HISTÓRIA: Cidade Contra Cidade - 56 Anos

Eu fiquei emocionado Naquele domingo à tarde Quando assisti ao programa Cidade Contra Cidade (...) Carlos Cezar, José Fortuna e Valentino Gu...

segunda-feira, 21 de maio de 2018

FICÇÃO: A Melhor Copa de Todos os Tempos - 1ª Parte


Meu nome é Renildson Pereira Heimlich, mas pode me chamar de Renê Braga. Braga porque nasci em Bragança Paulista e me mudei pra capital paulista com meus pais ainda bebê. Tenho 25 anos e todos os dias acordo cedo para pegar no batente. Pois é, eu trabalho como assistente de um gerente numa importante empresa bancária. Trabalho feito um condenado? Não, gosto muito do que faço! Tanto o gerente como o dono do banco são gente fina pra caramba. Graças a Deus recebo um salário digno do meu trabalho. Um belo dia, imaginando que eu teria mais um dia de trabalho duro pela frente, o dono da empresa bancária reuniu os funcionários pra contar uma grande novidade: um grande concurso interno! O dono do banco passou a descrever quais seriam os prêmios:

- O terceiro prêmio vale uma viagem de uma semana para Fortaleza, Ceará! O segundo prêmio vale uma viagem de uma semana para Miami, Flórida, Estados Unidos! E o primeiríssimo prêmio... Adivinhem o que é? – o gerente cria o mistério – Todos sabem que estamos em ano de Copa do Mundo e é com satisfação que esta empresa, uma das patrocinadoras oficiais da Copa, oferecerá como primeiro prêmio, uma viagem para assistir a Copa direto da Rússia com tudo pago! O vencedor terá direito a todas as regalias possíveis: passagem de avião, hotel 5 estrelas, 5 mil dólares de crédito, ingressos para todos os jogos do Brasil, garantia de transporte, com direito a um acompanhante e mais 5 mil de crédito! Vocês querem? Portanto se esmerem a partir de agora, pois o resultado sai na segunda-feira que vem! Não esmoreçam pelo amor de Deus!

É! A semana que antecedeu o resultado do concurso interno não foi das melhores. Passei pela pior maré de azar que vocês possam imaginar. Naquela mesma segunda, minha então namorada brigou comigo e terminou o relacionamento. Na terça, bati meu carro enquanto eu estacionava para mais um dia de trabalho. Na quarta, fui assaltado. Tive o dinheiro da minha carteira roubado e meu carro que faltavam três prestações para pagar. E o pior, não tinha seguro. Na quinta, um tio meu, irmão da minha mãe, partiu dessa pra melhor, isto é, morreu. Na sexta, a televisão do meu quarto pifa. E bem na hora do último capítulo da novela O Outro Lado do Paraíso. No sábado não trabalhei, por essa razão pude acordar mais tarde. Só que uma vendedora de Yakult tocou a campainha de minha casa às 8 horas da manhã. E no domingo, perdi por um ponto o prêmio acumulado da loteria esportiva! E enfim, chegou o grande dia! Depois de uma semana atribulada, precisava de uma boa notícia para elevar minha moral que já estava lá embaixo. Os funcionários da empresa bancária se aglomeraram diante do mural localizado no salão principal para ver a lista dos vencedores do concurso interno. Eu sou um deles e tive uma boa surpresa:

- Ei! Um segundo lugar não é nada mal assim. Miami, aí vou eu!
Uma secretária, que ganhou a viagem para Fortaleza, me cumprimentou por tirar o segundo lugar:
- Parabéns Renê! Queria muito estar no seu lugar! Meu sonho sempre foi ir pra Miami!
- Fica triste não Luísa, vou tirar fotos de lá e quando voltar, eu mostro tudo pra você! Pelo menos você vai pra Fortaleza beber água de coco até enjoar.
- E quem vai pra Copa? Quando vi meu nome na lista, nem prestei atenção.
- O Régis do RH. Será que ele chegou?
Quando o Régis do RH chegou, contaram pra ele que ganhou o concurso interno e, incrédulo, foi ver a lista para comprovar que o que estava sendo dito era verdade e quando viu seu nome no topo da lista... sentiu fortes dores no peito de tanta emoção que acabara de sentir:
- Não acredito, vou ver a Copa! Sempre sonhei ver o Brasil ganhar a Copa no estádio! Ai meu Deus.
- O que aconteceu? Ele dever tá sofrendo um infarto! – diz um funcionário prestando socorro ao colega que se esforçava pra andar para o outro lado do salão
- Não é nada, não é nada. Contra tudo e contra todos, vou ver essa Copa custe o que custar! – disse Régis andando em direção ao piso molhado devido a limpeza feita pela faxineira.
Ele nem prestou atenção no aviso de piso molhado diante de tanta emoção e acabou se escorregando, sentindo a perna quebrada. Na verdade, ele sofreu um princípio de enfarto e fraturou o perônio direito. Ao presenciar a cena, o dono do banco imediatamente anunciou uma inesperada reviravolta:
- Pessoal, um minuto da atenção de todos! Por favor! É uma pena excluir do primeiro lugar o Régis do RH numa condição dessas. Alguém tem que chamar a ambulância imediatamente. Segundo as regras, o segundo colocado passa a ser o vencedor do nosso concurso interno. O terceiro colocado agora é o segundo e o quarto passa a ser o terceiro.


Fiquei emocionado e então quase desmaiei. Quando voltei pra casa para informar a minha mãe que eu ganhei o concurso interno do banco, ela estava recebendo visitas em plena segunda-feira:
- Mãe, tenho uma surpresa pra te contar!
- Você me desculpa eu não ter te avisado antes? Acontece que meus parentes resolveram me visitar prestando solidariedade à morte do tio Vicente. Me avisaram na hora do almoço. Senta aí, filho, vou trazer alguma coisa pra você comer, tá bom?
Entre tios e primos da minha mãe, fui sentar ao lado de um sujeito meio estranho. Era gordo, barbudo, carrancudo, ranzinza, rústico e mal-humorado. Quando virei pra ele, tomei um pequeno susto e logo me disse:
- Você está com medo? – perguntou o homem – Você nunca me viu antes?
- Quem é o senhor? O que é que você está fazendo aqui? – indaguei meio trêmulo
- Eu queria ter sido coronel, mas me contento com o título de cabo do exército. Pode me chamar de Brutus, é assim que meus amigos me chamam lá no exército.
- Brutus, muito prazer, eu sou o Renê, o sobrinho do Vicente.
Nunca perguntei pra ele, mas acho que ele tinha esse apelido de Brutus pelo fato de parecer com aquele personagem malvado do desenho animado do Popeye.
- O que você faz na vida? – perguntei
- Eu sou um militar aposentado que recentemente deu um curso de estratégias de convencimento e persuasão a policiais militares pra combater o crime. Tenho saudades do governo da Revolução de 1964 e tive a honra de ser o chefe de segurança do General Geisel, que Deus o tenha.
- Você foi chefe de segurança do presidente Geisel?
Com aquela voz cavernosa, Brutus falou que havia sido integrante do SNI, o Serviço Nacional de Informações, cuja função era de “agente de captação de informações através de métodos ortodoxos”, resolvendo todas as coisas na força e na tortura. Ah, já ia me esquecendo, ele estava lá em casa porque minha mãe era tia da cunhada do irmão do genro da sobrinha da nora do primo de um cabo do exército. E esse cabo do exército era o próprio Brutus:
- Sabe, Renê – diz Brutus – o Brasil de hoje mudou pra pior se comparando com o Brasil do meu tempo. Minha vontade agora é viajar para bem longe para fugir desses problemas brasileiros que me irritam demais.
 - Brutus, é justamente sobre isso que eu queria falar pra minha mãe!
- Falar o quê filho – disse minha mãe carregando uma bandeja – sobre aquele concurso que você tava comentando?
- Isso mesmo mãe. Tirei o segundo lugar e eu viajaria para Miami.
- Peraí, você vai pra Miami ou não vai pra Miami?
- O vencedor do concurso sofreu um infarto e quebrou a perna quando se escorregou no piso molhado. Por exclusão, o pessoal lá do banco me colocou em primeiro e acabei ganhando uma viagem pra assistir a Copa da Rússia com tudo pago e com direito a um acompanhante!
- E porque você não me disse antes, seu estúpido? – bradou Brutus – Meu sonho sempre foi ver o Brasil jogar a Copa direto do estádio.
- Meus parabéns, filho! – disse minha mãe me abraçando – Uma pena eu não ir pra Copa com você, tenho muitas coisas pra fazer aqui na nossa terrinha. Porque você não leva o Brutus pra viajar fora do país?
- Ele já aceitou o meu convite antes mesmo de formalizá-lo!

Enfim, uma semana depois, chegou o grande dia! Era segunda-feira, sete e meia da manhã, estava preparando as minhas malas para aquela que seria a maior aventura que já vivi na minha vida. Ou melhor dizendo, para a melhor Copa de todos os tempos. Um uber pára na porta da minha casa buzinando. Brutus abre a porta do carro e fala:
- Renê, vamos embora logo! Não quero perder o voo pra Rússia!
- Ainda bem que eu tava pronto, Brutus! Você prometeu chegar às 8 horas e o nosso voo está marcado para as dez. E ainda faltam 15 minutos para as oito.
- Para mim, 15 minutos não é nada! – retruca Brutus enquanto guardava as minhas malas – Pra mim, 30 segundos é uma eternidade. Quando eu chego, venha sem demora, esteja pronto pra tudo. É assim que eu aprendi lá no quartel e pelo visto você não prestou o serviço militar, não é?
- Excesso de contingentes – digo eu
- Ai, ai, ai. Vamos entrando Renê, a gente continua conversando no caminho – diz Brutus entrando no uber


Esse Brutus era meio estranho, turrão, desgramado, tinha pinta de durão, mas no fundo começou a gostar de mim. Imaginava que ele ia me tratar feito um soldado no quartel, mas na Rússia acabou virando um segundo pai para mim. E a conversa se prolongou no aeroporto, horas antes do embarque:
- Eu esses dias fiz um check-up médico e meu diagnóstico acusou meu coração – confidenciou Brutus – Fiquei um pouco cardíaco por motivos de saúde, tenho que tomar um remédio pro coração todo dia antes de dormir. Foi o médico que me receitou.
- E mesmo assim o senhor agüenta viajar pra fora do Brasil e assistir a Copa? – perguntei
- Sim, claro. O médico me falou que nem por causa disso, eu deixaria de viajar.
Nós dois passamos em frente a uma revistaria no aeroporto onde se lê um jornal com a seguinte manchete: “Tite define escalação para a estreia do Brasil”. Brutus ironiza a notícia do dia:
- Esse esquema do time brasileiro é dado a muita frescura. Duvido que o Brasil seja campeão mundial este ano. Esse time não passa das oitavas-de-final.
- Mas Brutus, nós temos os melhores jogadores da atualidade e sabem jogar em equipe! – defendeu Renê – O Alisson tá pegando tudo no gol, o Danilo e o Marcelo estão numa fase excelente nas laterais, o Marquinhos e o Miranda estão impondo respeito na zaga, o Casemiro protegendo como nunca nossa defesa, o Paulinho e o Renato Augusto armam o meio de campo e sintetizam o espírito de liderança dentro de campo. E o ataque então, o Philipe Coutinho conduzindo as situações pelo meio, o Neymar com aquele toque refinado que só ele sabe fazer e o Gabriel Jesus é um goleador-nato. E o que você me diria dos reservas de luxo do quilate de Tiago Silva, Fernandinho, Filipe Luís, William, Roberto Firmino, Douglas Costa e Fred?
- Nome não ganha jogo! Seleção boa era do Médici, isso sim é que era time! Ele manteve o patriotismo em alta quando ganhamos o tri em 70. A única solução pro Tite montar uma Seleção ideal pra ganhar a Copa é simplesmente bombardear os adversários.
Cada coisa que o Brutus falava. Suas tiradas são suficientes demais para serem reunidas num livro. Pois bem, sorria de orelha a orelha pelo fato de fazer minha primeira viagem para o exterior e aquela conversa demonstrou que nós dois tínhamos algo em comum: o gosto pelo futebol durante a Copa. Confesso que eu estava um pouco nervoso pelo fato de nunca ter entrado num avião em toda a minha vida. Cheguei a tomar um calmante pouco antes da decolagem e tirei um cochilo. Quando acordei, resolvi ler as revistas sobre a Copa do Mundo que eu havia comprado no aeroporto e que estavam no avião, mas haviam dois inconvenientes. Primeiro: a janela do avião, pois toda vez que eu olhava pra ela sentia aquele frio na barriga pelo fato de estar a mais de 10 mil metros de altura. E segundo: os roncos assustadores do Brutus. Então, vou para o lado oposto das poltronas aéreas onde havia um lugar vazio, quatro simpáticos senhores e uma mulher proseando aos risos:

- Esse lugar está ocupado? – perguntei educadamente
- Não, meu jovem, pode sentar! – falou um dos velhinhos que estavam sentados
- Obrigado!
- É a primeira vez que viaja pra assistir a Copa? – indagou o mesmo velhinho e confirmei a resposta balançando a cabeça
- Você vai gostar! Tá assim de mulher! – comentou juntando a ponta dos dedos
- Qual é o nome do senhor?
- Pode me chamar de Feijão, meu jovem.
- O senhor deve ter uns 80 anos?
- Noventa e cinco, vou fazer 96 no mês que vem e não preciso de Viagra!
- (Espanto e Risos) E nem por causa da idade, o senhor deixou de viajar pra assistir a Copa, não é verdade?
- Verdade! E tem mais. Este que te fala talvez seja o único que ainda não fechou os olhos a este mundo que testemunhou as três primeiras Copas do Mundo da história!
- Sério? Como foram?
- Em 1930 no Uruguai, se não tivesse acontecido essa briga de paulista contra carioca, o Friedenreich, que foi um dos maiores jogadores que vi na minha infância, seria o grande craque daquela Copa e o Brasil ia sair de lá campeão! Em 34 na Itália, o Brasil nem devia ter participado, pois aquele diabo do Mussolini proibiu que aquela Copa fosse vencida por qualquer outra seleção, menos a da Itália. E em 38 na França, o Mussolini vendeu sua alma pra que o time dele ganhasse de novo aquele Mundial fora de casa. O Leônidas, outro grande jogador que tive a honra de conhecê-lo na minha adolescência e vê-lo fazendo muitos gols de bicicleta, levaria o Brasil a conquistar aquela Copa. Ele tinha sim condições de enfrentar os italianos, só que aquele Mussolini fez macumba pra ele não entrar em campo. O Diamante Negro, que Deus o tenha, sentiu dores na perna horas antes do jogo por causa dessa macumba “faxista”.
- Caramba! Eu queria ter visto a esses jogos históricos dessas Copas que o senhor assistiu. Mas o jogo que eu queria mesmo ter assistido foi aquele Brasil e Uruguai da Copa de 50.
Um senhor que estava sentado do meu lado direito puxou meu braço dele e disse:
- Olha filho, esse foi o dia mais horrível da minha vida. O Barbosa, o Ghiggia e o juiz daquela partida foram os responsáveis por aquela desgraça que aconteceu no Maracanã. Foi horrível e olha que eu tive dias bem horríveis...
- Aposto que teve.
- Eu não faço apostas. O meu apelido é Frieira, sabe por quê? Porque eu sou pé-frio. Não ganho nem no par ou ímpar. Nesse jogo que você tá falando, apostei que o Brasil ia ganhar por 2x1, só que foi 2x1 pros uruguaios. E a última aposta que fiz em toda a minha vida foi em 1954 quando o Brasil foi jogar contra a Hungria. Acreditava que, sem o “Puska” em campo, o Brasil ganharia por 4x2. Só que aqueles húngaros danados, e com a ajuda do Mister Ellis, ganharam da gente por 4x2 mesmo sem o “Puska”. Você acredita que apostei todo dinheiro que tinha e perdi tudo?
- É, mas depois o Brasil acertou o pé e ganhou duas Copas do Mundo, uma seguida da outra! – comenta outro velhinho que estava na roda da conversa
- O senhor não vai me dizer que esteve nas Copas de 58 e 62?! – indaguei
- Claro que estive! E digo mais, fui membro da delegação brasileira nessas Copas que o Brasil venceu. Tenho 78 anos bem vividos, sou um especialista em “pedolatria” e sou conhecido como Chulé.
Rachei o bico na hora, mas o Chulé levava o apelido a sério:
- Tá rindo do quê? Sou dono de uma sapataria no bairro da Lapa, em São Paulo, e me chamam de Chulé porque eu estudo a anatomia dos pés dos caras que jogam essas Copas e de todo tipo de gente que você possa imaginar. Meu lema é “mostra-me teus pés e te direi quem és”. Tive o privilégio de estudar os pés do Pelé e do Garrincha nessa época e eram perfeitos! Assim como foi em 58 e 62, o Neymar vai nos dar outra Copa agora! Pode escrever! Nós vamos ganhar!
- O senhor esteve na Copa de 66 na Inglaterra?
- Deus me livre, não quero nem lembrar! O seu Feola chamou tudo quanto é jogador que você possa imaginar, deixou os bons de fora, levou só tranqueira pra disputar aquele Mundial e levamos “pau” dos portugueses.
- Ah, deixa estar, ô Chulé! Em 70, o Brasil se organizou direitinho para jogar a Copa do México e ganhou da Itália naquele que foi o dia mais feliz da minha vida! – falou um mineiro de meia-idade que usava um cabelo à la Beatle sentado à frente do Chulé
- Nossa, eu queria ter visto todos os jogos do Brasil na Copa de 70! Qual seu nome?
- Eu sou o Wellington, de Governador Valadares. A minha viagem pro México pra assistir aquela Copa inesquecível tá tudo gravado aqui, ó! – fala apontando o dedo pra cabeça – Foi lá que eu conheci a Dolores, né Dolores? E tirei muitas fotos que estão lá em casa.
- Ô Wellington, desculpe a pergunta, mas você acha que a Seleção que vai disputar a Copa agora pode ser comparada com a da Copa de 70?
- (Risos) A Seleção de hoje está para a de 70 como o Corinthians está para o Real Madrid. Sem comparação, cara.


Minha conversa com aqueles senhores ficou animada e ajudou eu esquecer minhas fobias por viajar de avião. E quase 15 horas depois com breve escala na Flórida, eu e o Brutus finalmente desembarcamos na Rússia e fomos levados para o lugar onde estaríamos hospedados durante toda a competição: o Golden Ring Hotel de Moscou. No horário local, eram passados 7 horas da manhã pois o fuso horário entre Brasil e Rússia são de seis horas a mais. Quando nós dois entramos no hotel cansados da viagem, estávamos diante de um verdadeiro palácio luxuoso que nem eu, nem o Brutus, tínhamos visto nada igual em toda a nossa vida:
- Renildson Heimlich? – disse uma intérprete brasileira a mim, deslumbrado, na recepção do hotel – não vai preencher a ficha de cadastro do Golden Ring Hotel?
- Ah, é mesmo. Desculpa.
O saguão de recepção é pouco. Precisam ver o apartamento onde nós ficamos hospedados:
- Que bangalô, hein, Brutus? – comento
- É a recompensa que eu tanto merecia por todos esses anos ter prestado serviços ao Exército Brasileiro – fala Brutus contemplando os cômodos do imenso apartamento – Chega de “sim, senhor” e “não, senhor”, quero agora desfrutar do bom e do melhor aqui com você, Renê. Por mim, eu morava pra sempre nesse quarto de grã-fino. Ficava aqui até morrer! Muito obrigado.

Depois da exaustiva viagem, nós precisávamos descansar porque aquele dia estava para dar seu pontapé inicial. Nossa nova rotina começava logo de manhã, depois do café que pra minha sorte estava incluso no pacote. O café daquele hotel era um banquete refinado: tinha iogurte, croissant, bolos de vários sabores, cupcakes, ovo cozido, salame, bacon, presunto, queijos de vários tipos, tortas, leite, café, porções de cereais e sucos de vários sabores. Eu me entupia de tudo isso! O desjejum do Brutus era um pouco diferente do meu. Logo, ele havia comentado comigo que por recomendação médica, não podia mais comer gordura, pois havia sofrido um enfarte bem na véspera do check-up que ele havia feito dias antes de viajar comigo. A estranha dieta do Brutus no café da manhã consistia em apenas um pãozinho com margarina sem sal e um leite desnatado cru, sem açúcar! Quando acabava o café, ele sempre aproveitava para pegar uns pãezinhos que conseguia colocar nos bolsos da jaqueta dele sem que ninguém notasse. Ao final de cada café da manhã, para demonstrar que eu estava satisfeito, eu dava três arrotos discretos de satisfação. Não podia arrotar alto por estar hospedado num hotel classudo. Mas o dia só estava começando. Depois do café, nós começamos a se divertir a valer. Tínhamos o tempo livre durante o resto do dia nos três dias que antecediam o início da Copa do Mundo. De manhã, jogávamos palitinho. Lá pela tarde, atacávamos de dominó, o meu favorito, e Brutus sempre levando a melhor. E o melhor estava reservado à noite. O salão de jogos do hotel estava aberto para os hóspedes e a nossa noite começava com as emocionantes partidas de sinuca... e só terminava no jogo de cartas. Nós tínhamos algo em comum pelo gosto de jogar baralho e ficávamos horas e horas da noite jogando mau-mau e Brutus se revelava um grande mestre nas cartas e como de costume, eu sempre perdia dele como acontecia durante todo o dia:
- Ah! Bati!
- Ah, Brutus, assim não dá! Jogar com você é sempre uma tortura!
- Essa sempre foi minha especialidade!
- Jogar mau-mau?
- Não, tortura! – respondeu Brutus que começou a gargalhar alto logo em seguida, riu tanto que quase caiu da cadeira.

Enfim chega o grande dia! 14 de junho. A abertura de mais uma Copa do Mundo. Eu e o Brutus vivemos cada momento daquele Mundial, nem que fosse diante da tela da TV do quarto onde ficamos hospedados. O engraçado é que nós sempre apostávamos em seleções diferentes em cada jogo daquela Copa, menos do Brasil por razões óbvias:
- Quem você aposta neste jogo, Brutus?
- Vai dar Arábia!
- A Rússia tem um futebol tecnicamente melhor que o dos árabes, se preparou muito bem para este Mundial e honrar sua condição de anfitrião!
- Deixa de frescura! A Arábia precisa pagar um débito com a história pela falta de tradição da Ásia em Copas. Tiveram garra suficiente para passar nas eliminatórias e estão com a moral lá em cima.
- Sei não Brutus, não sei se eles vão aguentar os russos.
- Os donos-da-casa sempre são uma ameaça. Ao longo da história, o Brasil sempre se embananou com os anfitriões e isso até hoje me assombra. Torça pros árabes!
Não dava pra entender esse Brutus. Suas tiradas, às vezes, eram de dar medo. Dois dias depois era a véspera da tão esperada estréia do Brasil na Copa. E já eram 2 horas da manhã quando voltamos para o nosso quarto depois do interminável jogo de cartas. Pedi para o Brutus, que se preparava para dormir, tirar uma selfie minha vestindo meu uniforme de torcedor para eu mandar para minha mãe via Whatts-App: camisa 10 amarela com gola em "V", calça verde-limão que brilha no escuro, fita de elástico na cabeça decorada com bandeirinhas do Brasil, pulseiras de plástico verde e amarela nos dois pulsos e tênis um azul e outro branco:
- Brutus, que tal?
- Renê, o jogo é amanhã, porque você vestiu isso agora?
- Pra te mostrar, ouvir sua opinião e pedir para que você tire uma selfie para eu mandar pra minha mãe no Whatts-App dela.


Depois que eu mandei a foto pra ela, minha mãe retornou dizendo que eu estava parecendo um papagaio. Cadê o bom gosto, hein mãe? Enfim, chega o dia da estreia do Brasil na Copa do Mundo. 17 de junho. O jogo é contra a Suíça, jogo difícil, em Rostov. Após o almoço, íamos pegar um avião pois seriam quase duas horas de viagem até o local da partida. De tão nervoso que estava, acabei perdendo o sono e acordei bem antes do Brutus se despertar. Eu andava de um lado para o outro do apartamento e parecia eu estar com pulgas. E assim se seguiu enquanto eu esperava o Brutus se levantar. Após o habitual palitinho matinal com Brutus, não consegui esconder meu nervosismo acerca do jogo. Quando chegamos a Rostov há duas horas do início do jogo, Brutus me aconselhou eu dar uma volta num parque que era bem próximo a Arena Rostov para espairecer minha cabeça e o nervosismo passar. Ele combinou comigo de nos encontrarmos lá no estádio na hora do jogo. E por volta das 19 horas, horário local, lá estava eu com o uniforme de torcedor tomando sol no caminho (na Europa, na época do verão, os dias são mais longos e as noite, mais curtas) e ouvindo do meu smart-phone uma web-rádio brasileira que estava transmitindo a Copa! Os comentários esportivos que eu ouvia no rádio só ajudaram a aumentar meu nervosismo. À certa altura, eu fui atravessar a rua meio distraído na saída do parque quando... um carro me atropelou. Atropelou vírgula, tive apenas um arranhão no joelho direito. Tá lá o corpo estendido no chão, torcida brasileira! A motorista desce do carro desesperada para me socorrer:
- Ai, desculpa! Não queria ter te machucado!
- Não, não, a culpa foi minha. Atravessei a rua sem olhar.
- Faço questão de te levar até lá em casa pra cuidar do seu machucado – diz a mulher me carregando no colo e me colocando em seu Renault – Como fui tonta, devia ter parado o carro pra deixar você passar.
Ela também estava nervosa com o jogo do Brasil, assim como eu. O nome dela é Camila, um mulherão que havia saído do Brasil uns 10 anos atrás para trabalhar como mecânica numa concessionária de automóveis lá na Rússia, nos arredores de Rostov. Era esparadrapo, mertiolate, algodão, gaze e band-aid que não acabava mais. Pra aliviar as fortes dores que eu sentia no joelho, nada melhor do que uma boa conversa:
- Espero que daqui a alguns dias, seu joelho possa melhorar.
- Obrigado Camila, suas mãos são muito delicadas. Nem parece que você é mecânica.
- Obrigada, eu sempre trabalho usando luvas e conservo minhas mãos sempre aveludadas.
- Pois é, suas mãos aliviaram meu joelho e não tô mais sentindo nada. Além de ter mãos delicadas, você é uma mulher muito linda. Creio eu que você deva ter uns 29 anos.
- Ai Renê, obrigada. Por sua causa eu ganhei o dia. Não costumo assumir minha idade, mas já me encontro na casa dos 40 e poucos anos.
- E nem parece que é mecânica!
- Eu estava precisando ouvir isso, sabia que comecei a trabalhar como mecânica por aqui pra eu recuperar a perda do meu marido? Ele foi vítima de um acidente de carro e morreu na hora – explica tristemente Camila
- Você se sente sozinha? – indaguei envolvendo Camila em seus braços
- Tem horas que sim. Acho que eu atropelei você justamente pra suprir minha solidão. Meu gatinho.

Conversa vai, conversa vem, ela tirou seu macacão para exibir-me aquele par de seios suculentos perfeitos. Com "mão lá", nos envolvemos aos beijos e acabou acontecendo o que costuma acontecer entre um homem e uma mulher. Pelo menos valeu a pena aliviarmos nossas tensões minutos antes do jogo.
Sorte que a Arena Rostov, onde aconteceu o jogo do Brasil, era a quatro quarteirões da casa de Camila e após o momento de prazer que eu tive com ela, cheguei ao estádio completamente relaxado e me sentei ao lado de Brutus. Após eu dar um longo suspiro de satisfação, Brutus puxa conversa:
- Chegou bem na hora, Renê – diz Brutus mostrando o relógio – O jogo vai começar agora.
- Pode escrever que o jogo vai ser 2x0 para o Brasil.
- Não sei não! – retrucou Brutus – Tô sentindo que esse time brasileiro é meio metido a besta. Os suíços vão dominar a partida, são um pouquinhos melhores que a gente e vai dar empate com um gol chorado de contra-ataque num lance de pura sorte e que até o juiz vai dar uma mãozinha pra gente.
- Sorte?! – comentei gesticulando a cabeça negativamente com o diálogo de Brutus

A estreia da Seleção Brasileira na Copa e todo seu desempenho na fase de grupos você vai conferir amanhã, no próximo capítulo de “A Melhor Copa de Todos os Tempos”!