiolândia - HDB

Nos anos 70, regressou a televisão (a TV Paulista fora adquirida pela Rede Globo) apresentando o VT Show, uma espécie de "pai do Vídeo Show" onde reprisava trechos importantes da programação Global ao longo da semana. Mas seguia firme no rádio e chegou a comandar um programa curioso intitulado Domingo Maior pela Rádio Nacional de São Paulo, numa época em que a estação tinha parado de transmitir futebol. O programa consistia numa versátil playlist enquanto a bola rolava e era transmitido direto da cabine de um estádio de futebol da capital paulista. Entre um bloco musical e outro, Ademar atualizava os resultados da Loteria Esportiva e quando terminava a partida, chamava o jornalista Carlos Aymard para fazer o comentário. Domingo Maior ficou no ar até setembro de 1977 quando o Sistema Globo de Rádio contratou Osmar Santos para reativar a Divisão de Esportes e Ademar foi dispensado, mas não ficou muito tempo desempregado. Ele tinha despertado a atenção de Silvio Santos e desde então passou a trabalhar para as empresas do apresentador. Sua atuação nas provas externas do CxC (e, depois, Nações Unidas) é lembrada até hoje, marcando para sempre sua carreira, mas paralelo a isso, chegou algumas vezes a substituir o próprio Silvio Santos num programa que ele fazia na Rádio Record de São Paulo e auxiliou na produção dos primeiros programas da TVS canal 11 do Rio de Janeiro.

Na inauguração do SBT, Ademar estava marcando presença / Cidade de Santos - HDB

Durante os 20 anos em que prestou serviço ao Grupo Silvio Santos, Ademar expandiu seus conhecimentos, ampliou sua área de atuação e acumulou as funções de gerente de programação, assessor de divulgação, chefe do teatro da Ataliba Leonel e diretor administrativo do SBT (quando a rede foi inaugurada em 1981), sem contar algum concurso ou informe publicitário do conglomerado que pudesse comandar na telinha. Ademar chegou a integrar a fase inicial do Viva a Noite em 1982, a dirigir o jornalístico Aqui Agora em 1991 e até a "assessorar" a pré-candidatura de Silvio Santos a Governador de São Paulo em 1990 pelo PST que não foi concretizada. Ao ser demitido, no final de novembro de 1997, Ademar vinha sofrendo de problemas renais e cardíacos e faleceu em São Paulo em abril de 2010 aos 80 anos de idade, deixando a esposa e dois filhos. À ele, rendo aqui minha singela homenagem.

Novidades

As gravações sempre aconteciam aos sábados à tarde, bem na véspera de ir para o ar, e foi aí que surgiu a "ideia" da edição compactada do programa. A competição integral durava cerca de três horas, mas o programa em si tinha uma hora e meia, contando os intervalos comerciais, isso porque alguns quadros considerados "desinteressantes" eram cortados para enxugar o tempo de exibição e evitar "estouros" que poderiam afetar a programação normal. Para isso, a locução de Lombardi passou a ser muito utilizada como forma de "emenda" nos cortes que o programa era submetido, anunciando o placar e os merchandisings de praxe. Um exemplo disso foi registrado no Diário do Paraná em abril de 1980, numa nota sobre o duelo entre Paranaguá e Guaratinguetá realizado no mês anterior. O placar final da disputa completa terminou 13 a 10 para o município do litoral paranaense, mas quem viu pela TV testemunhou uma competição acirrada que levou o representante do Vale do Paraíba a perder por muito pouco, 8 a 7.

Trecho relâmpago do confronto entre Jacareí e Guaratinguetá / Canal Página do Silvio Santos - YT

As comissões das cidades passaram a ser ocupados por grupos bastante heterogêneos entre si, ligados a vários setores da comunidade. Diretores teatrais, de balé, comerciantes, prefeitos, vereadores, autoridades civis, militares, assistentes sociais, religiosos, jornalistas, radialistas, colunistas sociais, secretários municipais, servidores públicos, costureiros, estilistas, dirigentes, atletas, acadêmicos e integrantes de associações em geral, se responsabilizavam pela apresentação dos quadros. Cada cidade era representada por uma delegação de cerca de 40 participantes e contava com uma torcida de 140 pessoas para ocupar a plateia, todos transportados em cinco confortáveis ônibus. Com o programa todo reformulado, o município vencedor voltava na semana seguinte para defender sua permanência até ser derrotado por uma outra cidade. Em caso de empate, as duas cidades eram obrigadas a voltar para, como diziam na época, a "negra". Nesse período, São José do Rio Preto é o que detêm o recorde de vitórias consecutivas, sendo sete ao todo, seguido por Duque de Caxias, com seis vitórias, e São Vicente, com quatro êxitos. As tarefas mais frequentes estabelecidas pela produção do programa eram estas:

- Trazer três participantes para a Prova de Adivinhação, que é tentar descobrir um personagem oculto
- Trazer quatro participantes para a Prova da Piscina, onde iriam se equilibrar em um misto de boia e caiaque
- Trazer quatro misses trajando maiô ou biquíni, para a Prova de Beleza: uma loira, uma morena, uma mulata e uma afrodescendente
- Trazer um grupo local típico para o Quadro Livre com o tempo de 3 minutos
- Trazer um nadador profissional para a Prova de Natação
- Trazer um grupo artístico para a Prova de Patinação Coletiva
- Trazer um participante para tentar pegar uma moeda ou cereja escondida dentro de uma torta sem usar as mãos
- Corrida de Animais (podia ser entre cavalos, ratos, cães, tartarugas ou caranguejos)
- Trazer uma curiosidade interessante para ser apresentada na Prova da Curiosidade
- Trazer um participante "intelectual" para a Prova da Cabine, respondendo a uma bateria de 5 perguntas que seriam feitas para ambas as equipes

O registro definitivo das vitoriosas participações de São José do Rio Preto em 69 e 77 / Canal Roberto Toledo - YT

Por trás das câmeras, dois chefes de delegação atraíram a atenção de Silvio Santos pelas apresentações impecáveis que suas respectivas cidades proporcionaram no momento das provas: Homero Salles, por São José do Rio Preto, e Detto Costa, por Olinda. Ambos foram contratados para dirigirem os futuros projetos da então apelidada "TV Silvio Santos", que aos poucos deixava de ser uma grande produtora independente para se tornar uma nova rede de televisão (sendo possível com o fim da TV Tupi e com a inauguração do SBT). Então, até o fim do programa, pouco após o carnaval de 1981 em meio a uma série de reprises, Homero Salles e Roberto Jorge eram responsáveis pela cidade 'A', enquanto que Detto Costa e um jovem chamado Augusto Liberato se responsabilizavam pela cidade 'B'.

Primeira parte do clássico entre Paulistas e Cariocas em 1981 / Canal betog57 - YT

A competição, que inicialmente seria restrita a municípios do interior de São Paulo, acabou permitindo a entrada de cidades de outros estados brasileiros, atendendo assim um desejo de Silvio Santos (sendo que ainda nos anos 60, algumas localidades mineiras participaram do programa e chegavam a vencer com frequência os concorrentes paulistas). O CxC contou com as presenças (só pra citar alguns) de Olinda-PE, Teresópolis-RJ, Pelotas-RS, Nova Friburgo-RJ, Joinville-SC, Barra Mansa-RJ, Laguna-SC, Magé-RJ, Londrina-PR, São José-SC, Nova Iguaçu-RJ, Planaltina-DF (alô Kleber Nunes do TV em Brasília, taí mais uma pauta para o seu blog!), Paranaguá-PR, Petrópolis-RJ, Campo Mourão-PR e Duque de Caixas-RJ. Isso sem contar a participação de importantes capitais brasileiras como Curitiba, Florianópolis e Belo Horizonte, mas foi justamente nesta fase que ficou marcada pelos embates especiais entre São Paulo e Rio de Janeiro, sendo os cariocas os maiores vitoriosos no "clássico", ganhando quatro vezes, apesar do apoio insistente e descarado de Silvio aos paulistas, que lhe davam o maior IBOPE no programa dominical. Foi nesses confrontos que foram revelados três nomes que seriam bastante conhecidos da grande mídia: a então modelo Xuxa Meneghel (embora gaúcha de Santa Rosa, mas então já residente no Rio), o apresentador Sérgio Mallandro e a atriz Sônia Lima (então Miss Osasco).

Segunda parte do clássico entre Paulistas e Cariocas / Canal betog57 - YT

O programa repetiu o sucesso da década anterior e ajudou a Rede Tupi (mergulhada numa grave crise) a liderar a audiência nas tardes de domingo frente ao poderio da já super líder Rede Globo, alcançando cerca de 40%. Em 1980, a dupla sertaneja Rony & Robison gravou uma música em homenagem ao programa, composta por Carlos Cezar, José Fortuna e o saudoso Valentino Guzzo (outro produtor que trabalhava na equipe do Programa Silvio Santos, mas muito lembrado por encarnar a Vovó Mafalda), no LP Realidade. Naquele mesmo ano, com o fato da TV Tupi ter saído do ar em julho devido a cassação de suas sete concessões, CxC passou a ser exibido pela TV Record de São Paulo e TVS do Rio, ambas coligando uma rede de emissoras independentes.

A dupla Roni & Robison cantam "Cidade Contra Cidade" / Canal Pra Sempre Sertanejo - YT

Cara Nova

Após sete anos de ausência nas telas, o CxC pôde finalmente ser exibido pelo SBT. O motivo foi a manutenção da permanência de Gugu Liberato (que havia sido produtor do programa no final dos anos 70) como forma de ajudar Silvio Santos no momento mais difícil que o "Patrão" estava atravessando. Depois de viajar quase um mês para Boston para tratar da saúde e principalmente das cordas vocais, Silvio se esqueceu de pensar no futuro de suas empresas e, ao mesmo tempo em que tirou o humorista Jô Soares da Globo, viu Gugu, sua cria desde os anos 70 e sucesso absoluto nas noites de sábado com o Viva a Noite, deixar o SBT e ir para a emissora-líder seduzido por um contrato milionário. Após demorada negociação, Silvio conseguiu manter Gugu com um contrato de cinco anos renováveis garantindo-lhe seis horas semanais, acertando assim a maior proposta salarial da TV brasileira até então: U$ 50 mil mensais (superando os U$ 20 mil de Jô Soares), mais U$ 300 mil em luvas, comissões de faturamento líquido em patrocínios comerciais e participações em três entradas de merchandisings a cada 60 minutos de programa, além de 90 inserções promocionais mensais à disposição dele (utilizados pela sua recém-criada firma GPM/Promoart em sociedade com o publicitário e ex-radialista Sérgio Murad, muito conhecido do grande público pelo nome artístico de Beto Carrero) para serem exibidos em qualquer hora da programação da rede. O programa que promoveu Gugu Liberato aos domingos do SBT foi justamente o CxC.

Na íntegra, um CxC de 1988 envolvendo Caçapava e Bariri / Canal Êgon Bonfim - YT

A terceira estreia aconteceu em 17 de abril de 1988 e o confronto inicial foi entre Rio Claro e Guaratinguetá. Com direção de Homero Salles e tendo duração integral de cerca de 2 horas, CxC teve apenas dois meses de preparação e foi relançado às pressas, o que gerou mal-entendido quanto ao novo formato de disputa por parte de alguns participantes, como Guaratinguetá, que ficou desentendida após ter perdido para Rio Claro e pediu revanche (que só foi concedida no ano seguinte). Os municípios continuavam no programa até obter três vitórias consecutivas, incluindo os empates. O prêmio voltava a ser uma ambulância para a instituição de caridade escolhida pela cidade, mas no caso de empate, o prêmio saía em dobro: duas ambulâncias. O intuito do programa era juntar e atualizar um pouco do que fora feito nas fases anteriores, como a volta do palmômetro, a arrecadação a instituições de caridade e novas provas tanto da externa quanto no palco do já citado Teatro da TVS parágrafos acima. Nessa época, viu se o predomínio das cidades paulistas, mineiras, fluminenses e paranaenses na competição. Limeira, Lins, Caçapava, Nova Friburgo, Itapeva e Pirassununga foram os mais bem sucedidos com três vitórias seguidas pra cada um. O curioso é que nessa fase apareceu pela primeira vez uma outra futura personalidade da TV, que fazia parte de um coral infantil de sua terra-natal Penápolis no Quadro Livre num duelo de desempate contra Itapeva: a apresentadora Sabrina Sato.

O registro da "negra" entre Penápolis e Itapeva em 1989 / Canal Rede Premiada - YT

Mesmo tendo ficado pouco tempo no ar, terminando em 30 de julho de 1989 com a vitória de Leme sobre Valença, essa última fase do CxC foi a que mais se eternizou para as gerações atuais com muitos de seus duelos disponíveis no YouTube, alcançando na época médias de cerca de 30 pontos de audiência nas tardes de domingo. Uma das características marcantes era o seu fundo musical (ou BG na linguagem atual): Happy Children do P.Lion. Curiosamente, a música integrava a trilha sonora internacional da novela Global Amor com Amor Se Paga, de 1984, e o diretor Homero Salles gostava tanto da melodia que a utilizou diversas vezes desde então (como no Show Sem Limite e no Táxi do Gugu). As provas externas eram realizadas no Parque do Carmo contando com o mesmo Ademar Dutra e tinha como música de BG Dreams, também do P.Lion. As provas voltaram a ser fixas e, em sequencia, eram essas:

- Trazer um cantor ou uma cantora local para uma apresentação ao vivo de 2 minutos e 30 segundos, acompanhando(a) da Orquestra do Maestro Zezinho
- Trazer um participante para a prova da Caixa Gigante de Fósforos: transportar três fósforos (um de cada vez), passando por três caixas
- Trazer um grupo local para a apresentação do Quadro Livre com tempo de 3 minutos
- Trazer dois jogadores locais de futebol, o goleiro e o "melhor artilheiro", para a Prova dos Pênaltis, sendo três tentativas
- Trazer um universitário ou intelectual para a prova do Responda ou Passe, com perguntas de conhecimento geral*
- Trazer sua miss local trajando maiô para a Prova de Beleza
- Doar a maior quantia possível de dinheiro para a Prova da Ação Comunitária: dessa vez, cada cidade escolhia duas instituições de caridade e a comunidade doava uma quantia mínima de Cz$ 100 e a depositava num envelope. 80% do arrecadado era dividido entre as obras de caridade da cidade contrária, enquanto que os 20% restantes era sorteado para um doador
- Trazer uma dupla, uma moça e um rapaz, para a Prova do Parafuso: pegar o maior numero de "bolinhos" possível numa bandeja e se equilibrar em um parafuso gigante até chegar a um fogão no tempo de 2 minutos
- Trazer uma curiosidade interessante para ser apresentada na Prova da Curiosidade
- Trazer uma universitária para a prova da Palavra-Chave: uma lista de 15 palavras de um determinado tema era disponível para cada cidade, o radialista escolhia cinco palavras e a universitária escolhia seis numa cabine a prova de som, quem conseguisse mais coincidências de palavras, tinha vantagem a um envelope vermelho que podia valer de 0 a 9 pontos, sem antes a universitária escolher uma palavra e adivinhá-la em um dos cinco envelopes a sua escolha.

* As perguntas passaram a ser de Artes, Geografia, Esportes, Televisão, História e Atualidades, mantendo assim o formato dos anos 60

Em 2 de maio de 1989, estourou a Greve dos Radialistas em São Paulo. Treze mil radialistas e funcionários de três emissoras de rádio e seis de televisão em todo o estado decidiram parar de trabalhar reivindicando uma reposição salarial de cerca de 90% do período de um ano, 10% de produtividade e piso salarial de NCz$ 500. O SBT foi atingido pelo movimento e teve que cancelar justamente a gravação do CxC naquela semana, colocando o Viva a Noite em plena tarde de domingo para preencher o buraco na programação. A greve durou três dias e a "estratégia" para enfrentar com pé de igualdade o então recém-lançado Domingão do Faustão da Globo durou três semanas. Nesse período, o CxC foi exibido por dois sábados seguidos (13 e 20 de maio) até retomar seu horário normal, reformulando algumas provas, sendo que as disputas externas passaram a ser na piscina olímpica do Parque São Jorge, cujo BG passou a ser a Marcha Turca/Ruínas de Atenas (conhecida por ser o tema original da série mexicana Chaves). As provas, em sequência, passaram a ser essas:

- Trazer um grupo de quatro pessoas para se apresentarem num Desfile Variável, com tema escolhido pela produção do programa
- Trazer um habitante para a prova do Pega Peixe: o tempo era de 2 minutos para pegar o maior número de peixes possível e colocá-los numa urna gigante
- Prova Variável como uma espécie de desafio do programa sendo lançado às duas cidades
- Trazer quatro misses trajando maiô para a Prova de Beleza, sendo uma loira, uma morena, uma mulata e uma afrodescendente
- Trazer um homem para a Prova de Beleza Masculina
- Trazer um grupo de quatro pessoas para uma prova na piscina: uma corrida numa canoa em forma de tamancos
- Trazer um universitário ou intelectual para a prova do Responda ou Passe, com perguntas de conhecimento geral
- Trazer um cantor ou uma cantora local para uma apresentação ao vivo de 2 minutos e 30 segundos, acompanhando(a) da Orquestra do Maestro Zezinho
- Doar a maior quantia possível de dinheiro para a Prova da Ação Comunitária
- Trazer uma curiosidade interessante para ser apresentada na Prova da Curiosidade
- Trazer uma universitária para a prova da Palavra-Chave

Legado

Cena da prova decisiva que definia o vencedor da semana do CxC / Ouro Fino na Web

Quem viveu os tempos do CxC, sabe muito bem como era o clima de uma salutar competição, capaz de mobilizar uma comunidade inteira. A conclusão que eu chego é que as cidades não podem perder suas raízes e suas tradições perante a agressividade do modo de vida ditado pela mídia do eixo Rio/São Paulo, sem contar a lavagem cerebral do filtro sócio-ideológico imposto pelas redes sociais, chegando a controlar/neutralizar a opinião pública. O programa estimulou laços solidários intermunicipais, estreitou distâncias, incentivou a confraternização, uniu a população e derrubou naturais rivalidades entre os habitantes. Isso sem contar um monte de gente que surgiu e foi revelada nos quadros do programa. É essa cultura regional que precisa ser preservada/resgatada e voltar a ser melhor divulgada agora pelas comunidades sociais em tempos de Revolução Digital.

Metade do auditório vibra de alegria, é a festa da vitória / Ouro Fino na Web

Imaginem quantas histórias espalhadas por aí de participantes que recordam com carinho suas performances no programa, independente do resultado final. No blog do Valmir Guedes, por exemplo, conta a história da participação de sua terra-natal Laguna, em 1978, e após as gravações, torcidas, delegações e até os artistas se confraternizavam num banquete oferecido num barzinho localizado em frente ao Teatro Manoel de Nóbrega. E lá estava ele tomando um cafezinho e batendo um papo informal sabe com quem? Com o Lombardi! Essas histórias de bastidores, de organização, de quem participou, são preciosíssimas e não podem ser perdidas e morrerem junto com seus protagonistas, merecem futuramente ser reunidas num livro, ou como eu mencionei no primeiro parágrafo, num grande almanaque. E se somarmos todas as vitórias de todas as cidades nos três formatos que o programa teve até o presente momento, as duas maiores campeãs, empatadas ou não, seriam seguramente São José do Rio Preto e São Vicente. A todos que escreveram seus nomes nesses 56 anos do CxC, sejam vivos ou que não estão mais conosco, também dedico este post. E se você aí tem alguma história relacionada a uma participação no CxC, acrescentar alguma informação que eu não consegui encontrar ou corrigir algum erro do que eu registrei acima, mande um e-mail para mim: ehmb1986@gmail.com

(...) Cidade Contra Cidade
A saudade contra mim
Vendo um mundo de jurados
Testemunhas do meu fim

Carlos Cezar, José Fortuna e Valentino Guzzo

Agradecimentos Especiais: Higor Vieira, Kleber Nunes e Rodrigo Callegari

PS: Como pode este programa, genuinamente brasileiro, não ter sido ao menos indicado ao Emmy Awards, o Oscar da TV mundial?