HISTÓRIA: Semana Maldita na Globo

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sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

TOP 10: As Novelas Que Foram Parar na Gaveta

Pela primeira vez, o blog ÊHMB De Olho na TV vai dedicar uma postagem inteirinha sobre o gênero de programação campeão de audiência em toda a história da televisão: a teledramaturgia, mas especificando, a NOVELA. E porque a novela é importante? Boa pergunta, é importante porque ela diverte, emociona, instrui, entretêm, reflete o mundo que vivemos, propõe debates, enfim, representa a fuga da realidade cruel que vivemos para sermos envolvidos e cativados para uma realidade que não deixa de ser até certo ponto, dependendo da história e do contexto em que se passa, mesmo que seja apenas obra de ficção. Pode ser numa época distante ou no reino do faz-de-conta, um melodrama lacrimejante ou de engajamento ideológico, há novela pra todos os gostos, pra todos os tipos de público e pra todas as idades, seja homem ou mulher, mas precisa resgatar a sua essência. Uma vez o papa da televisão José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, disse que "qualquer novela em qualquer canal, com um bom autor e um bom ator, sempre dará audiência". E por trás de uma trama que prende a atenção tanto pela estética quanto pelas histórias que são apresentadas, revela-se um enorme trabalho envolvendo centenas e centenas de pessoas. Confira os números abaixo:

- Uma novela tem em média 180 capítulos
- Cerca de 30 personagens principais
- Média de 200 figurantes por novela
- Aproximadamente 6 núcleos de 5 personagens cada
- Jornada de trabalho de atores e diretores são de 6 horas por dia
- Os textos são escritos em 30 dias e entregues 10 dias antes das gravações
- Cada capítulo escrito contém em média 20 laudas com 40 linhas cada uma
- Entre pesquisas e reavaliações de texto, os autores levam 6 meses ou mais para preparar uma sinopse

Mas nem tudo é moleza (e flores). Muitas vezes, as emissoras solicitam temas por encomenda a seus novelistas. Eles trabalham meses a fio e quando parece que o trabalho vai finalmente sair do papel, uma série de imprevistos impedem sua realização, contrariando a vontade não só dos escritores, mas também de uma equipe previamente escalada, que vai de diretores, técnicos e atores, que acabam levando a pior. Por esse motivo, apresento a vocês mais um top 10, desta vez de novelas que foram parar na gaveta. A lista é enorme, mas peneirei 10 tramas com histórias bem interessantes, pré-produções consideráveis e obedecendo os seguintes critérios que adotei: sinopse, enredo, elenco, equipe e pré-produção. Aquelas que contém histórias cruas e superficiais, uma pequenina ideia que seja, tive que descartar. As novelas que vocês verão abaixo dariam perfeitamente para a montagem de um núcleo de teledramaturgia de uma nova emissora de TV. Confiram!

10) O Amante - Rede Manchete, 1998
O saudoso Walter Avancini (foto), então diretor de teledramaturgia da Manchete, era o único otimista que acreditava que a emissora dos Blochs superaria a crise, desenvolvendo até a ideia original ainda crua de uma novela infantil que se passaria no Século XIX: A Queridinha, que seria estrelada por Debby Lagranha. Em agosto, em meio aos problemas que comprometeram a produção de Brida, Avancini foi procurado por Alexandre Hanszmann, então diretor da produtora independente paulista Chroma Filmes (que prestou serviços à Manchete produzindo a série A Turma do Arrepio), de que sua esposa Sandra Hanszmann desenvolveu o interessante enredo de um imigrante libanês que mal chega ao Brasil, logo se envolve com duas mulheres ao mesmo tempo e que o romance se passaria em Salvador e Ilhéus. Em cima disso, surgiu a ideia de uma co-produção entre a produtora, que se responsabilizaria pelos custos de produção, e a emissora, visando diluir gastos nos momentos de agonia (leia-se terceirização), a exemplo do que tinha ocorrido em 1994 quando a TV Plus produziu 74.5 - Uma Onda no Ar. Del Rangel foi escolhido para dirigir O Amante, mas a ideia não saiu do papel por conta dos problemas administrativos que agravaram fortemente a Manchete, fechando suas portas em 1999.

9) Vivendo o Amor - Rede Record, 2010
Margareth Boury, filha do diretor Reynaldo Boury, desenvolveu cinco projetos, sendo duas sinopses originais e três adaptações, já que a "prepotência televisiva" tinha firmado parceria com a rede mexicana Televisa para a nacionalização de alguns textos latinos. Um desses enredos originais estava em fase de aprovação quando pintou o acordo. A autora, então, propôs um concurso interno entre funcionários na RecNov do Rio de Janeiro para a escolha de qual sinopse seria produzida naqueles estúdios. Venceu Vivendo o Amor, uma adaptação de Cuidado Con El Ángel, que conta a história de Malu, uma moça que é criada num orfanato, mas foge e se mete numa briga de rua. Ela então é julgada pelo seu pai biológico, o juiz Patrício (sem desconfiar da paternidade), mas se apaixona pelo seu advogado de defesa, João Miguel, cuja esposa morre num acidente, com quem se casa. Mas a sogra se mete na vida de Malu e faz a moça a fugir novamente e morar na casa do juiz Patrício. Ela engravida quando sabe dos segredos obscuros do ex-marido e a leva a mudar de cidade quando conhece um amigo de João Miguel e o triângulo amoroso é desencadeado. Ivan Zettel dirigiria a trama com Edwin Luisi, Cristina Mullins, Juliana Silveira, Lana Rodes, Cacau Mello e Roger Gobeth no elenco. Maytê Piragibe teve que recusar o papel da protagonista por estar grávida. A "emissora de placa de igreja" cedeu a pressão da Televisa que alegava que as tramas já traduzidas em português não eram tão comerciais quanto a sua "galinha dos ovos de ouro" chamada Rebelde, que acabou sendo o fenômeno da época e todo elenco e cenografia tiveram de ser remanejados. Em compensação, o SBT exibiu a versão original em 2013 traduzida literalmente como Cuidado Com o Anjo e protagonizada pela ex-RBD Maitê Perroni (linda morena caucasiana que faz meu tipo de mulher e muito pouco valorizada nos tempos de RBD, na qual tinha que dividir atenção com as superestimadas Anahí e Dulce María).

8) Carrancas - Rede Manchete, 1994
Disposta a encontrar uma luz no fim do túnel e recém-superada judicialmente da traumática venda para o Grupo IBF, a Manchete recebeu uma interessante proposta de sinopse da autora Regina Braga (não confundir com a atriz homônima) que fazia lembrar seu grande sucesso Pantanal. Carrancas se passaria na década de 70 envolvendo conflitos entre latifundiários, mas seu pano de fundo seria um bebê marcado para morrer que é socorrido por uma mulher, que o lança em um cesto no Rio São Francisco (uma referência à história bíblica de Moisés) sendo encontrado por um grupo de prostitutas. O garoto cresce e tenta descobrir sua origem, percorrendo paisagens que passam pelos estados de Minas Gerais, Alagoas, Bahia e Sergipe, por onde passa o "Velho Chico" e o enredo previa a exploração dessas imagens bucólicas, algo comum em Pantanal. O alto custo de um enredo muito denso, levou a emissora carioca a buscar uma parceria com uma produtora de cinema européia contando com a participação de atores franceses e espanhóis, entre eles o ator francês Tcheky Karyo (de A Grande Arte) para o papel principal. O ar cinematográfico da trama mereceria a direção de uma experiente no ramo, Tizuka Yamazaki, que dirigiu Kananga do Japão e Amazônia, mas nenhum cineasta europeu apostou no projeto de TV e Regina Braga teve de esperar três anos para apresentar tal sinopse em outra emissora.

7) Milagres de Amor - Rede Bandeirantes, 1997
Regina Braga estava agora na Band, mas na função de colaboradora de Alcione Araújo para escrever A Idade da Loba em 1995. Porém, teve a oportunidade de apresentar projetos solos para a emissora do Morumbi, que na época contava com parceria da produtora independente TV Plus nesse setor. Carrancas foi um deles, mas o alto orçamento a levou a desenvolver a sinopse daquilo que ela considerava "uma novela mágica": Milagres de Amor, que contaria com direção de Jayme Monjardim (foto). Na fictícia cidade de Rio das Pedras, ocorria a obsessão passional de Sônia por João, que se casaria com Ana, e que apela para sua avó para desenvolver um ritual de magia negra contra a esposa de seu amado, jurando sua morte, mas o feitiço dá errado e atinge João, deixando sua viúva grávida. Na passagem do tempo, o tal ódio de Sônia seria transferido para sua filha adotiva Felícia contra Cristina, filha de Ana com João. E então, o conflito entre ambas evocaria o uso de símbolos místicos, prevendo inclusive aparições de Nossa Senhora Aparecida e de seu contraponto, Satanás. Nos bastidores, a sinopse original de Milagres de Amor estava sendo disputada com o remake de Uma Rosa com Amor de Lauro Cézar Muniz, mas nenhum deles saiu do papel pelo fato da Band romper a parceria com a TV Plus para diluir gastos (a emissora paulista só voltaria às novelas em 1998 com Serras Azuis). Regina Braga morreu em novembro de 1999 carregando a estigma de ser a novelista mais injustiçada da TV brasileira, sendo relegada a condição de co-autora e sem a chance de poder emplacar enredos próprios (chegou a adaptar o texto original de Janete Clair para a segunda versão de Selva de Pedra, em 1986, junto com Eloy Araújo). Se fosse ao ar nos dias de hoje, Milagres de Amor criaria muita polêmica gerando debates entre religiosos e esotéricos, mas atiçaria mesmos os mimimis dos pentecostais de plantão daquela igreja comunista do satânico Dr. Macedo, talvez aliado com as lendárias e pudicas Senhorinhas de Santana, forçando inclusive o fim abrupto da novela alegando que ela estaria promovendo a "desevangelização do povo brasileiro".

6) Segredo - SBT, 1998
Walcyr Carrasco (foto), o qual considero o melhor novelista da atualidade, tinha acabado de escrever a bem-sucedida Fascinação e preparava com seu então braço-direito Mário Teixeira a sinopse de uma trama com título bem sugestivo: Segredo. Se passaria na década de 50 em torno do playboy João Paulo, frequentador assíduo do high-society paulista que se torna amante de uma ex-modelo casada, só que ela vira sua conselheira sentimental. Pressionado pelo avô rico, João Paulo tem de se casar e conhece uma humilde moça do interior para poder ter o direito à herança prescrito em contrato. Os noivos que iniciam um relacionamento frio, logo vivem um romance ardoroso e arrebatador. Prevista para ter 154 capítulos, Carrasco tinha ainda planejado um núcleo com crianças e outro cômico que seria centrado numa pensão, ideia esta aproveitada em Alma Gêmea de 2005. A pré-produção deu-se início em agosto, com estreia programada para outubro, e a equipe buscava jovens principiantes para encabeçar o elenco, procedimento muito bem utilizado em Fascinação, mas devido ao alto custo de produção, o novelista procurou reformular toda a obra trazendo-a para a atualidade e acompanhar pessoalmente todo o processo de criação do texto. O projeto todinho pronto foi interrompido pelo SBT quando estourou a notícia de que Walcyr Carrasco negociara sua transferência para a Globo. Para suceder Fascinação, o SBT colocou no ar Pérola Negra, totalmente gravada e Segredo, mesmo com a assinatura do Global Walcyr Carrasco, é de posse do SBT. Quem sabe um dia, Silvio Santos larga de ser mão de vaca e "pague a multa" para trazer o novelista (e seu "toque de Midas") de volta para que a novela deixe de ser segredo.

5) Deusa da Ilusão - Rede Globo, 2004
Entre 2000 e 2003, Ana Maria Moretzsohn (foto, a direita) tinha escrito para a Globo Esplendor, Estrela-Guia e Sabor da Paixão, sem contar a primeiríssima temporada de Malhação em 1995, e estava cheia de moral e disposta a revolucionar a linguagem dos folhetins Globais quando apresentou a sinopse de Deusa da Ilusão, feita em colaboração com sua filha Patrícia Moretzsohn (foto, a esquerda). Consolidando seu espaço na faixa das 19 horas, o enredo embarcava na moda dos realities-shows da TV de então, hoje uma realidade (temos que admitir). Deusa da Ilusão seria centrada numa multinacional de cosméticos que descobre na Floresta Amazônica um unguento (pomada) milagroso que impede o envelhecimento. Paralelo a isso, questionaria também os padrões de beleza extrema imposta pela sociedade vigente como a abordagem dos transtornos alimentares e cirurgias plásticas, mostrando a vida de pessoas reais que se sacrificam em busca da aparência perfeita. A tão alardeada inovação se daria com a interatividade com o público, definindo os rumos da trama a cada duas semanas (isso lembra o Você Decide) e concorrendo a um dia de transformação de beleza (procedimento comum em programas dominicais de auditório, quem não se lembra de um quadro semelhante no Planeta Xuxa no fim dos anos 90?) na fictícia fábrica de beleza e tornando assim personagens da novela. Deusa da Ilusão foi muito bem avaliada pela direção da Globo, prevendo sua pré-produção no segundo semestre de 2005 sucedendo A Lua Me Disse, mas enfrentou resistência. A alta-cúpula queria se manter na zona de conforto dos bem-sucedidos textos tradicionalistas temendo assim o afastamento de público com um produto de vanguarda. Frustrada, Ana Maria viu seu projeto bater na trave e ser arquivada na Globo, sentindo-se obrigada a passar por Band e Record para sobreviver. Bem que ela merece uma segunda chance na Globo, se fosse feita nos dias de hoje, Deusa da Ilusão seria um sucesso absoluto e teria ótima repercussão!

4) A Outra - SBT, 2004
O SBT estava indo bem com as adaptações à risca de melodramas da Televisa desde 2001 com Pícara Sonhadora, abrindo mercado no setor em São Paulo. Na linha de sucessão de Canavial de Paixões, estava Os Ricos Também Choram, mas enfrentava impasses na cessão de direitos autorais (ainda mais adquiridos em dólar), o que levou o SBT a renegociar o acordo. O jeito era trabalhar com o enredo previamente adquirido de La Otra, argumento original de Liliana Abud, traduzido por Henrique Zambelli e texto adaptado por Ecila Pedroso. A trama começava com a jovem Carolina, que se apaixona pelo médico Álvaro e ficam noivos, mas o casamento não acontece por conta da mãe da moça, a vilã Bernarda. Carolina é dada como morta e na passagem de tempo aparece uma sósia de caráter totalmente oposto, Clarice, filha de um pai alcoólatra. Sua semelhança física impressiona Álvaro que se deixa ser envolvido por ela e desencadeia o romance. Para o duplo papel principal, o SBT contratou a musa das musas Mel Lisboa (foto, ai, ai) e ainda Françoise Fourton no papel de Bernarda. Na pré-produção foram também escalados Aretha Oliveira, Bruna Di Túlio, Cláudia Liz, Ellen Rocche, Fernanda Nobre, Gabriela Alves, Janaína Barbosa, Karine Carvalho, Ricardo Macchi e a cantora Patrícia Coelho. Cláudio Heinrich chegou a ser cogitado para viver o médico Álvaro, mas tal sondagem não deu certo preferindo ele permanecer na Globo. Tudo corria bem com os testes, gravações de cenas para as chamadas (com estreia prevista para março) e até do tema musical de abertura em português, interpretado por Michael Sullivan e sua esposa Anayle. Mas Silvio Santos, já insatisfeito com o prejuízo da emissora na entrada de 2004 causada pelo Caso PCC (disso não duvido), se queixava dos gastos "exagerados". A plantação de um orquidário numa fazenda foi a gota d'água para A Outra ser outra a ir direto pra gaveta e optou-se então em exibir a versão original. A decisão pegou todo mundo de surpresa e Mel chutou o pau da barraca, recusando assim a ficar no SBT para projetos futuros. O setor de novelas SBTista voltou a estaca zero e levou dois meses para lançar uma nova trama "mais em conta": Seus Olhos. Ai, ai, Melzinha, seria um novelão e tanto.

3) Mariana, Menina de Ouro - SBT, 1993
O SBT ensaiava seu retorno às novelas e ameaçada pela TV Cultura na briga pela audiência, tirou de lá o escritor Flávio de Souza (foto, lembram do Tio Dudu de Mundo da Lua?) para desenvolver um enredo focado ao público infanto-juvenil: nascia ali a história da Menina de Ouro. Mariana era filha de pais divorciados, a mãe era jornalista e o pai era agente de turismo, e era obrigada a conviver com a empregada doméstica, que torna sua fiel confidente. Os pais da menina discutiam a todo instante assuntos do universo adulto como questões financeiras e pareciam ignorar a existência da filha, que por ter bom coração compreendia muito bem o mundo a seu redor. Em meio às confusões, ela é protegida por um "anjo-da-guarda" chamado Afonso, um falecido milionário que fora o segundo marido de sua mãe. Ao julgar o elenco, a novela invejaria à Globo: Denise Fraga, Mira Haar, José Rubens Chachá, o próprio Flávio de Souza, Ary França, Etty Fraser, Iara Jamra, Nuno Leal Maia, Chris Couto, Angelina Muniz, Elizângela, João Vitti, Umberto Magnani, Guilherme Leme, Lilia Cabral, Lucélia Santos, Carlos Moreno, a apresentadora do Aqui Agora Patrícia Godoy e a cantora Rita Lee. Mariana reinauguraria os estúdios da TV Tupi, no bairro do Sumaré, cuja reforma total fez o SBT a desembolsar 850 mil dólares e isso atrasou sua pré-produção. Nilton Travesso, que supervisionou os trabalhos, tinha escalado uma senhora equipe: Hugo Prata e Fernando Meirelles seriam os diretores, César Charloni na direção de fotografia, Isabelle Stella na cenografia e direção de arte, Carlos Gardin com os figurinos e Westerley Dornella responsável pela maquiagem. Prevista para ter 130 capítulos com estreia em junho, transformou-se em uma série de 30 episódios, podendo ser estendida para 90 capítulos, mas a direção da emissora voltou atrás e manteve o formato de novela com estreia adiada para outubro, porém com o alto orçamento e os ajustes na grade "não me toque, não me rele", o projeto foi abortado. Os atores que ficaram foram realocados para fazer o teledrama A Justiça dos Homens, antes da estreia de Éramos Seis em 1994. Jamais iriamos conhecer a tal Menina de Ouro, quem sabe poderemos saber nesta fase atual que o SBT tá vivendo.

2) O Escândalo - Rede Globo, 1998
Os especialistas em teledramaturgia (tal qual Nilson Xavier) consideram a sinopse de Miguel Falabella (foto) como o mais perfeito exemplo de uma novela que teve sua produção interrompida no meio. Seria a segunda investida do inesquecível apresentador do Vídeo Show como novelista, a primeira foi Salsa e Merengue, e prometia uma história de amor forte que cutucaria feridas abertas através do humor, fazendo jus ao título. Contando com a colaboração de Maria Carmem Barbosa, Cláudio Paiva e Aloísio de Abreu, o fio-condutor de O Escândalo seria a redação de um decadente jornal cujo dono morre e é herdado por um intelectual sem habilidade no mundo nos negócios. Ao assumir a direção do periódico, ele opta por uma linha sensacionalista contratando uma renomada paparazzi. Paralelo a isso, sua irmã era uma poderosa empresária, viúva de um banqueiro e lutava pela guarda de seu neto, fruto do romance de uma suburbana (que lutava das tripas coração para criá-lo) com seu filho, morto tragicamente. O enredo iria propor discussões sobre ética, corrupção, homossexualidade, ofício do artista e racismo, este último através de um núcleo de uma família negra de classe alta. Falabella tinha escalado para a trama José Wilker, Arlete Salles, Rosi Campos, Marília Pêra, Chica Xavier, Malu Mader, Elisa Lucinda e Zezeh Barbosa. Em meio a pré-produção, o ator Ricardo Brasil chegou a fazer testes, mas não teve retorno. Ganhou notoriedade na época buscando chamar a atenção do neo-novelista espalhando outdoors no Rio de Janeiro com a ambígua mensagem: "Falabella, eu quero fazer Escândalo!". Sem resposta. Programada para suceder Corpo Dourado na faixa das 19 horas, O Escândalo foi preterida por Meu Bem Querer. Se O Escândalo não saiu do papel, Falabella procurou reaproveitar os tais núcleos em produções futuras. A redação foi utilizada em A Vida Alheia de 2010, mas como de revista de fofocas. A briga em família pela guarda de um menino estaria presente em A Lua Me Disse de 2005. E o núcleo de afrodescendentes apareceu em Aquele Beijo de 2011. Um ano depois, Falabella lamentou o fato alegando que "tudo na minha vida vem dando certo". Parcialmente sim.

1) Maria Nazaré - Rede Tupi, 1980
Pouca gente sabe, mas a TV Tupi, meses antes de mergulhar numa crise que culminaria sua falência, estava iniciando a produção de uma trama regionalista que sucederia a inacabada Como Salvar Meu Casamento: Maria Nazaré. Escrita por Teixeira Filho e com colaboração do filho, Cleston Teixeira, a personagem-título da novela é uma forte nordestina que enfrenta os problemas de um vilarejo, provocados por uma invasão de cangaceiros. Ela, uma mistura de Maria Bonita com Joana D'Arc, sai da zona urbana e vai para tal lugar em busca de um caminho espiritual, mas se envolve amorosamente pelo líder do grupo cangaceiro, misto de Lampião, Jerônimo e Antônio Conselheiro, e a ajuda no caminho para exercer com as próprias mãos a justiça divina. A trama envolveria a família de Maria Nazaré e os moradores do lugar invadido pelos cangaceiros no conflito sócio-econômico militar que a novela desenvolveria. O cangaceiro não morreria no final, como a batalha deixaria transparecer e o casal reapareceria ligado a atividades sociais sem participação política. Prevista para ter 270 capítulos, o elenco da trama contaria com Carlos Augusto Strazzer (foto) e Eva Wilma nos papéis principais e a direção de Carlos Zara. Uma cidade cenográfica chegou a ser construída em Itu, interior paulista, além de um grande trabalho de pesquisa sobre o cangaço desenvolvido por Cleston Teixeira, que rodou o Nordeste brasileiro, e montou um relatório entregue ao saudoso diretor de arte Cyro Del Nero. Paralelo a isso, foi feita a confecção de peças-modelo do figurino em larga escala, aumentando ainda mais as dívidas da Tupi, e a preparação de elenco com sotaque, linguagem e palavreado dos cangaceiros. A produção de Maria Nazaré começou em dezembro de 1979 e à exemplo de A Outra, chegaram a ser gravados 32 takes que seriam aproveitados tanto em teasers de divulgação quanto na abertura (que estão arquivados na Cinemateca Brasileira e jamais foram exibidos na TV). O tal trabalho sobre o cangaço foi queimado numa tentativa desesperada de salvar a emissora. Cleston Teixeira revelou mais tarde que o problema da TV Tupi não era audiência (ele esperava um segundo lugar tranquilo no horário com 20% de IBOPE), era o mal-gerenciamento que inviabilizou o projeto, que por sua vez jamais seria reaproveitado. Pelo menos por enquanto.

Como dizem nos créditos finais das novelas: Estas são obras coletivas de ficção inspiradas na livre criação artística e sem compromissos com a realidade. Qualquer semelhança com lugares, fatos e pessoas conhecidas teriam sido meras coincidências. Segundo minha mãe, um tribunal e um casamento nunca podem faltar num típico último capítulo de novela. Aí, um casal se beija e aparece os seguintes caracteres "FIM".