HISTÓRIA: Cidade Contra Cidade - 56 Anos

Eu fiquei emocionado Naquele domingo à tarde Quando assisti ao programa Cidade Contra Cidade (...) Carlos Cezar, José Fortuna e Valentino Gu...

sexta-feira, 25 de maio de 2018

FICÇÃO: A Melhor Copa de Todos os Tempos - Parte Final

15 de julho. O dia mais esperado do ano amanheceu com um belíssimo sol no límpido céu azul de Moscou e os indicadores apontavam que a grande final da Copa do Mundo entre Brasil e Argentina prometia ser a mais inesquecível partida de toda a competição. Era a primeira vez desde 1950 que duas seleções sul-americanas decidiriam a taça da FIFA. Brutus estava animado como quase nunca tinha visto. Ele desceu bem cedo para o café junto com um monte de jornais do dia que comprou na revistaria, brasileiros e estrangeiros, e lendo o noticiário da decisão da Copa do Mundo. Neymar e Philipe Coutinho estavam confirmados no time titular do Brasil para a grande decisão contra a Argentina, William também foi escalado e Renato Augusto esquentaria o banco. No entanto, eu estava ali junto dele, desanimado e sofrendo o efeito da noite anterior como se uma faca de dois gumes atravessasse meu triste coração:
- Renê? Renê, tô falando com você, responda! Nunca vi você com essa cara tão pra baixo. Hoje o Brasil vai ser hexacampeão em cima da Argentina e não é todo dia que pinta uma oportunidade dessas!
- Eu sei Brutus, eu sei. Mas acontece que ontem à noite não conseguir marcar aquele golaço que você tanto esperava. A Bianca só transa depois do casamento. Não sabia que essa manicure era tão recatada, conservadora e um tanto religiosa. Tô arrependido de ter gritado com ela e agora o Brasil vai perder a Copa. Tudo culpa minha.
- Não diga besteira, Renê. Um homem inteligente como você não deve ter superstição. Independente se você teve uma noite de amor ou não, o Brasil vai ganhar esse jogo de qualquer maneira!
Começo a chorar de saudade e de arrependimento ao mesmo tempo. Brutus se compadece com minha tristeza e sente pena. Diante disso, ele me consola:
- Mas eu posso te ajudar.
Brutus acabou se sensibilizando e depois do almoço, conversou comigo e disse estar disposto a me ajudar a não passar em branco aquele dia histórico. Ele se lembrou do dia em que fomos comemorar a vitória do Brasil sobre Senegal numa “casa de massagem” e para obedecer a regra de não repetir o lugar para tal festejo, ele arriscou um diálogo com o porteiro do hotel em inglês (mas resolvi transcrevê-lo em português para melhor entendimento de todos):
- Boa tarde, por acaso o senhor sabe onde é que nós possamos encontrar um desses lugares onde se encontram várias mulheres?
- Ah, sim! Conheço!
- Um lugar que só tenha mulheres solteiras, o senhor me entende? E mais: tem que ter pelo menos uma brasileira – eu completo
- Claro que sim! É esse lugar que eu queria indicar pra vocês dois, que é exatamente assim na saída da cidade com um monte de mulheres solteiras. E pelo menos uma, a dona do lugar, é brasileira. E elas são divinas.
Eu fiquei animadíssimo e Brutus anotou o endereço do lugar. Logo, pegamos um táxi para lá. Quando chegamos ao local, demos de cara com uma casa gigantesca, muros enormes e um largo portão de madeira entreaberto. Quando vi o lugar, comentei com Brutus:
- Eu acho que essas mulheres devem ser caríssimas, mas tudo bem, uma vitória sobre a Argentina na final da Copa vale o sacrifício e uns dólares a menos no bolso.
- Olha lá, Renê! Olha lá! – sussurra Brutus apontando algo para mim, uma freira entrando no local
- Esse lugar deve ser bom mesmo. Aposto que lá dentro vamos encontrar uma com roupinha de colegial, outra de dançarina de can-can, mais outra de mulher-gato, outra de Marilyn Monroe e assim por diante. Vai ser uma festa!
Caminhamos em frente ao portão de madeira e Brutus toca a campainha. Era o que nós pensávamos: entrar numa grande casa de strip-tease. Eu imaginava que uma garota de maria-chiquinha e com cara de ninfeta estaria a minha espera. Mas não foi bem assim. Após Brutus ter tocado a campainha, uma outra freira abre o portão de madeira e pergunta:
- Boa tarde, posso ajudá-los em alguma coisa?
- Sim, eu sou um turista brasileiro que veio ver a Copa aqui na Rússia. Todos me chamam de Brutus e esse aqui é o meu... Meu afiliado, Renê Braga.
- E o que vocês precisam?
- É que o meu afiliado está um pouco tenso por causa da final de hoje a noite, Brasil e Argentina, sabe? E ele precisa estar bem relaxado pra ele poder ver o jogo de mais tarde.
- Posso ajudar seu afiliado no que for preciso. Podem entrar!
Quando entramos lá dentro, ficamos sabendo que aquele casarão era na verdade... um convento:
- Você não queria me ajudar, Brutus, muito obrigado – ironizo – Olha a fria que a gente se meteu.
- A culpa é daquele porteiro. Só agora que nós entramos, percebemos que estamos num mato sem cachorro.
- E então, podemos conversar? - responde a freira
- Bem, er... Sabe, é que... É que... Eu... Não... Er, meu afiliado... – engasga Brutus, sem conseguir se defender
- Nós três precisamos de uma conversa mais reservada, irmã...
- Irmã Eleonora, as suas ordens. Sei que estão precisando ouvir alguns de nossos conselhos. Vamos entrando!
E fui direto ao ponto:
- Eu conheci uma manicure na barbearia lá perto do hotel que estamos hospedados. Ela se chama Bianca. Me apaixonei por ela. Passei dois dias felizes de namoro que eu nunca tinha tido antes. E ontem, queria fazer com ela o que sempre acontece entre um homem e uma mulher, só que ela não quis fazer comigo porque ela queria manter a... a castidade até o casamento. E subiu em minha cabeça a superstição de que se eu não tiver uma noite de amor com uma garota antes de cada jogo do Brasil na Copa, o Brasil não ganha. Eu vou me sentir culpado se o Brasil perder pra Argentina hoje. E ela me falou também que um tio dela que é pastor de igreja, pastor evangélico, desses que tem de monte na televisão, disse uma vez pra ela que relações amorosas fora do casamento é pecado.
- Essa garota tem razão – diz a freira – E o tio dela também. Há tantas crianças que nascem nessas relações amorosas fora do casamento. Eles não têm culpa, mas as pessoas que as colocam na terra precisam perceber as conseqüências que podem levar uma relação amorosa extraconjugal. Como é que os filhos dessas pessoas vão crescer sem ter o pai e a mãe juntos para educá-los e instruí-los? É algo que preocupa a nossa sociedade. Não percebe que até hoje os cientistas não encontraram 100% a cura da AIDS? E essa história de que se você não passar uma noite com uma garota antes dos jogos, o Brasil perde, é uma tolice. Ainda mais em final de Copa do Mundo. Os méritos são dos atletas, que treinaram e se esforçaram para chegarem até onde estão neste momento. Porque brasileiros e argentinos vão jogar a final de hoje, graças as superstições dos torcedores? Não, eles galgaram a vida inteira para este momento tão importante. Você não é o único que está aderido em superstições bobas em dia de jogo do Brasil, há pessoas que, durante a Copa, não trocam nem a cueca!
- (Brutus começa a rir) Tive um amigo que fazia sempre isso! Mas aproveitando que eu vim com o Renê, queria falar com você a respeito de uma mulher que não larga do meu pé. Depois que eu comemorei a vitória do Brasil sobre Senegal numa... numa balada privè, resolvi fazer a barba, cortar o cabelo e me senti 30 anos mais jovem. Só que uma mulher está correndo atrás de mim desde aquele dia e não pára de falar pelos cotovelos. Ela está hospedada no mesmo hotel que a gente também está. O nome daquela chata é Bernadete, é viúva de um bicheiro e está apaixonada por mim.
- Eu compreendo sua bronca. As mulheres sempre foram mais faladeiras que os homens. As mulheres têm mais sensibilidade das coisas e os homens são muito céticos, muitos duros e rudes com as situações deste mundo. Elas falam além da conta porque é uma válvula de escape que elas possuem para desabafar com a primeira pessoa que encontram pela frente sobre as coisas que elas passam, tanto boas quanto ruins. Ela quer mesmo é preencher uma lacuna no coração depois da morte do esposo dela, mas se ela não for a pessoa certa pra você, não há nada melhor pra se resolver do que uma boa conversa. E o que nós estamos fazendo?
Depois de gastarmos quase que a tarde inteira por esses incríveis momentos de paz para ouvir sábios conselhos de reflexão espiritual, que eu e o Brutus estávamos precisando, nós demos umas moedas para a Irmã Eleonora e fomos embora para o hotel. Na saída, brinquei com ela:
- Quem sabe, hoje a irmã faz o milagre da multiplicação dos gols.
- Não seja tolo – responde a freira – Tenham uma boa tarde e um bom jogo. Que Deus os abençoe.
- Amém! – diz os dois
Ao fechar o portão de madeira, a freira diz pra ela mesma:
- Só de me lembrarem daquele jogo, eu já fico nervosa!


Enfim, chegou a hora de partirmos para o Luzhniki Stadium de Moscou e assistirmos a partida de futebol mais importante de nossas vidas: a decisão da Copa do Mundo entre Brasil e Argentina. Eu já estava com a consciência tranquila àquela altura e Brutus estava elegante para assistir a um jogo da Copa:
- Ué Brutus, porque você está tão elegante pra ver a final da Copa. Parece que vai num casamento?
- Não, Renê. Os gringos que assistem uma final de Copa do Mundo na tribuna de honra, só vestem roupa chique. Porque eu não posso ir também ver a final com roupa chique? Isso não quer dizer que você deva vestir outra roupa, vá com essa roupa de torcedor, mesmo. Não deu sorte nos outros jogos?
- É uniforme de torcedor. Todo mundo tá vestido dessa maneira em todo o Brasil pra ver o jogo. E pra quem vai pro estádio.
- E tem mais. Como hoje vamos ver a final da Copa lá do estádio, faço questão de pagar a passagem ida e volta pra mim e pra você. Nós vamos até lá de uber!
Na pressa de ir ver o jogo, Brutus quase se esqueceu de comprar o medicamento para o coração dele, pois o remédio que ele tinha levado na viagem tinha acabado. Sorte que havia uma farmácia lá perto do hotel em que nós estávamos, no entanto, o uber não demorou a aparecer e tive que chamar logo o Brutus para não perdermos a viagem. Os minutos estavam se aproximando. Os corações começavam a bater com mais rapidez. E eu e Brutus estávamos prestes a presenciar o momento mais importante daquela que foi a melhor Copa de todos os tempos. Nós dois não parávamos de sorrir e logo conseguimos um bom lugar nas arquibancadas, com boa vista para o gramado e diante de um telão posicionado no alto do estádio que apresentaria as imagens do jogo em tempo real. Eu chamo atenção de Brutus para uma senhora sentada bem longe, a Bernadete:
- Olhe lá Brutus! Adivinha quem também está marcando presença nesta grande final?
- Espero que esse jogo seja emocionante o suficiente pra essa Bernadete não virar a cabeça e ficar me olhando a cada lance.
Numa outra parte do estádio, Bianca está com suas amigas para tomarem seus lugares nas arquibancadas do estádio. Logo, Bianca se impressiona com o local do jogo:
- Nossa que estádio lindo! Que grama bem cuidada! Que telão maravilhoso! Quem sabe o Renê não aparece no telão, queria ver este jogo juntinho dele.
Começa o cerimonial de entrada das equipes de Brasil e Argentina e o trio de arbitragem puxando a fila. Com as equipes perfiladas no gramado, são executados os hinos e depois, o anúncio das escalações das equipes e a arbitragem do jogo, que era da própria Rússia. Eu e Brutus aparecemos no telão do estádio e Brutus chama atenção de Renê apontando para o telão e mandamos um tchauzinho. Depois, o telão mostra as torcedoras brasileiras lideradas por Bianca. As amigas dela apontam para o telão e ela logo manda um recado:
- Renê! Renê! Eu te amo! Renê, eu te amo! Eu te amo Renê!
Eu não tiro o olho do telão depois que ele aparece e mudo de feição quando vejo que Bianca também está vendo o jogo no estádio:
- Bianca! – surpreendo-me
A imagem de Bianca faz a fusão com o do juiz da partida que zera os cronômetros e está preparado para determinar o pontapé inicial. Ele apita o início de jogo e eu logo sento na arquibancada, voltando meus pensamentos exclusivamente para Bianca, a manicure que conheci no salão de beleza. Assim que ela apareceu no telão dizendo que me amava, começou a rodar um filme na minha cabeça que durou mais de duas horas e me fez esquecer completamente do jogo que eu tanto esperava ver em toda a minha vida. Sem perceber peguei no sono e veio em minha memória todos os acontecimentos pelos quais me envolvi durante toda a Copa: o nonagenário Feijão dizendo no avião que em época de Copa “tá assim de mulher”, na mecânica Camila, na amiga baladeira Sofia, na recepcionista Catarina, na garçonete Giovanna, na prostituta de luxo Lígia, na jornalista Jéssica Martins, na filha do gerente da churrascaria argentina Pilar e principalmente na manicure Bianca. Todas essas mulheres que passaram pelo meu caminho durante o transcorrer da competição. Encontrei as qualidades, as virtudes e os bons momentos que passei com cada uma delas, excluindo seus defeitos. E descobri que quando a gente ama uma pessoa de verdade, não encontramos defeito algum e essa pessoa ideal para conviver comigo pra sempre era exatamente a Bianca. E mais, existem na vida coisas muito mais importantes do que um mero jogo de futebol, algo que a sociedade vem impondo atualmente desde a tenra idade de um ser humano que mal vem a este mundo. Essas foram as conclusões que eu tirei nessa lição de moral e quando o “filme” acaba, Brutus murmura alguma coisa no meu ouvido e eu fico boiando por alguns instantes, perguntando para ele:
- Ué, o que ouve, o que aconteceu Brutus?
- Foi 7x1, Renê! – responde Brutus – Foi 7x1, Renê!
- Mas quem ganhou o jogo? – pergunto observando o placar eletrônico do estádio que dizia “Full Time, Brazil 7, Argentina 1”.
- Ganhamos a Copa, Brutus! Somos hexacampeões do mundo! – exclamei, mas indago – Mas como foi o jogo?


Brutus descreveu enfaticamente aquele que foi o maior jogo de todos os tempos. No primeiro tempo, o Brasil já estava vencendo por 3x0, com golaços de Neymar, Paulinho e Gabriel Jesus. Só que o juiz russo da decisão era rigoroso demais e estragou um pouco a festa implicando com o Tite e o Jorge Sampaoli (técnico da Argentina) pelo fato de ficarem na beira do campo de jogo o tempo todo, isto é, fora da área técnica. O treinador brasileiro retrucou com a determinação e foi expulso. No segundo tempo, a Argentina reagiu e diminuiu com Di Maria. Veio na mente dele uma partida decisiva em que o Palmeiras vencia por 3x0 e Vasco foi lá e virou pra 4x3. Só que os argentinos perderam o controle e foram dominados pelo nervosismo da partida. Lionel Messi, de quem tanto se esperava na decisão, “sumiu” em campo. Três jogadores do time alviceleste foram expulsos e mais o Sampaoli por reclamar da arbitragem. Aí foi um show verde-amarelo, William, Roberto Firmino e Neymar, este mais duas vezes, balançaram as redes e fecharam o caixão argentino. No sétimo e último gol brasileiro, o goleiro Romero foi o quarto argentino expulso ao dar uma entrada duríssima em Neymar e o camisa 10 brasileiro, meio que no sacrifício, bateu o pênalti e conseguiu converter em gol, mas não aguentou as dores no tornozelo e saiu de campo às lágrimas. Otamendi foi obrigado a ficar no gol no lugar de Romero na hora da cobrança pois todas as alterações já tinham sido feitas até ali. E assim, o juiz encerrou a partida e o Brasil era hexacampeão mundial de futebol.
Assim que a ficha caiu, eu e o Brutus vibramos, pulamos muito e tivemos uns 10 minutos de alegria. Que dirá a Bianca, que em outra parte do estádio também vibrava com mais uma conquista da Seleção Brasileira numa Copa do Mundo:
- Brutus, prefiro ser campeão com futebol de verdade, mas o que vale acima de tudo é resultado!
Brutus retruca meio com raiva o comentário de Alex:
- Não seja imbecil! Não adianta ser romântico, tem que ser eficiente!
Assim, enquanto os brasileiros vibram de alegria, os argentinos, bronqueados com a arbitragem, abandonam o gramado, não participando da cerimônia de premiação sob vaias dos russos e o coro de “Timinho! Timinho!” da torcida brasileira. Assim, Neymar, mesmo contundido, andando de muletas, carregado pelos companheiros e com a tarja de capitão no braço, é o último a receber a medalha de ouro e a taça da Copa do Mundo das mãos do presidente russo Vladimir Putin, ele a levanta e passa de mão em mão. Assim é dado o início a volta olímpica pelo estádio e os jogadores mostram a taça para os torcedores brasileiros, inclusive para onde Brutus e eu estávamos sentados no estádio.
Quando voltamos do estádio, o Golden Ring Hotel estava oferecendo um jantar especial e gratuito exclusivo para os brasileiros hospedados por lá. O refinado banquete oferecia um peru assado e outros quitutes que mais parecia uma ceia de Natal para comemorar a vitória brasileira. Até uma variedades de pizzas foi servida. Brutus e eu estávamos nesse jantar e para nossa surpresa estavam também Sofia, nossa vizinha de quarto, Jéssica, a jornalista que estava andares acima do nosso, e finalmente, Bernadete, ainda apaixonada por Brutus e ainda mais depois de beber umas e outras. Nós conversamos por horas a fio. Entre um diálogo e outro, Sofia reclamava de fortes dores nos rins, certamente por beber desenfreadamente na “rave do hexa”. Jéssica estava fazendo uma reportagem sobre as mais diversas formas de comemoração brasileira pela conquista da Copa. E Bernadete... bem, a Bernadete ainda pensava “naquilo”. Perguntou a Brutus se ele queria casar com ela, mas a pergunta ficou sem resposta. Esperamos a Bernadete sumir por alguns instantes do refeitório para que nós quatro pudéssemos fazer uma comemoração mais particular da sexta Copa conquistada pelo Brasil. Subimos logo para o apartamento de Sofia e nós tivemos uma noite de amor mais animada que você possa imaginar. Brinquei até com a Jéssica pedindo para fazer uma matéria descrevendo nossa “comemoração”. Mas não vou entrar em detalhes.
Bem de madrugada, lá pelas três horas da manhã, Brutus estava terminando de escovar os dentes, enquanto que eu estava esperando ele liberar o banheiro para eu tomar uma ducha e dormir. Mas que noite nós tivemos! Foi um dia pra ficar marcado para sempre na melhor Copa de todos os tempos. No dia seguinte, eu acordei bem tarde, é claro. Tive que tomar café no próprio apartamento. Mas durante a manhã, cheguei a escutar alguns gemidos. Tenho um sono muito pesado e dormi mais um pouco.  Preferi deixar para ver o que tinha acontecido depois do café, imaginando que ele tivesse uma boa noite de sono:
- Bom dia hexacampeão, como foi sua noite de sono? Ainda dormindo? Pois saiba que passávamos do meio-dia e já não é mais hora de dormir.
Me aproximo de Brutus, que está deitado na cama, toco-o e fico surpreso:
- Meu Deus, ele ficou gelado! Brutus será que foram aqueles gemidos que você deu durante essa manhã? Brutus?! Responda Brutus!
Só que veio a ducha de água fria: Brutus amanheceu morto, vítima de um enfarte fulminante. Não demorei muito para descobrir o motivo: ninguém notou que ele havia comprado a medicação errada, tamanha a pressa de ver o jogo no dia anterior. Ele havia comprado sem perceber um remédio forte com tarja preta:
- Ai, Brutus. Você foi como um pai pra mim nesses dias em que estivemos juntos pra ver o Brasil ganhar a Copa. Você queria tanto ter viajado pra fora do Brasil pra esquecer os problemas que o atormentavam. Você aproveitou cada minuto comigo jogando cartas, dominó e palitinho. Consegui elevar sua alto-estima e libertá-lo da fama de carrancudo que você tinha. Você me deu conselhos que daria inveja aos meus pais. Nem te conhecia direito quando você me foi apresentado pela minha mãe. E agora me vem à mente aquela frase que você disse quando chegou pra cá: que você queria morar para sempre nesse quarto de grã-fino e ficava até morrer. Agora você vai se encontrar com o meu tio Vicente lá no céu. Fique com Deus e descanse em paz.
E enquanto eu chorava, tocam o batedor de porta e eu atendo com os olhos cheios d’água. Era a Bernadete querendo falar com Brutus:
- Boa tarde Renê! – diz Bernadete – Mas que cara triste é essa? O Brasil foi hexacampeão ontem! Não há motivos pra ficar chorando.
- É o Brutus, dona Bernadete. Ele tomou remédio errado e morreu do coração.
Bernadete fica ruborizada, entra no apartamento e fica diante do corpo do seu “amado”. Ela cai aos prantos e debruça sobre o corpo dele. Ainda debruçada sobre o corpo de Brutus, minutos depois, Bernadete faz um pedido para mim:
- Renê, ligue para a administração do hotel. Quero levar o corpo do Brutus para o Brasil e garantir o velório e o enterro dele.
O pessoal do Golden Ring Hotel demorou em chegar. Bernadete nem teve tempo de reclamar. Eles alegaram que havia outro corpo que estava sendo retirado de outro apartamento do mesmo andar em que eu estava. Logo, eu saí do apartamento e vi que eles falaram a verdade. Outro pessoal havia conseguido tirar uma outra pessoa morta em outro apartamento. Quando vi aquelas garotas chorando diante de um corpo envolvido em um lençol branco, fiquei temeroso. Era ela, Sofia, minha amiga de longa data. O corpo dela iria passar por uma perícia médica para saber o motivo de sua morte. Eu não precisava ser adivinho em descobrir o que foi: ela reclamava de fortes dores nos rins na noite anterior e na farra que eu tive com ela, bebeu uma garrafa de champagne inteira, e ainda misturou com uísque. Traduzindo: cirrose hepática, os seus rins não aguentaram tanta bebedeira. Retorno em meu quarto enquanto o corpo de Brutus estava prestes a deixar o apartamento. Bernadete, triste com o fato e com pena de mim, me aproximou e disse:
- Vem descer comigo, Renê. Faço questão de pagar um almoço pra você.


Para esquecer essas cenas tristes que perdurou quase que a tarde inteira, me lembrei que ia ser exibido pela TV a reapresentação da final da Copa do Mundo. Como não prestei atenção no jogo todo, tive a oportunidade de ver cada lance da partida, típicos de um Brasil e Argentina, e o 7x1 verde-amarelo pra cima dos “hermanos”. Assim que revi a cerimônia de entrega da taça, fiquei com olhos vermelhos. Não suportei a ausência que Brutus fazia ali naquele instante. Quando a reprise acabou, desliguei a TV e disse essas sinceras palavras:
- Ah, Brutus. Como você faz falta. Só de ver essas imagens, me fez lembrar de você.
Eu ouço uma voz:
- Posso te ouvir muito bem, Renê.
Viro-me para a janela da varanda do apartamento e vejo Brutus vestindo roupas brancas e acenando pra mim:
- Brutus é você! Sabia que você não ia me deixar sozinho por aqui.
- E estou em boa companhia – diz Brutus trazendo Sofia vestindo branco em seus braços
- Sofia! Aquela noitada te fez bem. Vocês nasceram um pro outro!
- Renê, um último conselho. Lembre-se dessa Copa dos momentos felizes, nunca por esse momento triste que aconteceu hoje pela manhã. Agora meu lugar é aqui em cima, sem choro, dor ou sofrimento, junto com ela. Continuarei 30 anos mais jovem para sempre. Lembre-se também dessa Copa por ter conhecido aquela manicure simpática, a Bianca.
- Liga pra ela, Renê! – aconselha Sofia – Ela deve estar chorando nesse instante por você não estar junto com ela. Vai, liga, ela aceita suas desculpas!
- Você quer ter uma noite de amor com ela ainda hoje em homenagem ao hexa? – diz Brutus – Case com ela, nem que seja no civil. Há vários cartórios espalhados por aqui.
- Porque que eu não pensei nisso antes? – agradeço indo em direção à janela da varanda – Valeu Brutus, valeu Sofia, nem sei como agradecer vocês!
Eu diante de uma janela vazia procuro em vão pelo novo casal formado no céu:
- Brutus? Sofia? Brutus? Sofia? Deve ser minha cabeça. Minha consciência deve ter usado o Brutus e a Sofia de me pedirem pra ligar pra Bianca, pedir desculpas me casar com ela imediatamente.
Assim, uma imensa saudade invadiu meu coração. Logo me lembrei do perfume, do sorriso, dos olhos, dos cabelos e do cartão de Bianca. Não aguentei mais, corri para o smart-phone e liguei para ela:
- Alô? A Bianca está aí? Posso falar com ela?... Alô, Bianca? É o Renê! Tô te ligando pra pedir desculpa de eu ter gritado com você naquele dia – lamento para ela – Bianca, quando você vai voltar para o Brasil? Mesmo tão cedo? Eu volto sexta-feira, gostaria de arrumar suas malas e ficar comigo onde eu tô quando você terminar amanhã seus trabalhos aí no salão? Eu tenho uma passagem de volta a mais aqui sobrando.
Ela aceitou minhas desculpas e minha proposta. Bianca pediu para que naquele mesmo dia eu a buscasse no salão de beleza e nos encontramos novamente. De lá fomos comprar um par de alianças e corremos imediatamente para o cartório da embaixada brasileira (pouco antes de fechar) onde nos casamos no civil. E então, tivemos uma noite inesquecível e pudemos juntos, finalmente, festejar o hexa do Brasil na Copa do Mundo da Rússia. Ficou com pena de mim e um pouco triste quando contei a ela que Brutus havia morrido de parada cardíaca.
Na volta ao Brasil, Bianca abriu um enorme salão de beleza com a ajuda da mãe e da tia no bairro de Pinheiros, São Paulo. Nosso amor era tão grande que um mês depois de voltarmos ao Brasil, nós fizemos questão de casar na igreja. Como nos conhecemos durante a Copa, ela quis pôr um vestido de noiva amarelo-ouro (e estava linda) e eu vesti um meio-smoking verde, ou seja, nos casamos vestindo as cores da bandeira do país hexacampeão do mundo, o Brasil. Todos os nossos amigos que conhecemos na Rússia estavam presentes para testemunharem nossa união matrimonial: a mecânica Camila, a recepcionista da embaixada Catarina, a garçonete Giovanna, a prostituta de luxo Lígia, a repórter Jéssica Martins, a filha do gerente da churrascaria argentina Pilar (tendo que aguentar as gozações dos brasileiros pela derrota na final) e até a Bernadete que ajudou a bancar o casamento (e até deu uma mãozinha no salão de beleza da Bianca). Sem contar nossas famílias, a turma do banco onde eu trabalho e inclusive a Seleção Brasileira do técnico Tite (com contrato recém-renovado com a CBF para mais dois anos), que souberam dessa história através da TV e da internet, que nos deram muitos presentes e fizeram questão da gente poder desfilar pela cidade no carro do corpo de bombeiros ao lado dos hexacampeões mundiais. Não fizemos de rogado e convidamos nossos amigos a subir também. Até hoje vivemos este lindo conto de fadas, moramos numa bela de uma mansão num condomínio fechado nobilíssimo e a gente lembra desta Copa, Bianca e eu, até hoje, com bastante saudade e nunca com tristeza. Isso sim é que foi a melhor Copa de todos os tempos! Fim.