Você pode gostá-lo, você pode odiá-lo, você pode tratá-lo como aquele que "não fede e nem cheira", mas atire a primeira pedra quem nunca teve uma passagem na vida marcada com uma música dele (ou aquela que você tenha curtido ao menos uma vez na vida). Há tempos que eu queria muito abordar este assunto neste blog e nada mais oportuno o momento em que vivemos de festas de fim de ano para falarmos deste grande cantor, compositor, artista, enfim, um grande ídolo da música construído através da televisão: Roberto Carlos.
Comecei a gostar dele desde o berço, nasci gostando dele. Isso se deve a meu pai já falecido (chamado Isaías), o maior fã que o RC já teve. Cearense de Independência (a 310 km de Fortaleza) e sobrevivente das secas corriqueiras naquele lugar, bem no sertão mesmo, ele se mudou com suas irmãs para São Paulo através de um tio rico aos 11 anos de idade em pleno momento em que nosso país passava a ser governado pelos militares. Ele arrumou um emprego numa sapataria e ao mesmo tempo estudava, recuperando o tempo perdido em tempos de seca. Enquanto sua vida decolava, encontrava tempo para curtir o som de um novo movimento musical que a televisão começava a forjar e a tornar popular por toda a cidade: a Jovem Guarda. Roberto foi o cantor de maior sucesso lançado pela televisão, fazendo sucesso na telinha antes mesmo de ser campeão absoluto em vendagem de discos. Isso se deve a VELHA TV Record, de Paulo Machado de Carvalho, com uma programação toda dominada por musicais, garantindo assim a condição de campeã de audiência em São Paulo.
Meu pai, e as irmãs dele (minhas tias, como a Fátima), logo começou a admirar aquela belíssima voz daquele rapaz miudinho e franzino cheio de gírias malucas que marcaram época vindo de Cachoeiro do Itapemirim, Espírito Santo. Foi a partir de então que meu pai tornou-se um grande fã do então aclamado "Rei da Jovem Guarda" (título conferido por Chacrinha em seu programa, que coroou RC como "Rei da Juventude Brasileira"). Com o fim da Jovem Guarda, RC enveredou-se para o romantismo, algo comum na música brasileira entre os anos 60 e 70 (distanciando-se do engajamento anti-ditadura da MPB) e o sucesso só crescia, graças a televisão. No início dos anos 70, ele chegou a fazer apresentações semanais no Programa Flávio Cavalcanti na TV Tupi e depois na Rede de Emissoras Independentes (TV Rio e Record).
Roberto já estava com a carreira consolidada e super consagrada quando assinou com a Rede Globo de Televisão, dos tempos do Boni, no final de 1973 para fazer as tradicionais apresentações anuais, ou em termos leigos, especiais de fim de ano. Só que na verdade, o primeiro especial de RC na Globo foi ao ar em 1º de janeiro de 1974. E lá para cá, a tradição é mantida até hoje, só que ultimamente ando preocupado com isso. Já já eu explico, agora um pouco mais de história. Meu pai era expectador assíduo dos especiais dele, assim como minha tia, irmã dele, é até hoje e os dois sempre conversavam à respeito do programa assim que terminava, discutindo o que gostaram, o que não gostaram, meu pai tinha uma visão bem técnica e crítica da "coisa", quando gostava, gostava, quando não gostava, não gostava.
Quem ajudou a manter RC na crista da onda geração pós geração foi, por incrível que pareça, Silvio Santos, que graças a seu programa dominical, fez RC se tornar um dos recordistas de sua premiação protecionista, o Troféu Imprensa, colecionando 27 estatuetas em toda a história como Melhor Cantor e Melhor Música do Ano. A Globo, é claro, também ajudou e muito na formação da imagem de grande ídolo nacional que RC acabou se tornando entre os anos 70 e 80, responsabilizando-se pelos recordes de vendagens de álbuns ano após ano do cantor, seus discos vendiam que nem água e era sucesso garantido de vendas da gravadora CBS, atual Sony Music, que tirava muito bem a vantagem da imagem de "ídolo" que ele tem até hoje. Em 22 de novembro de 1981, por exemplo, numa reportagem publicado pelo Jornal do Brasil, mostrava todo o poderio estratégico até então inédito da gravadora na divulgação e expectativa do lançamento do LP de RC (considerado o melhor que ele já fez em todos os tempos), em meio a uma crise fonográfica que o Brasil se encontrava na época, para evitar furos: Cr$ 1 milhão em 55 mil posteres, 10 mil cartões postais e 3 mil faixas-teaser (novidade na época) pedindo para que as pessoas reservassem o quanto antes o novo LP de RC, sem contar os 6 mil LPs promocionais distribuídos em horário marcado para divulgação da imprensa, rádio e televisão e eventos em todas as capitais brasileiras onde 20 representantes de estabelecimentos comerciais locais foram convidados a ouvir o disco inteiro antes do lançamento oficial, isso uma semana antes. As emissoras de rádio da época eram instruídas em executar as 8 da manhã de 25 de novembro de 1981, assim que recebessem o LP promocional, a música de trabalho Ele Está pra Chegar, anunciando sua venda oficial dois dias depois, no qual fora executado mais de 700 vezes (é também deste LP hits importantes como Emoções, Cama e Mesa, As Baleias e Eu Preciso de Você). Resultado: o esquema deu certo e foram reservados cerca de 1 milhão e 600 mil cópias para aquisição antes mesmo de chegarem as lojas. O ritual se repetiu ano após ano, a ponto de uma música de trabalho ser executada pelas rádios de todo o Brasil mais de 3 mil vezes num único dia!
Os anos 80 foram inesquecíveis: meu pai, já formado em economia e ganhando a vida como professor de curso técnico, conheceu minha mãe numa sala de aula e um ano meio depois, se casaram. Minha mãe, paulistana da Lapa, até curtia os tempos áureos de RC na Jovem Guarda quando pequena, mas o negócio dela era música estrangeira na adolescência, mas acabou sendo fisgada pela "Robertomania" de meu pai. Todo sábado à tarde, era trilha-sonora obrigatória um disco de RC sendo executado no último volume num pequeno apartamento da Rua Faustolo, no bairro da Lapa. Era meu pai desfrutando de um dia de folga, até vizinhos chegavam até ao local e perguntavam: é aqui que mora o fã do Roberto Carlos? É lógico que ele chegou a ver um show dele ao vivo. Uma vez, no Ginásio do Ibirapuera, enfrentou com minha mãe uma fila enorme em meio ao frio que desceu na capital paulista e teve uma surpresa desagradável: o show foi adiado, Roberto estava sem voz pra fazer o show. Algumas semanas depois, pode enfim ver o show ao vivo de seu "ídolo". Ele não era aquele fã que tinha pôster na parede e uma coleção de tudo que saía dele em jornais e revistas, nada disso, admirava mesmo era a sua musicalidade.
Os meus pais logo compraram uma casa, na qual até hoje eu e minha mãe moramos, e o hábito dele fora mantido. Depois, acabei nascendo (no ano em que RC lançou um LP com os hits Apocalipse, Nêga, Do Fundo do Meu Coração e a melhor de todas, Amor Perfeito) e minha primeira vez em que eu ouvi RC na minha vida foi aos 3 anos de idade com uma música chamada Papo de Esquina do LP de 88 (com Se Diverte e Já Não Pensa em Mim e Se o Amor Se Vai) em que ele canta com o "amigo de fé, irmão camarada" Erasmo Carlos num desses sábados à tarde em que meu pai botava um disco do "Rei" pra tocar. Eu fuçava os discos do meu pai quando era pequeno e pude perceber a coleção de discos de RC que ele tinha, de 63 a 88 até então (ele não tinha a primeira não-oficial de 61 intitulada Louco por Você e a de 62 quando surgiu para o estrelato com Splish Splash). Outro da família que era fã do RC era um ex-tio materno meu que disputava com pé de igualdade com meu pai quem era mais fã do "Rei" e todo aniversário de algum dos meus três primos, lá vinha ele tocando uma fita cassete do RC.
No Natal de 1989, um momento memorável: meu pai me deu um presente antecipado, um LP do Chaves, e pra ele, o novo LP do Roberto Carlos, aquele em que exibia uma pena enorme no cabelo. Depois de eu ter ouvido naquele fim de tarde de sábado o disco do menino do barril, ele não hesitou e botou pra tocar o LP do cantor justamente naquela música de trabalho daquele ano: "Amazônia / Insônia do mundo".
Chegaram os anos 90, meu pai ficou doente e RC já tinha se separado da atriz Myriam Rios (os dois formavam um dos casais mais badalados da mídia na época). Eu completava 4 anos e começava a não gostar mais de tocarem discos numa vitrola que tinha aqui em casa. Quando meu pai comprou seu último disco de RC que tinha a música de trabalho Meu Ciúme (cujo comercial eu lembro até hoje, onde duas meninas pedem pra mãe comprar o novo disco de RC, e aguardo alguma alma caridosa recuperá-lo e postá-lo), não queria que ele colocasse o disco pra tocar (sinal do Asperger) e rolou uma pequena discussão. Apanhei, é lógico, chorei, é claro, mas depois não me lembro de mais nada daquela problemática tarde de sábado.
Meu pai veio a falecer em janeiro de 1991 e não testemunhou a última década fértil de RC, os anos 90. Foi nessa década em que, se você observar atentamente sua discografia, dá pra notar um RC completamente apaixonado, nem por isso deixa de ser notada a beleza inalterada e a qualidade perfeccionista das suas músicas ainda com a parceria do "Tremendão". Ele tinha acabado de conhecer aquela mulher que mudaria sua vida para sempre: Maria Rita. Ela era baixinha (Mulher Pequena), rechonchuda (Coisa Bonita), usava óculos (O Charme dos Seus Óculos), quarentona (Mulher de 40), falava espanhol fluentemente (Mujer, Oh! Oh! Oh! Oh!, Una En Un Million, Mis Amores e um CD inteirinho gravado em espanhol em 97, Abrasame Asi) e católica praticante (Luz Divina, Nossa Senhora, Jesus Salvador, Quando Eu Quero Falar com Deus, O Terço e Menino Jesus). Ele fez de tudo e mais um pouco para agradar sua "Amada Amante". Só que em 98, ela teve um câncer, RC cego de paixão perdeu o chão e em 99, ela veio a falecer, deixando-o quase que sem aquela criatividade fértil que ele tinha de anos atrás, a ponto de seu tradicional show especial deixar de ser exibido. A Globo errou em não ter suprido tal ausência exibindo um programa diferente com os melhores momentos dos 25 anos de Roberto Carlos Especial, utilizando apenas imagens de arquivo. E é aí que eu faço a pergunta que dá o titulo deste post: O Que Anda Acontecendo com Roberto Carlos?
De 2000 adiante, ele lançou poucos álbuns com poucas músicas inéditas em meio a coletâneas e várias regravações de "sucessos dos outros". As músicas inéditas são compostas apenas por ele, sem o Erasmo por perto, algumas servindo de trilha de novela. O que se vê são álbuns e mais álbuns de shows ao vivo gravados de transatlânticos. O TOC se "agravou", embora o próprio tenha alegado que está superando os problemas psicológicos, mas é visível que a tristeza e uma fagulha de depressão ainda predomina nele. Seus especiais de fim de ano nunca mais foram os mesmos desde então e só canta para uma seleta plateia de astros e estrelas da Rede Globo a tiracolo, que ficam mais tempo no ar estampando na tela suas reações pra todo Brasil do que o próprio RC cantando seus sucessos de sempre. Seu lado noveleiro, o que não deixa de ser uma válvula de escape para esquecer a suposta depressão, é tão explorado que seu "novo público" é justamente aqueles que não perdem um capítulo das novelas Globais. Em suma, hoje Roberto Carlos é Só pros Noveleiros. Eu fico preocupado, não como "fã", mas como "profissional de televisão" e recentemente, não sinto a mínima vontade de acompanhar os especiais musicais dele. Por causa dele é que a Globo ainda insiste nessa mania de "cantores exclusivos", com certa razão: as outras emissoras são muito agressivas, só pensam em audiência fácil e como cantores de sucesso têm um potencial de audiência muito maior que um programa com média normal ibopística, a Globo tira proveito e arrebanha todo mundo. E o que sobra pras outras emissoras? Artistas descartáveis de segunda categoria (que não chegam nem aos pés daquele inesquecível "cast brega" que o SBT reunia nos anos 80 em seus programas de auditório) e de péssima qualidade, só modinhas passageiras.
Quase duas décadas estão se passando e RC aparentemente reluta em superar a perda de Maria Rita. Os fãs mais ortodoxos estão reclamando, até meu pai reclamaria da fase atual dele, a "fase fossa". Só mesmo um CD só com músicas inéditas e retomando a parceria com Erasmo Carlos que RC poderá recuperar sua condição de "Rei absoluto da Música Popular Brasileira" e sair dessa crise particular. Em 85, chegou a cogitar a gravação de um álbum com suas músicas preferidas, de grandes compositores brasileiros como O Que Será (Chico Buarque), Quem Há de Dizer (Lupicínio Rodrigues), Lígia (Tom Jobim, não posso ouvir essa música pois lembro de uma Lígia que passou em minha vida), Coração de Estudante (Milton Nascimento) e Super-Homem, a Canção (Gilberto Gil). Não seria má ideia, sugeriria também a gravação de Amigos do Peito (tema do Criança Esperança, da dupla Michael Sullivan & Paulo Massadas) junto com Erasmo Carlos (os dois simbolizam perfeitamente o valor da amizade e essa amizade já atravessa 60 anos) e de uma música gospel de Nelson Ned, O Nome é Jesus, mantendo a tradição dele sempre gravar uma canção contendo uma mensagem cristã. Aliás, seria também uma boa ele gravar um CD + DVD só com suas músicas de mensagens e outros sucessos gospel ao lado de grandes nomes desse segmento, pra ele tentar superar o coração ainda enlutado pela ausência da "Amada Amante" pois o mercado gospel é muito grande. Até porque todo e qualquer tipo de música que ele canta, vira poesia em sua voz (até mesmo a escrachada Pelados em Santos dos Mamonas Assassinas viraria poema juvenil na voz dele). Acho que dessa forma e mais um pouco, Roberto Carlos voltaria a velha forma e garantiria pelo menos um milhão e meio de cópias vendidas com antecedência, até melhoraria seus especiais de fim de ano (porque não convidam o Galvão Bueno para recitar os versos do patriótico Verde e Amarelo?). Mas isso tem que ser feito o quanto fez, é pra anteontem, antes que ele parta desta pra melhor (e vai ser uma comoção sem tamanho que vai parar todo o país). Usando um "chavão", pra encerrar este post: Vida longa ao rei!