A história está escrita, o Brasil sagrou-se tricampeão mundial de futebol na Copa do Mundo de 1970, realizado no México, considerada a melhor de todos os tempos, ao bater a Itália pelo placar de 4x1 conquistando em definitivo a Taça Jules Rimet. Porém, vendo matérias e reportagens da época, vejo que a imprensa especializada implicava com o fato de que equipes de maior tradição no futebol mundial estavam ausentes em gramados mexicanos, ainda mais depois que li uma matéria antiga na revista Veja intitulada A Copa Ideal em edição publicada em 17 de dezembro de 1969, ignorando a ideia da FIFA em distribuir as vagas por continentes. Além de uma matéria ficcional da extinta revista Realidade simulando como seria a participação do Brasil naquela Copa e outra, escrita 28 anos depois na revista Placar, de um torcedor testemunhando como foi de fato a competição, resolvi reescrever a história do Mundial do Tri neste post especial do blog ÊHMB De Olho Na TV, já que estamos em ano de Copa do Mundo.
Pois bem, como sabemos, naquela época, apenas 16 países tinham o direito de participar do Mundial. O México, por ser o país-sede, e a Inglaterra, então atual campeã, estavam garantidas. Passando continente por continente e julgando os times de cada grupo, os classificados seriam estes. Na zona européia, oito vagas: Grupo A que teve Grécia, Portugal, Romênia e Suíça, se classificariam os portugueses (originalmente foram os romenos); no Grupo B que teve Dinamarca, Hungria, República da Irlanda e Tchecoslováquia, se classificariam os húngaros (originalmente foram os tchecos); no Grupo C que teve Alemanha Oriental, Itália e País de Gales, se classificaram os italianos (e são assim mantidos); no Grupo D que teve Irlanda do Norte, Turquia e União Soviética, se classificaram os russos (e são assim mantidos); no Grupo E teve França, Noruega e Suécia (originalmente, os suecos foram classificados), mas acrescentei a Iugoslávia que seria a equipe classificada; no Grupo F em que os iugoslavos estavam com Bélgica, Espanha e Finlândia, classificariam-se os espanhóis sem os iugoslavos (originalmente foram os belgas); no Grupo G que teve Alemanha Ocidental, Áustria, Chipre e Escócia, passaram os alemães (e são assim mantidos); e finalmente no Grupo H que teve Bulgária, Holanda, Luxemburgo e Polônia, classificaram-se os búlgaros (e são assim mantidos).
Zona sul-americana, sem grandes alterações: Grupo A que teve Argentina, Bolívia e Peru, classificaram-se os peruanos; no Grupo B que teve Brasil, Colômbia, Paraguai e Venezuela, passaram-se os brasileiros; e no Grupo C que teve Chile, Equador e Uruguai, os uruguaios se qualificaram. Porém, os segundos colocados das três chaves disputariam um grupo de repescagem e então, argentinos, chilenos e paraguaios brigariam pela quarta vaga. A classificada seria a Argentina. Zona africana, sem alteração nenhuma: o Marrocos foi pra Copa passando por Nigéria e Sudão na fase final de classificação. Já a última vaga, teria a seguinte alteração: El Salvador, pela América Central e Caribe, e Israel, que passara no grupo da Oceania, disputariam uma repescagem intercontinental e os salvadorenhos se classificariam. Com os 16 países definidos para a disputa do Mundial do México, a distribuição por potes daria-se da seguinte maneira:
Pote 1 - Cabeças-de-Chave: Brasil, Inglaterra, México e Uruguai
Pote 2 - Leste Europeu: Bulgária, Hungria, Iugoslávia e União Soviética
Pote 2 - Leste Europeu: Bulgária, Hungria, Iugoslávia e União Soviética
Pote 3 - Europa Ocidental: Alemanha Ocidental, Espanha, Itália e Portugal
Pote 4 - Outros Continentes: Argentina, El Salvador, Marrocos e Peru
Com a realização do sorteio dos grupos no Maria Isabel Sheraton Hotel em 10 de janeiro de 1970 na capital mexicana e com jogos que seriam disputados em quatro cidades, sendo cada uma sede de uma chave, a Copa estaria desta maneira:
Grupo 1 - Cidade do México: México, União Soviética, Argentina e Portugal
Grupo 2 - Guadalajara: Inglaterra, Itália, Hungria e Peru
Grupo 3 - Puebla: Brasil, Marrocos, Espanha e Iugoslávia
Grupo 4 - León: Uruguai, Alemanha Ocidental, El Salvador e Bulgária
E agora assim, nossa história começa:
Meu nome é Eliezer Fonseca Alves. Sou jornalista do recém-fundado O Estado da Guanabara e fui escalado para ser o enviado especial do México para a cobertura da Copa do Mundo de 1970, o maior acontecimento do ano. Não sou setorista de esportes, mas fui escolhido pelo veículo após a publicação de uma entrevista exclusiva de grande repercussão com o técnico da Seleção Brasileira João Saldanha durante uma crise interna que quase lhe tirou o cargo. Permaneceu firme graças ao apoio e intervenção do presidente da Comissão Nacional de Desportos, General Eloy Menezes, representante do Ministério da Educação e do Desporto na época (ocupado por Jarbas Passarinho), enfatizando a missão desportiva e não-política que o Brasil teria no México. Saldanha estava bronqueado com os pitacos do então presidente Emílio Garrastazu Médici que queria porque queria que fosse convocado seu jogador preferido: Dario. Como pode um gaúcho (e gremista fanático) gostar de um jogador de Minas Gerais, não havia o menor sentido por parte do chefe da nação.
Pois bem, a Seleção Brasileira e uma enorme delegação de jornalistas, dos quais eu me integrava, sendo muitos deles de televisão (já que seria a primeira Copa exibida ao vivo pela TV brasileira), desembarcava em Puebla de Zaragoza, situada a 2.175 metros acima do nível do mar, sede dos jogos do Brasil na Primeira Fase. Todos se hospedaram no Hotel Lastra, o mesmo em que ficariam concentrados os "canarinhos do Brasil" e na época, para conseguir uma entrevista com um jogador ou com um membro da comissão técnica era muito fácil, podia-se até bater um papo formal com o Pelé na beira da piscina do hotel. O clima agradável e descontraído contagiava a todos e tanto a imprensa quanto a delegação da Copa, tinham boas relações. A figura mais animada da imprensa era o locutor Geraldo José de Almeida, que pelo fato de transmitir a Copa pela primeira vez ao vivo na TV brasileira, seu otimismo transbordava de tal forma que acordava bem cedo, abria a janela do seu quarto e despertava todos que lá estavam hospedados com o brado de Brasil! Brasil! Brasil!. A organização da Copa fez questão de que a maioria dos jogos fossem transmitidos pela TV e exibidos para o maior número possível de pessoas ao redor do mundo, programando-os para às 12 e 16 horas, horário local, 15 e 19 horas, horário de Brasília.
Em Puebla, fiz amizade com duas figuras curiosas. Primeiro, Capixaba, uma espécie de torcedor-símbolo da Seleção, que mal chegou a cidade e foi direto à Catedral Bizantina de Puebla rezar pelos jogadores e prometeu até fazer uma promessa que não contou pra ninguém até o momento. Descendo as escadarias do local, ele começou a dizer uma frase que mais parecia um mantra do que uma frase de efeito propriamente dita: Esse time não pode perder!. Ele dava "aulas teóricas de futebol" aos niños mexicanos e também explicava que acompanhou todos os treinos da Seleção Brasileira, conhecendo pessoalmente João Saldanha e todos os jogadores, sentia a moral elevada e explicava tal confiança de que o Brasil faturaria o tricampeonato na maior facilidade. Ele havia comprado um sombreiro no Mercado de San Juan e a enfeitou com fitinhas em verde-amarelo, só o tirava para dormir, e estava ficando conhecido por todos os mais de 10 mil turistas brasileiros que desembarcaram naquela cidade. Só que os organizadores calcularam mal e esperavam menos de 9 mil torcedores para acompanhar a competição e não haviam mais vagas nos hotéis de Puebla para caber tanta gente pois havia uma meia-dúzia de hotéis na época, ainda mais lotados com a temporada de verão que estava chegando. O jeito era deslocar quase 3 mil brasileiros para a altitude de Toluca, a alguns quilômetros de Puebla, a ponto de suas universidades locais e casas de famílias se transformarem em hospedarias improvisadas.
Outra figura era o Wellington, um mineiro de Belo Horizonte, que estava no México como prova do seu amor por Marlene, uma mulher que conheceu quatro anos antes num jogo entre América e Cruzeiro num torneio local. O Cruzeiro venceu por 4x3 e ele nem ficou triste pela derrota do time americano pois suas atenções estavam desviadas para uma moça bonita de olhos azuis que combinavam com a camisa do time celeste de Minas. "Seu time mereceu a vitória. Como perdedor, quero te pagar um pão de queijo e um caldo de cana", foi a primeira cantada dele pra ela. Dois meses depois, ao pedir a mão da moça em casamento dentro de seu Simca, Wellington ouviu da Marlene: "Se você me ama, prove seu amor para mim trazendo um autógrafo dos Beatles". Ele sugeriu alguém menos difícil como aquela dupla da Jovem Guarda, o Roberto e o Erasmo, mas a moça foi irredutível: "Não! Eu quero um autógrafo dos Beatles!" e saiu batendo a porta do carro de raiva. Três dias depois, viajou para a Inglaterra, coincidentemente às vésperas da Copa do Mundo. Também coincidentemente, o Brasil jogaria (e muito mal) em Liverpool, terra do quarteto, e mal chegou naquela simpática cidade, foi comprar o LP Revolver para ser autografado e fazia vigília na porta do estúdio da gravadora daqueles quatro rapazes. A rotina se seguia por toda aquela Copa até o dia em que um sujeito chamado Pete Best falou que a banda não gravava nesse lugar faziam anos e o insistiu para lhe dar um autógrafo alegando que fora um Beatle. Wellington riu na cara dele (que ficou desolado sentado na calçada), foi embora para Londres para assistir a final entre Inglaterra e Alemanha no Estádio de Wembley sentado entre quatro padres barbudos. Assim que Hurst fez o gol que deu a Inglaterra o título de campeão, a barba de um dos padres caiu e logo reconheceu que era o Paul, mas em meio a festa inglesa, os falsos-padres (que eram na verdade os Beatles disfarçados) pediram para ele ficar quieto e logo deram autógrafo pro moço no ingresso dele. Mas quando voltou para sua BH, viu Marlene muito mudada e pouco animada com a prova de amor que ele fez por ela, o autógrafo dos Beatles. Ela rasgou o ingresso na frente dele e agora tornou-se uma mulher engajada, comunista assumida e mesmo assim ele casou com ela após esfriar a cabeça.
Seu amor para com ela fez com que ele mudasse o visual, deixou a barba e o cabelo crescer e se passou por integrante da organização revolucionária liderada por ela. Para testar a prova de amor que ela tinha por ele, pediu para que o acompanhasse na Copa do Mundo. "Futebol é o ópio do povo!" replicou Marlene. "Camarada Marlene, a Copa vai ser transmitida pela televisão e vista por milhões de pessoas. Proponho que a gente vá aos jogos posicionados num local em que as câmeras consigam focalizar a gente e exibirmos uma faixa dizendo 'Abaixo o Imperialismo'". Ela fez cara feia, mas logo aceitou a ideia quando seu amado emendou "... e com direito a uma escala em Cuba antes de desembarcar para o México". "Viva a Revolução Proletária!" bradou Marlene, abiscoitando um beijo apaixonado no "companheiro" Wellington. O motivo era óbvio: o Brasil vivia um momento linha dura nesse auge do Regime Militar.
Às vésperas da estreia, os torcedores se encontravam num bar-restaurante típico mexicano da Praça da Universidade de Puebla e o nosso Capixaba batia ponto sempre por lá. Ele apreciava a mais exótica gastronomia que existisse e quando me convidou para almoçar, pediu um prato muito forte com uma mistura de carnes e especiarias, sementes de gergelim, cacau, muita pimenta e um caldo amarronzado delicioso, mas causavam transtornos ao estômago desacostumado. Ele comeu aquilo com gosto e "limpou o prato", enquanto isso, tive que enfrentar fortes dores de barriga e um grave desarranjo intestinal durante aquela madrugada. Capixaba fazia questão de pedir todo dia (no almoço e no jantar) esse mesmo prato e ainda se embriagava com os outros torcedores bebendo pulque, uma espécie de vinho feito à base de cacto com teor alcoólico baixo, mas muito perigosa, pois vira veneno 48 horas depois que está fermentado, pronto para servir, que era vendida ilegalmente naquele bar e atiçava a curiosidade dos turistas brasileiros e estrangeiros. Aquele bar-restaurante tenho boas lembranças, superei minha timidez quando consegui marcar um encontro com uma dancing-girl mexicana (uma espécie de vedete de teatro de revista no Brasil), já que era bastante fácil conseguir o telefone de uma distinta "casa de serviços noturnos" que andava de mão em mão naquele bar-restaurante de Puebla e que atendia em qualquer idioma. Conheci a tal moça após ela ter se apresentado num show alusivo à Copa e estava trajando a camisa do Brasil, justamente a mais linda de todas, uma loira que era parecida com a Marilyn Monroe. Esse sim era o prato preferido do pessoal que lá circulava toda noite.
A torcida local tinha pra quem torcer na Copa: "Primero Mexico, después Brasil", ou pra qualquer time que jogasse contra a Inglaterra, eleita a "vilã" do torneio. Saldanha tinha o time titular brasileiro na ponta da língua para a disputa dos jogos: Félix, Carlos Alberto Torres (capitão), Brito, Piazza, Everaldo, Clodoaldo, Gérson, Rivelino, Jairzinho, Pelé e Tostão. No banco de reservas, as outras de suas "feras": Leão, Scala, Rildo, Djalma Dias, Joel Camargo, Marco Antônio, Paulo César Caju, Dirceu Lopes, Edu, Toninho Guerreiro e Lula (terceiro goleiro). Chegou o dia da estreia do Brasil na Copa. 2 de junho. Estádio Cuautemoc lotado, mais de 40 mil pessoas marcando presença e Puebla estava na casa dos 40 graus. O adversário era o estreante Marrocos do goleiro Ben Kassou, que fechou o gol durante todo o primeiro tempo, fazendo defesas extraordinárias, que terminou 0x0. Nos intervalos dos jogos, nada como uma boa cerveja em lata bem gelada vendida por um desses ambulantes no estádio para refrescar a garganta cansada de tanta emoção, enquanto que no vestiário, o massagista Mário Américo deu uma indireta em Pelé: "Como é que é, nós não vamos entortar esses gringos?". Era o pedido de toda uma nação e até do presidente Médici, que tinha o número do telefone do vestiário para falar com os jogadores e principalmente com o técnico Saldanha, pegando no pé dele pelo fato de não ter levado o Dario. Dario que virou garoto-propaganda do Governo Militar exaltando o fato dos brasileiros poderem se sentirem na Copa sem poder ir ao México, assim como ele, através das telecomunicações via-satélite. Mas voltando ao jogo, Saldanha vai pro tudo ou nada e mexe no time: saem Clodoaldo e Jairzinho e entram Paulo César Caju e Edu. O Brasil venceu o jogo apenas no segundo tempo, por 2x0, gols de Gérson e Pelé. O primeiro gol, aos 26 minutos, numa perfeita triangulação entre Tostão, Pelé e Gérson. O canhota precisou aproveitar um rebote do goleiro marroquino para a torcida brasileira explodir de alegria. O gol brasileiro esfriou o time do Marrocos e aos 36 minutos, Tostão chuta de longe, Kassou bate roupa novamente e Pelé aparece no meio da área pra acertar um chute a queima-roupa, fechando o placar e espantando a zebra pra bem longe. Wellington é obrigado a se conter diante do comunismo inflamado de sua Marlene, o oposto de Capixaba, que estava do outro lado das arquibancadas, cujo sombreiro voava para todos os lados e brada sua oração preferida Esse time não pode perder!. Após os jogos, Capixaba cumpriria aquilo que seria um ritual durante toda a participação brasileira na Copa: tomava uma dose venenosa de tequila à moda mexicana com pimenta e sal em meio limão e gritava Esse time não pode perder!.
Próximo adversário, a Espanha, que venceu de virada a Iugoslávia por 2x1 na primeira rodada. O adversário assustava, só no papel, porque quando a bola começou a rolar, o Brasil tinha o domínio total do jogo e desencantou de vez com uma atuação de gala logo no primeiro tempo: aos 16 minutos, Pelé chuta, o quarto-zagueiro espanhol rebate, um sem-pulo de Tostão, o goleiro espanhol dá o rebote, a bola cai direto no pé de Rivelino e um marcador espanhol chegou atrasado demais quando ele chuta direto pro gol, 1x0. Um minuto depois, mal os espanhóis dão a saída, a bola está outra vez com Rivelino, ele limpa a jogada, passa para Tostão que corre pelo meio. Rivelino corre para a esquerda, Tostão devolve na medida e Rivelino dá um drible seco no zagueiro espanhol, puxa a bola para a esquerda e manda pro fundo da rede, 2x0. Aos 28 minutos, Pelé é derrubado dentro da área, pênalti para o Brasil, o "Rei" cobra com perfeição, sem a famosa paradinha, 3x0. No segundo tempo, a Espanha mexe no time, sem resultado. Saldanha poupa Rivelino e Gérson e coloca Marco Antônio e Paulo César Caju para ter o jogo sob controle. Poderia ter saído uma goleada histórica, mas os 4x0 sacramentados por Pelé aos 40 minutos, cabeceando duas vezes uma bola que bate na trave após receber cruzamento perfeito de Jairzinho, depois dele ter enganado dois espanhóis de uma vez, lavou a alma dos brasileiros. A cada grito de gol, Wellington ouvia a bronca de Marlene: "Com esse grito você está sendo conivente com a situação política do Brasil".
Já classificado, cruzou com a Iugoslávia para cumprir tabela. Estava no papo, os iugoslavos tinham empatado com o Marrocos em 1x1 na rodada anterior e precisavam de uma difícil combinação de resultados para se classificarem: vencer o Brasil e torcer pela zebra marroquina. Saldanha resolveu poupar alguns jogadores e escalou um time misto: Leão, Carlos Alberto, Rildo, Djalma Dias, Joel Camargo, Marco Antônio, Paulo César Caju, Rivelino, Tostão, Pelé e Edu. E parecia mesmo que o jogo estaria no papo, pois no primeiro tempo, o Brasil vencia por 2x0. Pelé de falta aos 22 minutos, da entrada da área, encobrindo toda a barreira adversária e Tostão, num contra-ataque fulminante aos 42 minutos. Mas logo aos 5 minutos do segundo tempo, os brasileiros diminuem o ritmo e os iugoslavos descontam com um gol relâmpago de Acimovic, 2x1. Saldanha põe as mãos na cabeça, fica irritado, coloca Dirceu Lopes e Gérson no lugar de Edu e Marco Antônio pra garantir a vitória, mas leva uma tremenda ducha de água fria. O mesmo Acimovic avançou feito louco e chutou do bico da área empatando a partida faltando dois minutos para o término, 2x2. "Viva o socialismo!", comemorava Marlene o resultado, mas ninguém se conformava por perder um pontinho que fosse. Saldanha surtou e não deu bola aos repórteres que queriam entrevistá-lo. Ele estava de mal-humor e foi agressivo com os jornalistas presentes. No outro jogo do Grupo 3, também em Puebla, a Espanha derrotou os marroquinos por um magro 1x0, o suficiente para garantir sua vaga para a fase seguinte. O Brasil se classificou em primeiro com 5 pontos, como era esperado, e os espanhóis beliscaram a segunda posição com 4 pontos ganhos. No dia seguinte ao empate, Saldanha recebeu toda a imprensa com simpatia, fez as pazes com todos, brincou com os repórteres, deu uma longa entrevista para uma rádio local e até participou de uma das reuniões da organização liderada pela Marlene. Wellington testemunhou o tal encontro porque o João Sem Medo era membro de carteirinha do partido comunista e teria dito algo que deixou Marlene decepcionada, sobre a missão desportiva que estava fazendo no México. "Será que estamos mesmo divulgando a Revolução, camarada João?", indagou Marlene.
Vamos dar uma passada nas outras chaves da Copa. No Grupo 1, disputado na Cidade do México, um Estádio Azteca totalmente lotado com mais de 108 mil pessoas presenciara a abertura da Copa com os donos-da-casa estreando contra a União Soviética. O dia 31 de maio de 1970 tornou-se feriado no México. O jogo foi dramático do início ao fim e no último minuto, os mexicanos conseguiram o "gol milagroso" que tanto sonhavam, do meia-direita Onofre, 1x0. Após o jogo, uma multidão de mexicanos invadiram as ruas da capital do país festejando a vitória como se a seleção local tivesse ganho a competição. Na outra partida da chave, Argentina e Portugal travaram uma luta de nervos e o 2x2 ficou de bom tamanho para ambos. Os argentinos que tinham velhos conhecidos dos brasileiros (Madurga, Perfumo, Brindisi, Fisher, Oscar Más e o goleiro Cejas) eram durões e jogavam na base da marcação cerrada e até com uma certa dose de violência nas faltas cometidas e isso marcou o confronto contra os mexicanos que acabou empatado em 0x0, desfalcando inclusive o herói local Onofre, que foi cassado ainda no primeiro tempo com duas fraturas na perna, e teve ainda três jogadores expulsos. Já os portugueses de Eusébio "Pantera Negra" e contando com a base de 66 (mas que visivelmente era desfavorecida pelo alto calor mexicano), venciam os soviéticos por 1x0. Na última rodada, os argentinos precisariam vencer o time russo para se classificar e torcer por um tropeço lusitano no jogo contra o México. Não deu certo, apesar do México ter dado uma mãozinha e ter desencantado com 3x0 sobre Portugal, gols de Valdívia, Fragoso e González, a desfalcada Argentina foi derrotada por 2x0 pelos soviéticos com dois gols de Byschovets e foram eliminados. O México ficou em primeiro no grupo com 5 pontos ganhos e Portugal conseguiu a segunda posição marcando 3 pontos.
O Grupo 2, sediado no Estádio Jalisco de Guadalajara, o "grupo da morte" como a imprensa da época classificou: Inglaterra (campeã mundial), Itália (campeã européia) e Hungria (campeã olímpica) dividiam a mesma chave. "Pobre Peru", era o que todos diziam, mas o brasileiro Didi, que treinava o time tinha garantido: "Nós vamos surpreender e iremos bem longe". Ele tinha razão, o clima mexicano (era verão no hemisfério norte) contribuiu e muito para o desempenho peruano na competição. O time composto por Chumpitaz, Mifflin, Baylon, Cubillas e o goleiro Rubiños, estavam todos eles muito bem hospedados no Hotel El Caribe e concentrados no Clube Providência. Sob um calor de 30 graus, o Peru estreou fazendo 3x1 na Hungria, dois gols de Cubillas e um de Challe, enquanto que a Inglaterra fazia 3x2 numa Itália dividida, pois as principais estrelas do time Gigi Riva e Gianni Rivera eram desafetos declarados fora das quatro linhas e não queriam jogar juntos. A solução encontrada pelo técnico Ferruccio Valcareggi era o revezamento, um era titular e o outro ficava no banco, só entrava na hora do sufoco. Na rodada seguinte, novo triunfo peruano sobre a debilitada Itália, 2x1, gols de Perico León e Gallardo, e os ingleses, enfrentando as vaias da torcida mexicana, conseguiram uma vitória calculista de 2x0 sobre os húngaros. Eliminados, Itália e Hungria jogaram para cumprir tabela e os italianos puderam finalmente exibir o bom futebol que lhe renderam o título da Copa da Europa dois anos antes, 3x2, gols de Domenghini, Burgnich e Rivera. Classificados, Peru e Inglaterra jogaram para decidir quem ficaria em primeiro lugar e escaparia de um duelo contra os donos-da-casa na fase seguinte. Numa partida duríssima, os ingleses controlaram o jogo o tempo todo, perdendo um gol atrás do outro, mas num lance de bola parada a um minuto do final, o Peru surpreendeu e fez o Estádio Jalisco explodir de alegria com o único gol do cotejo, 1x0, do quarto zagueiro Chumpitaz, num chute violento no ângulo, e conseguiu 6 pontos na chave contra 4 dos adversários. O lance fez o goleiro Gordon Banks deslocar o braço direito tamanho esforço e o fez ficar fora pelo resto do torneio, cedendo a posição para o reserva Peter Bonetti.
Finalmente, no Grupo 4, no Estádio Municipal de León, uma barbada, Alemanha Ocidental e Uruguai passariam sem dificuldades para a fase seguinte se julgarmos a fragilidade de seus adversários: Bulgária e El Salvador. Só que alemães e uruguaios, por conta do sorteio dos grupos, teriam que se enfrentar primeiro e dali conheceríamos quem poderia escapar de um eventual duelo contra o favorito Brasil. A Alemanha dominou o jogo e venceu apertado por 2x1, gols de Uwe Seeler e Gerd Müller, enquanto que os búlgaros não tiveram dificuldades para passar pelos estreantes salvadorenhos, 3x0. Na rodada seguinte, a Alemanha fez 5x2 na Bulgária e o Uruguai teve dificuldades para passar por El Salvador, mostrando que o time não estava correspondendo o esperado, 2x0, gols de Maneiro e Mujica, e decepcionava torcida e imprensa local, que tinham absoluta certeza de que a Celeste arrasaria nos gramados mexicanos. Na última rodada, os reservas alemães massacraram os salvadorenhos por 5x1 e os uruguaios penaram e precisaram apelar para a "raça celeste" que ganhou a Copa de 50 para bater os búlgaros por 3x2, num jogo em que chegaram a perder por 2x0 no começo do segundo tempo por conta de um frango histórico cometido pelo goleirão Mazurkievicz após cobrança de falta do búlgaro Bonev e a bola escapara de seus braços. Mas quem salvou o Uruguai do vexame foi o reserva Espárrago, que entrou a 15 minutos do fim do jogo e logo marcou o gol da vitória. No final das contas, a Alemanha obteve 6 pontos e o Uruguai conseguiu "apenas" 4.
Começaram as quartas-de-final e o jogo que mais se falou nos arredores mexicanos era o duelo entre México e Inglaterra. A imprensa local criou um clima de guerra em torno da partida, até porque como dissemos a torcida anfitriã elegeu o English Team como os "vilões" da Copa e passaram a torcer pra qualquer time que os enfrentassem, sonhavam em duelar com os próprios e esse dia chegou. Prematuramente, mas chegou. O que fez os outros jogos não despertarem o mesmo interesse, nem mesmo Brasil e Uruguai, na primeira vez em que os dois times se defrontavam na Copa pós-1950. Mais de 107 mil pessoas superlotaram o Azteca esperando o time do México, ainda desfalcada de Onofre, mas depositando as esperanças no artilheiro local Enrique Borja, acabar com a raça dos ingleses, ledo engano: Peña chegou a desperdiçar um pênalti duvidoso no primeiro tempo, ele encheu o pé e a bola raspou a tinta do travessão de Bonetti indo para fora. Na etapa complementar, os ingleses se aproveitaram do cansaço do adversário e viram um meio-campo livre para fazer um inacreditável 3x0 até com certa facilidade, gols de Hurst, Bobby Charlton e Clarke de pênalti num curto espaço de tempo de 10 minutos, além de terem cometido 19 faltas nos últimos 25 minutos de jogo para impedir a tentativa de reação dos donos-da-casa. Comparo esse jogo com o do Brasil e Uruguai de 1950, o silêncio foi absoluto e a tristeza tomou conta do país inteiro no jogo que foi apelidado de Aztecasso. Enquanto isso em Puebla, os uruguaios sonhavam com um Cuautemocasso quando fizeram 1x0 no primeiro tempo, gol de Cubilla num chute despretensioso que traiu o golpe de vista de Félix. Mas o Brasil reagiu e empatou antes do intervalo em 1x1, num chute poderoso de Clodoaldo quando os uruguaios se fecharam todo na defesa, mas se descuidaram da esquerda, para definir os 3x1 sobre o adversário num segundo tempo muito tenso, mas com total tranquilidade quando Jairzinho, num drible em que ele quase quebrou a espinha de seu marcador, e Rivelino, após receber um passe açucarado de Pelé, definiram a vitória, diante dos poucos espectadores (precisamente 500 corajosos transeuntes) que lá estavam assistindo a esse grande jogo ao mesmo tempo em que ouviam pelo rádio a partida do Azteca. Só no final entraram Marco Antônio e Paulo César Caju no lugar de Everaldo e Jairzinho. Pelé aprontou três vezes contra os pobres uruguaios em lances antológicos que não deram em gol: primeiro, recebeu a bola antes do meio-campo e viu Mazurkievicz adiantado tentando um gol impossível, mas passou a um palmo da trave. Depois, aproveitou um tiro de meta mal batido pelo mesmo Mazurkievicz e bateu de primeira sem sucesso, e finalmente um drible de corpo contra o goleiro uruguaio sem tocar na bola, mas quando chutou de primeira, ela passou a centímetros da trave. E apesar da comoção mexicana pela desclassificação na Copa, os alemães mais tarde também garantiam sua vaga para as semifinais com 3x1 sobre a Espanha em León, gols de Seeler, Müller e Beckenbauer, e o Peru deu um show em Guadalajara metendo 3x0, gols de Gallardo, Chumpitaz e Cubillas, no desgastado time de Portugal, que por estarem despreparados para aguentar a altitude mexicana (e o peso da idade de certos "medalhões"), não puderam mostrar seu melhor futebol, nem mesmo Eusébio, capitão do time, que pediu pra sair logo no início do segundo tempo, fazendo assim seu último jogo numa Copa do Mundo.
Chegaram as semifinais, de um lado Brasil e Inglaterra no Azteca e do outro, Alemanha e Peru em Guadalajara. Dois grandes confrontos. A torcida mexicana palpitava em uma final entre Brasil e Peru por causa do clima que ajudara os sul-americanos durante todo o transcorrer do torneio. Na véspera das semifinais, os ônibus de Puebla para Cidade do México ficaram superlotados de torcedores brasileiros e isso levou muitas pessoas a alugarem táxis como o casal Wellignton e Marlene, mas Capixaba alugou um Mustang e me convidou para uma carona para ir com ele até a capital mexicana logo de manhã cedo, bem no dia do jogo. Foi uma tremenda aventura e chegamos bem na hora em que seria dado o pontapé inicial. E então, o jogo do Estádio Azteca despertou enorme interesse e os mexicanos passaram a torcer para os brasileiros como se vingassem o tal Aztecasso e o Brasil sofreu nas mãos de Peter Bonetti, o goleiro inglês que protagonizou a maior defesa da história numa cabeçada fulminante de Pelé. O Brasil demorou pouco mais de 5 minutos para voltar a campo para o segundo tempo, isso porque no intervalo (pude apurar o fato horas depois), Saldanha estava discutindo com o General Médici pelo telefone por conta do 0x0. Médici cobrava toda hora do técnico brasileiro a não-convocação de Dario (que nas propagandas da época se auto-intitulava "representante do Rei Pelé no Brasil, enquanto ele estiver em missão no México") e que brasileiro não queria saber de jogo bonito, quer mesmo é saber de gols. "Você tinha que fazer esse mineirinho de merda tomar a coroa do Pelé. Da mesma forma que eu não entendo de política, o senhor não entende nada de futebol. Então, quer saber de uma coisa? Eu não me meto no seu ministério e o senhor não se mete no meu time!", teria reclamado Saldanha batendo o telefone na cara do presidente. Voltando ao gramado, o jogo foi realmente difícil até os 14 minutos do segundo tempo quando Jairzinho fez o gol da vitória, 1x0, após assistência de Pelé que recebeu de Tostão, após jogada que enfileirou três ingleses, levando a loucura os 105 mil espectadores presentes. Pouco antes de construir a jogada do gol da vitória, Tostão viu Toninho Guerreiro no aquecimento e fez Saldanha a voltar atrás com a alteração, obrigando-o a fechar a retaguarda para garantir o resultado, Joel Camargo e Djalma Dias no lugar de Everaldo e Piazza. Só que aos 41 minutos do segundo tempo, um susto para milhões de pessoas que acompanhavam o jogo pela televisão: o sinal via-satélite que permitia a exibição de Brasil e Inglaterra caiu, provocando o fim da transmissão, deixando os brasileiros apreensivos pelo final de jogo. Minutos depois foi esclarecido que o tempo do sinal de satélite do México para o Brasil estava rigorosamente cronometrado em 120 minutos, o sinal era aberto 10 minutos antes do início dos jogos e caía 5 minutos após o fim de cada partida. E como a nossa seleção tinha voltado ao gramado com atraso para a etapa complementar e não houve tempo para uma reserva de acréscimo de minutos por parte da EMBRATEL em caso de prorrogação, obrigou muita gente do Brasil a ligar o rádio como antigamente para só extravasar a alegria pela vaga na final da Copa após o apito final do juiz.
Depois, em Guadalajara, diante de 72 mil pessoas, alemães e peruanos fizeram o que chamaram de "final antecipada", pois os dois times tinham vencido todos os jogos até ali e um deles passaria para a final contra o Brasil. Na Bolsa de Apostas de Londres, o favorito era o Peru, cotado a 3 por 1 porque se conseguiram vencer a favorita Inglaterra e outras equipes europeias, poderiam surpreender os fortes alemães. Os mexicanos demonstraram apoio ao time de Didi trazendo uma enorme faixa no Estádio Jalisco escrito "Guadalajara con Peru". O jogo prometia ser equilibrado, mas mesmo contando com a torcida local, os peruanos não conseguiram deter a "pragmática alemã", ou melhor, Gerd Müller, o carrasco do Peru, autor dos três gols tedescos na vitória por 3x1, enterrando de vez o sonho andino. O resultado fez os peruanos enfrentarem novamente os ingleses, mas pela decisão do terceiro lugar na véspera da grande final, e os reservas da Inglaterra conseguiu bater os desinteressados peruanos, que jogaram com time completo, 2x1, gols de Mullery e Peters. Nesse jogo, o ponto curioso ficou com a cor das camisas dos dois times: se na primeira fase os peruanos jogaram de branco e os ingleses de vermelho, na partida do terceiro lugar as cores se inverteram, os peruanos jogaram de vermelho e os ingleses de branco. Parece que o branco deu sorte e o vermelho deu azar.
21 de junho de 1970. Chegou o dia da grande finalíssima da nona Copa do Mundo, que ficou entre Brasil e Alemanha Ocidental diante de um Estádio Azteca com lotação recorde, mais de 110 mil espectadores. Na manhã que antecedeu a histórica partida, marcada para as 14 horas no horário local e 17 horas no horário de Brasília, Wellington tinha colocado uma fitinha verde-amarela e viu Marlene sair do banheiro com uma camisa amarela, calça preta e sapatos vermelhos (as cores da bandeira alemã). Surpreso, ele perguntou se ela ia daquele jeito e aí desencadeou a discussão:
- Claro! Nós vamos torcer pra Alemanha! Ela não pode ser uma experiência social perfeita, mas é muito superior que ao nosso regime de exceção...
- Olha Marlene, eu também detesto a ditadura, também porque lugar de militar é no quartel, mas aqui é diferente, é um jogo de futebol!
- Olha Marlene, eu também detesto a ditadura, também porque lugar de militar é no quartel, mas aqui é diferente, é um jogo de futebol!
- Não é não, Wellington, tudo está interligado, cada mínima atitude nossa tem de ter lógica e coerência. Se o Brasil ganhar, os milicos vão se aproveitar, por isso seremos Alemanha desde criancinha!
"Esse time não pode perder!", bradou Capixaba, meu bom amigo, assim que o juiz determinou o início do jogo. A disputa se transcorria como se previa, brasileiros e alemães lutando para ganhar, mas aos 18 minutos, a primeira explosão de alegria: ao receber um excelente passe de Tostão pela esquerda, Pelé, livre de marcação e driblando o goleiro Sepp Maier, abre o placar para o Brasil, 1x0. 35 minutos, Clodoaldo perde a bola quando pensava em fazer uma "chaleira", a defesa brasileira saiu apavorada com o contra-ataque alemão que resultou na conclusão para um gol vazio do artilheiro Gerd Müller. Jogo empatado, 1x1. Wellington fazia qualquer coisa para agradar a Marlene, e então teve que tremular uma bandeirinha alemã a contragosto enquanto via sua amada vibrando com o gol de empate. Veio então o segundo tempo, Saldanha não mexe no time contrariando os comentários dos especialistas que estavam cobrindo a decisão, apenas deu uma bronca na equipe nos vestiários. Aos 27 minutos, Gérson, faz um cruzamento na medida para Jairzinho, ele mata no peito e dispara um sem pulo no canto direito de Sepp Maier, 2x1. "Jairzinho Furacão! Jairzinho Furacão!" gritava sem parar um enlouquecido Geraldo José de Almeida. Wellington então disfarçava sua alegria contida a Marlene dizendo "Droga! Droga! Esse goleiro não tem condições! Ninguém marca direito, assim vamos perder, caramba!". A frase foi uma premonição do que viria minutos a seguir. Aos 39 minutos, o treinador alemão Helmut Schöen coloca em campo o curinga do time Libuda (destaque alemão na primeira fase) no lugar do contundido Beckenbauer, que estava com a clavícula fraturada após simular uma falta, sendo esta a única alteração nos 90 minutos. E foi numa jogada dele pela esquerda, no minuto final da partida (quando a torcida brasileira começava a comemorar o tricampeonato), se livrando de Clodoaldo que resultou no gol de empate de Schnellinger, que correu desesperado do meio-campo para receber a bola e mandar um tirambaço de canhão indefensável a Félix.
Os 90 minutos daquela final terminaram em 2x2 e o título foi disputado na única prorrogação de toda aquela Copa, justamente naquela decisão. Marlene vibrou de tal forma que cantou bem alto a Internacional Comunista assim que o empate aconteceu. Abraçou forte Wellington e lhe beliscou um longo beijo de cinema que durou até o início da prorrogação. Capixaba estava bastante rouco de tanto gritar, a camisa rasgada e encharcada de suor, xingava sem parar, batia seu sombreiro no chão, olhava para cima e para os lados distraído e não se movia enquanto a prorrogação não começava. No gramado, Saldanha determinava a Mário Américo, Nocaute Jack e Admildo Chiról a não oferecerem água ou toalhas umedecidas aos jogadores pois, segundo ele, as "feras" estavam com a taça nas mãos e não se conformava com o empate no fim do jogo alegando que "a Alemanha não é de nada, eles tiraram o pão da nossa boca". Desse modo, as "Feras do Saldanha" foram castigadas por não se reidratarem e serem obrigadas a darem o máximo de si sob um sol escaldante de precisos 38 graus. Clodoaldo foi mais castigado ainda, responsável por ceder o empate alemão, teve que ser substituído por Dirceu Lopes antes de começar a prorrogação. Cinco minutos depois do início, a Alemanha Ocidental já estava em vantagem no placar: confusão na área, falha na defesa e a bola bate em Overath, ela chorou para entrar e Félix se esforçou ao máximo para evitar o gol. Em vão, 3x2. Marlene e Wellington estavam aos beijos como nos velhos tempos de namoro e Capixaba logo foi tomado pela tensão, enterra seu sombreiro até o pescoço apertando suas abas enfeitadas de fitinhas verde-amarelas. Saldanha não se conforma e coloca Leão no aquecimento só pra provocar o Félix. A tática da Alemanha era segurar o resultado do jeito que podia, na base da retranca, só que o clima e a torcida favoreciam aos brasileiros e a um minuto do fim do primeiro tempo da prorrogação, Rivelino cruza para Pelé e acerta uma cabeçada firme contra o goleiro alemão. Capixaba pula e grita "gol de Pelé!!!" com aquele seu sombreiro voando para todos os lados. 3x3, tudo igual novamente.
Quando os times iam mudar de lado, vejo próximo a mim um cidadão loiro acendendo um cigarro com mãos trêmulas. Devia ser alemão. No segundo tempo da prorrogação, Rivelino estava atuando muito mal, chutando as bolas que vinham a sua direção para os ares e isso levou Saldanha a mexer de novo no time, colocando-o Rildo em seu lugar. E logo deu resultado, Rildo enfileirou quatro alemães na sequência da jogada que representaria a explosão máxima de alegria no Estádio Azteca. Eram seis minutos, Pelé recebe de Jairzinho e serve ao capitão Carlos Alberto Torres para mandar o petardo para as redes alemãs. Pronto, as "Feras do Saldanha" conseguiram uma histórica vitória (de virada) por 4x3. A emoção contagiou a todos, inclusive Wellington que gritou "Brasil!!!" e ouviu a seguinte bronca de Marlene: "Ou você para com isso ou a gente acaba tudo agora mesmo. Ou eu ou essa seleçãozinha!". A comemoração durou mais de um minuto, procurando esfriar a Alemanha Ocidental e ter o total controle de jogo. Foi aí que se seguiram os 10 minutos mais longos da história do futebol brasileiro, Tostão já até chorava em campo, o juiz teve que descontar mais um minuto além do tempo regulamentar da prorrogação e o banco de reservas inteiro só pensava no fim daquilo tudo. Saldanha surtou, se levantou do banco de reservas xingando sem parar o juiz e os jogadores alemães e quase foi expulso de campo.
E então, passados 16 minutos, o juiz vai ao centro-de-campo e apita o fim do jogo e de mais uma Copa do Mundo. Everaldo desmaiou e logo foi carregado por Carlos Alberto, enquanto que Félix levantava os braços e berrava chorando: Ganhamos! Ganhamos!. Capixaba já estava próximo ao gramado e corria feito doido em direção a Pelé envolvendo-o em seus braços e carregando-o nos ombros para uma volta olímpica improvisada assim que o jogo acabou, sendo acompanhado por uma verdadeira multidão de pessoas. Wellington também invadiu o campo em meio a alegria brasileira que contagiou o Azteca. Brasil, tricampeão do mundo, faturou em definitivo a Taça Jules Rimet! O caneco era nosso! Os mexicanos gritavam "Brasil! Brasil! Brasil!" enquanto que Capixaba cumpria sua promessa, acompanhado de Wellington: atravessar o campo de joelhos. "Esse time não podia perder!" bradava Capixaba no fim da travessia e, vencido pela emoção com lágrimas nos olhos, desmaiou. "E não perdeu!", replicou Wellington, imediatamente amparado por uma enfermeira muito simpática chamada Dolores, que o acompanhou na festa daquela noite e logo se casaram. E quanto a Marlene? Ao deixar o estádio após o jogo, eu vi uma mulher se atirando do alto da marquise, não duvido que seria a Marlene revoltada pela vitória do Brasil, e nunca mais se soube dela. Dizem que hoje ela é astróloga e que fora resgatada naquele dia da final por uma outra comunista de esquerda, que atualmente é "professora doutrinária", com quem ela mora até hoje. Vai entender esses esquerdistas, a vida para eles é um eterno estupro, acho que a Marlene foi "abusada" enquanto que Wellington estava na Inglaterra. Já o Capixaba, nunca mais o encontrei depois que eu me despedi dele no aeroporto, ainda emocionado com a conquista do tricampeonato. Mas após um breve tempo soube que ele tinha morrido na sarjeta, de ataque cardíaco fulminante. E como ficou a história daquela "certinha" da "casa de serviços noturnos", sósia da Marilyn Monroe, que marquei um encontro logo quando cheguei para cobrir a Copa? Já tava até me esquecendo, no encontro que tive com ela, logo nos demos muito bem, ela se apaixonou por mim mais do que eu por ela, tivemos uma "noite de amor" e a garanti que se o Brasil ganhasse a Copa, a pediria em namoro e a levaria junto pra morar comigo no Brasil. "É melhor correr logo pois a fila tá andando e a concorrência é enorme", ouvi dela. Assim que o Brasil conquistou a Copa, tentei entrar em contato com a moça, mas a madame responsável pelos "serviços noturnos" me falou que ela não mais prestava serviços à firma e tinha se mudado para Hollywood, Estados Unidos, faziam algumas semanas, justamente para trabalhar num restaurante-retrô atuando como Marilyn Monroe. "Foi proposta irrecusável", disse a madame. Foi a única tristeza que senti em meio as comemorações do Tri.
Na volta pra casa, um duro golpe para João Saldanha: quando foram recebidos pelo presidente Médici em Brasília, lá estava Dario com uma coroa na cabeça e um cetro nas mãos sendo ovacionado pelos torcedores na Praça dos Três Poderes: "Dadá! Dadá! Dadá!". Quando chegou a vez de Pelé ser condecorado, Dadá Maravilha "devolveu" a coroa e o cetro para seu verdadeiro dono alegando que "Enquanto o Rei tinha uma missão a cumprir fora do país, o Brasil tinha aqui seu representante. Quando o Pelé parar de jogar, peçam a ele devolver a coroa e o cetro aqui pro Rei Dadá". Saldanha, revoltado com o mimo do presidente, foi embora sem ninguém ter notado, até porque ele era "ignorado" pelas autoridades e não receberia condecoração pela conquista. Pegou um voo de volta para o Rio de Janeiro e logo recebeu um telefonema de que "de agora em diante" não era mais técnico da Seleção Brasileira (sendo substituído por Zagallo) só porque não incluiu Dario na galeria dos tricampeões e o João Sem Medo teria reagido à altura: "Eu não sou sorvete pra ser dissolvido". Não foi a versão oficial, mas foi o que a "imprensa podre" espalhou. Tentei até marcar uma entrevista com o Saldanha após a conquista do Tri e esclarecendo essas polêmicas, mas não consegui, ele jamais desmentiu tal fato. Mas, bem da verdade, se foram as "Feras" dele que ajudaram o Brasil na conquista do tricampeonato, com certeza foi o que aconteceu.
Como Seria o Calendário de Jogos e seus Resultados:
Primeira Fase:
31/05 - 17h00: México 1x0 União Soviética (Cidade do México)
02/06 - 15h00: Brasil 2x0 Marrocos (Puebla)
19h00: Inglaterra 3x2 Itália (Guadalajara)
Uruguai 1x2 Alemanha Ocidental (León)
03/06 - 15h00: Argentina 2x2 Portugal (Cidade do México)
El Salvador 0x3 Bulgária (León)
19h00: Hungria 1x3 Peru (Guadalajara)
Espanha 2x1 Iugoslávia (Puebla)
06/06 - 15h00: Itália 1x2 Peru (Guadalajara)
Uruguai 2x0 El Salvador (León)
19h00: União Soviética 0x1 Portugal (Cidade do México)
Marrocos 1x1 Iugoslávia (Puebla)
07/06 - 15h00: México 0x0 Argentina (Cidade do México)
Inglaterra 2x0 Hungria (Guadalajara)
19h00: Brasil 4x0 Espanha (Puebla)
Alemanha Ocidental 5x2 Bulgária (León)
10/06 - 15h00: União Soviética 2x0 Argentina (Cidade do México)
Alemanha Ocidental 5x1 El Salvador (León)
19h00: Itália 3x2 Hungria (Guadalajara)
Marrocos 0x1 Espanha (Puebla)
11/06 - 15h00: Peru 1x0 Inglaterra (Guadalajara)
Bulgária 2x3 Uruguai (León)
19h00: Portugal 0x3 México (Cidade do México)
Iugoslávia 2x2 Brasil (Puebla)
Quartas-de-Final:
14/06 - 15h00: México 0x3 Inglaterra (Cidade do México)
Brasil 3x1 Uruguai (Puebla)
19h00: Peru 3x0 Portugal (Guadalajara)
Alemanha Ocidental 3x1 Espanha (León)
Semifinais:
17/06 - 15h00: Inglaterra 0x1 Brasil (Cidade do México)
19h00: Peru 1x3 Alemanha Ocidental (Guadalajara)
Decisão do Terceiro Lugar:
20/06 - 17h00: Inglaterra 2x1 Peru (Cidade do México)
Final:
21/06 - 17h00: Brasil 2x2 Alemanha Ocidental (Cidade do México)
(na prorrogação: Brasil 2x1, sendo 4x3 no agregado)
Classificação Final:
1) Brasil
2) Alemanha Ocidental
3) Inglaterra
4) Peru
5) México
6) Uruguai
7) Espanha
8) Portugal
9) União Soviética
10) Bulgária
11) Itália
12) Iugoslávia
13) Argentina
14) Marrocos
15) Hungria
16) El Salvador
Classificação Final:
1) Brasil
2) Alemanha Ocidental
3) Inglaterra
4) Peru
5) México
6) Uruguai
7) Espanha
8) Portugal
9) União Soviética
10) Bulgária
11) Itália
12) Iugoslávia
13) Argentina
14) Marrocos
15) Hungria
16) El Salvador
BRASIL, TRICAMPEÃO DO MUNDO!!!
PARABÉNS CANARINHOS!!!